O DECOTE, QUE SEMPRE EXISTIU, ESTÁ DE VOLTA
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Publicado
na Folha de S.Paulo,
terça-feira, 13 de janeiro de 1976
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Decotes
mais profundos e extravagantes são a última norma da
moda de verão. Colos, ombros e costas femininos deverão
ficar à mostra nos vestidos leves e floridos. Desta maneira,
a indústria que existe por detrás dos grandes costureiros
promove a imagem dos vestidos, há tempo relegados para segundo
plano pelas funcionais e econômicas calças compridas.
Como as saias foram alongadas e, portanto, as pernas ficaram parcialmente
escondidas, as zonas erógenas que serão valorizadas
na moda de 76 estão localizadas da cintura para cima. Ombros
e costas ganharam uma nova dimensão, sobressaindo de decotes
originais.
Desde o início, a moda sempre foi um jogo de esconde-esconde.
Enquanto certas partes do corpo feminino eram pudicamente escondidas,
outras ficavam a descoberto, tornando-se, deste modo, o ponto convergente
do interesse masculino. A zona erógena é escolhida pela
moda, que, por sua vez, é um reflexo da sociedade que a lança.
Na preconceituosa sociedade brasileira do começo do século,
essa área certamente era os tornozelos - que os rapazes podiam
admirar quando as moças levantavam as pontas das saias para
subir nos tílburis.
Já os cabeludos da era dos Beatles não precisavam esperar
que as barras fossem levantadas: as mini-saias deixavam a descoberto
todas as formas de pernas.
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Busto
sempre valorizado |
O busto é uma das formas femininas mais valorizadas em quase
todas as épocas e culturas (talvez uma das poucas exceções
seja a dos anos 20, quando os curtissimos vestidos "charleston"
achatavam os seios).
De 1700 a 1400 A.C., as mulheres da ilha de Creta deixavam os seios
nus valorizados pela blusa aberta - que ajudava a erguê-los
- no vestido comprido e com mangas. Pelo menos, é o que atestam
esculturas encontradas pelos arqueólogos, como no caso da escultura
da Deusa das Serpentes.
As egípcias cobriam os seios, embora suas tunicas fossem bastante
justas e o colo ficasse enaltecido por um vistoso colar. Esta é
a imagem feminina dos afrescos e inscrições na pedra
dos templos do Cairo, Luxor e Karnak. Mas, em alguns afrescos de túmulos
de reis da XVII dinastia, aparecem algumas mulheres com o busto nu.
Gregas e romanas usavam túnicas que, embora não deixassem
os seios a descoberto, permitiam que as suas formas fossem denotadas
no meio de pregas e drapeados, em tecidos transparentes.
Na Antiguidade oriental era permitido às bailarinas dançarem
com os seios livres. É o que mostram os baixos relevos de dançarinas
dos templos do Sudeste Asiático.
Na China e no Japão, as formas femininas ficavam escondidas
sob grossos quimonos.
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Moralismo
medieval |
As castelãs da Idade Média usavam vestidos compridos
de mangas longas e os pequenos decotes das blusas deixavam entrever
um pedacinho do colo, que exibia colares e pendatifs. É o que
documentam as pinturas do século XII. Toucas enfeitadas com
tranças, pérolas ou colares (que 700 anos depois voltam
a ser usados pelas mulheres de todo o mundo), véus e chapéus
completavam o traje medieval.
Na Itália Renascentista as nobres usavam vestidos de ricas
fazendas adamascadas provenientes do Oriente ou fabricadas nas tecelagens
da própria península. Os centros texteis começavam
a tomar conta da Europa.
Peter Paul Rubens (1577-1640) retratou Isabel Brant com um vestido
negro, mangas compridas, e um decote profundo deixando à mostra
seios volumosos. Gargantilha de pérolas e longos brincos nas
orelhas enfeitavam a nobre.
