HOLLYWOOD ENGAJA-SE NO ESPÍRITO DO NOVO CINEMA

Publicado na Folha de S.Paulo, segunda-feira, 13 de maio de 1968


Por muito tempo considerada a Meca do cinema puramente comercial, Hollywood está, agora, exibindo uma nova face ao mundo.
O antigo "glamour", o romance e a aventura não desapareceram totalmente - haverá sempre um mercado internacional para os "westerns" as comedias sofisticadas, os musicais de luxo e as historias policiais - porem, cada vez mais, os filmes que desprezam o convencionalismo, no tema e na tecnica, assumem papel relevante com parte do que alguns criticos franceses chamam de "primavera furiosa do cinema mundial".
Os novos filmes ortodoxos diferem bastante de muitas laureadas produções do passado, tais como "The Lost Weekend", "Sindicato de Ladrões", "Como Era Verde o Meu Vale" e "E o Vento Levou", que ainda hoje conservam o seu impacto e o seu frescor, através de sucessivas reapresentações, sempre prestigiadas po rum publico numeroso e entusiasta.

O inicio

Embora Hollywood ainda se encontre nos primordios dessa nova fase criadora que somente agora vai despertando a atenção, suas raizes remontam ao periodo que se seguiu à Segunda Guerra Mundial, quando a chamada revolução cultural começou a varrer os EUA.
Os jovens, em particular, despertaram para o fato de que os filmes não constituiam apenas entretenimento, mas tambem uma forma de arte da maior relevancia no seculo XX. Inumeros cinemas de arte passaram a surgir em todas as partes, com grande afluencia desses jovens, proporcionando-lhes a oportunidade de travar conhecimento com criações artisticas de cineastas estrangeiros e de estudar os trabalhos de varios mestres dos primeiros tempos do cinema norte-americano, como Griffith, Flaherty, Ford e Von Stroheim.
Inevitavelmente um novo talento criador começou a florescer. Jovens experimentadores tentaram a direção e a elaboração de argumentos, conferindo-lhes uma forma pessoal, interpretação livre e utilizando temas e aspectos da atualidade. Buscaram novas formas e meios de expressão cinematografica para substituir o que eles sentiam estar levando ao ridiculo o filme comercial.
Quando o movimento da produção de filmes independentes entrou em fase ativa, na decada de 1950, encontrava-se, em sua maior parte, nas mãos de estetas e rebeldes sociais do quarteirão boemio de Nova York, conhecido por "Greewich Village". Produzidos com o minimo de capital e sem respeitar quaisquer convenções morais, os filmes eram, a principio, rodados e exibidos clandestinamente, recebendo, por esse motivo, a qualificação de "underground films".
Hoje em dia, quase tudo é abordado em tais peliculas, desde a linguagem baixa até a perversão, daí porque alguns criticos referem-se aos "underground" como lixo pornografico. Outros meramente deploram a sua falta de disciplina. Apesar de sua excentricidade e da frequente lascivia, os "underground filmes" influenciaram decididamente os jovens realizadores, estimulando-os a tentar seu próprio estilo, na produção de filmes espontaneos e desinibidos.

As novas formulas

No inicio da decada de 1960, outros cineastas independentes tambem já buscavam uma nova forma de expressão cinematografica. Dentro as mais notaveis produções dessa epoca podem ser citadas: "Shadows", do ator John Cassavetes, historia de um conflito numa familia negra: "David and Lisa", a aclamada narrativa a respeito de dois adolescentes emocionalmente perturbados, realizada com grande sensibilidade por Frank e Eleanor Perry.
Mais tarde, a "West Coast" tambem passou a pontificar dentro do novo estilo, com o aparecimento de peliculas como "Crazy Quilt", surgida em 1966 sob a direção de John Kerty, que opera na area de San Francisco, repetindo o seu exito com "Funnyman", em 1967, panorama tragicomico da vida contemporanea, desta feita sobre o sucesso e o fracasso de um comediante.
Em contraste, "The Endless Summer", de Bruce Brown, combinou elementos de filmes documentarios para mostrar dois jovens surfistas da California numa incansavel busca da "onda suprema".
Todavia as maiores contribuições para o cinema novo foram realmente obtidas sob os auspícios dos grandes estudios. Impelidos, por outro lado, pela grande concorrencia representada pelo desenvolvimento da televisão, os estudios procederam à revisão de seus metodos e praticas. A mais significativa das alterações surgidas foi o aparecimento de filmes realizados com absoluta independencia por seus diretores, de acordo com suas concepções e pontos-de-vista pessoais.
Muitos desses realizadores chegaram aos estudios cinematograficos de Hollywood através da televisão, onde já haviam alcançado notoriedade na direção de dramas. Entre eles podem ser citados Sidney Lumet, Martin Ritt e John Frankenheimer, os mais conhecidos e respeitados atualmente, responsaveis, respectivamente, por obras como "The Pawnbroker" (O Homem do Prego), "Hud" (O Indomado) e "The Manchurian Candidate".
Seguiram-se novas ondas de diretores oriundos da televisão e do teatro, Arthur Penn, já um jovem veterano do palco e da TV, explorou as possibilidades do cinema em "The Miracle Worker" e mais tarde em "The Chase", vigoroso estudo psicologico de uma cidade do sul dos EUA. Mais recentemente foi alçado à gloria artística com o seu famoso "Bonnie and Clyde", que está batendo recordes de bilheteria em todo o mundo, narrando a historia veridica de um casal de assaltantes da decada de 1930. O filme tornou-se o mais polemico dos ultimos tempos. Condenado por uns, pela sua violencia excessiva, é elogiado por outros por seu estilo cinematografico que combina magnificamente a comedia macabra com o realismo sangrento.
Outro bem sucedido egresso da televisão é Norman Jewison, cuja satira, "The Russians Are Coming" (Os Russos Estão Chegando), alcançou grande exito; mais recentemente obteve aplausos calorosos da critica publica com "In the Heart of the Night", uma historia de misterio, que constituiu um apurado estudo de relações raciais e que obteve o "Oscar" de 1967.
São estes alguns dos inovadores da arte cinematografica em Hollywood, que estão contribuindo para a nova fase do cinema norte-americano, fase essa que permite - e até exige - mais liberdade criadora do que em qualquer outra epoca.
Hoje em dia pessoas não vão ao cinema apenas para passar o tempo. Elas se decidem a assistir a determinada pelicula por lhes Ter despertado algum interesse.
Eis porque os novos e jovens cineastas de Hollywood estão procurando apurar os seus talentos e as suas tecnicas.


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