De certa maneira, a moda é influenciada pela corrente artística
vigente na época. Por exemplo: o estilo art-nouveau implicou
em vestidos com influência oriental; os quadros racionalistas
de Mondrian parecem ter inspirado os vestidos de Courrèges.
Os estilos barroco e rococó teriam produzidos os volumosos
vestidos enfeitados com rendas, fitas, flores, drapeados das mulheres
do século XVIII. "O Balanço", quadro de Jean-Honoré
Fragonard (1762-1806) mostra uma mulher sendo balançada, ou
melhor: uma profusão de panos, rendas, fitas e flores sendo
deslocadas no ar. O maior exagero dos vestidos "rococó"
parece ter sido conseguido pela Madame de Pompadour que, mesmo assim,
conseguiu que o seu colo aparecesse através do decote da blusa.
No Neoclassicismo as mulheres também usam vestidos decotados.
Goya (1746-1828) retratou dona Tadea Arias de Enriquez com um vestido
leve, vaporoso (é o que sugere a pintura) e de cor clara, mas
enfeitado com rendas pretas. Em outro quadro de Goya - A família
imperial de Carlos IV -, as mulheres aparecem com vestidos mais retos,
decotados, com o busto bem marcado no estilo império; as mangas
são curtas. Colares, usados até pelas adolescentes,
enfeitam os colos. Não faltam os brincos e adornos nos cabelos.
Jean Dominique Ingres (1780-1867) retratou Madame de Senonnes com
um vestido de veludo vermelho e mangas compridas cujo profundo decote
é disfarçado com um tecido transparente preso à
blusa. Esta termina numa espécie de gargantilha com diversas
rendinhas.
Vestidos bem decotados exibiam as dançarinas parisienses de
fins do século passado, retratadas por Toulouse Lautrec. Mas
"A Modista", do mesmo autor, veste uma monástica
blusa branca com "jabots" (espécie de babados) que
vão até o queixo!
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Seios
grandes |
Os decotes sempre procuraram, dissimuladamente ou não, mostrar
os seios. E o ideal de beleza destes também parece ter variado
de acordo com a época e o contexto cultural. Mas foi a indústria
de Hollywood que detectou e depois exportou o verdadeiro mito ocidental
dos seios grandes. Procurando atender o gosto das platéias,
passou-se a promover uma série de estrelas com bustos volumosos:
Jan Harlow, Lana Turner, Jane Russel, Elizabeth Taylor, Marylin Monroe,
Rita Hayworth.
Não faltaram as réplicas européias, como Gina
Lollobrigida, Sofia Loren, Silvana Pampanini, Brigite Bardot.
Baseados em Freud, psicanalistas procuraram explicar os condicionantes
sexuais e psíquicos que levam os homens a supervalorizar os
seios: a primeira experiência sensorial do indivíduo
se dá quando o bebê é amamentado pela mãe.
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Tendência
atual |
Nos últimos anos os seios pequenos começaram a ser apontados
como ideal de beleza. A mulher esguia, ágil, esportiva substituiu
a figura da mulher sedentária, de formas acentuadamente redondas.
A liberalização dos costumes, a relativa promoção
social e política da mulher também atuou na nova conceituação
de "beleza". Desta maneira, quando as mulheres mais descontraídas
resolveram abolir o uso do sutiã, tiveram logo milhares de
seguidoras - principalmente as de seios pequenos, que então
poderiam exibi-los através de blusas transparentes ou rendadas.
E para as mais tradicionais ou de formas avantajadas, a indústria
da moda criou sutiãs extremamente confortáveis, confeccionados
com fibras elásticas. Uma das características mais apreciadas
nestas peças é a de que, conforme o tipo do tecido,
parece que a mulher, embora portando sutiã, está completamente
sem. Usar um sutiã deste tipo para exibir um decote extravagante
é a tendência da moda atual. A mulher passou a introjetar
um conceito masculino, decorrente de uma fixação saudável
da infância (o aleitamento), e explora seu próprio busto
através de blusas e decotes originais.
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