O "SEX-APPEAL"
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Publicado
na Folha da Manhã, domingo, 12 de novembro de 1933
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Neste
texto foi mantida a grafia original
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O eterno
feminino tem no "sex-appeal" a sua origem adoravel: foi
a causa da delicia e do castigo do primeiro homem, quando se viu expulso
do Eden para ficar no regaço de Eva. E a mulher vale bem um
Paraizo... Temos nos dado optimamente, nós, os homens, com
essa troca feliz. Seria, aliás, um silogismo, que nos fossemos
separar da setima costella... Em Eva houve, por influxo da serpente,
a revelação do maior dom do sexo - a curiosidade.
Em cada mulher existe uma esphinge que interroga: é a volubilidade
do desejo, o convite à vida pelo prodigio do amor, que engendra
o rythmo do Universo.
De Salomé a Greta Garbo ha uma analogia parabolica... A primeira
foi a precursora da alloof do seculo XX. A sombra da princeza judia,
que sacrificou a cabeça de São João Baptista,
dansa nos studios de Hollywood, para depois fazer com que os seus
"fans" percam a cabaça, vendo-a na caricia do claro-escuro
sonoro. Em cada gesto de Greta Garbo e de Marleine ha uma reminiscencia
plastica daquella remota " estrella" que tentou Herodes.
São as Salomés do celluloide, que dansam, sem os sete
veos, surgindo na nudez do corpo e alma, sob a espiritualização
da luz e do som obedientes aos caprichos da inteligencia humana.
O cinema e a paizagem dos nossos olhos exigentes e sagazes, o encanto
panoramico da nossa "libido". Em cada pellicula magica nos
sorri o sortilegio de Aladino e espreita-nos o severo Freud. É
a ultima invenção de Satan, de um adoravel diabo, que
nos tenta na penumbra, sorrindo, na sua malicia, o "it"
de suas alliadas perigosas - as mulheres.
O "sex-appeal" representa o jogo subtil do instincto - o
desejo que não pode ser recalcado, a galanteria erogena sob
o leve disfarce da "coquetterie"...
Estamos voltando ao realismo magnifico do amor, que foi uma alegria
divina na Hellade, uma festa dos sentidos nos dias floridos da Renascença
e uma pompa colorida nas noites de Versalhes.
Antes, o amor tinha o rythmo plastico do paganismo, o enlevo das pavanas
e a graça lenta dos minuettos. Dahi, o repouso das estatuas
gregas, o sonho colorido de Corregio, Rubens e Watteau. Hoje, é
a vertigem. O sexo tem azas. É a volupia do motor, a luxuria
do movimento, o delirio erótico da velocidade.
A dansa é o movimento angulosamente desordenado, e a pintura
traça a synthese cubista das formas.
Predomina o senso geometrico da linha recta... ou quebrada.
As curvas de Phidias e o extase oblongo da arte renascentista foram
substituidos pelo desenho linear das emoções directas,
rapidas, concisas.
No quadrado da tela se projecta o jogo sexual das sombras que dansam,
falam e se beijam. Antes era o segredo à sombra de um parque
ou com o auxilio das perucas alvas e dos compridos leques de plumas,
que limitavam a surdina das confidencias, nos salões rebrilhantes.
Agora, é a vida ao ar livre, o beijo longo e ruidoso, trocado
em publico, ou na sombra dos cinemas, na projecção dos
idylios ostensivos.
Romeu e Julieta deixaram o balcão e beijam-se à vontade,
sem sobressaltos.
Paulo e Virginia já deixaram o romantismo lamechas e recorreram
ao divorcio...
O amor deixou de ser uma delicia sentimental para tornar-se uma loucura
desportiva. A viagem de nupcias faz-se em avião. E a lua de
mel é mais saborosa por ser ephemera.
O casamento perdeu o seu caracter de prisão enfadonha, para
ser um breve passatempo e um pretexto para o divorcio. O lar já
não existe propriamente: vive-se mais na rua que dentro de
quatro paredes lugubres. De manhã o banho de mar ou a gymnastica
sueca. Depois, o almoço rapido, com o radio a dar as cotações
da Bolsa e o ultimo samba em voga. À noite, o jantar, com a
electrola funccionando e pondo-nos em contacto com o mundo, já
descrevendo o que se passa na China, já indiscretamente referindo
o mais recente escandalo da cidade; e após, o cinema, o baile
no clube ou qualquer outro pretexto para não se ficar em casa,
que é o lugar onde menos se está... É a vida
no espaço sem espaço, razão que explica a preferencia
dos bangalôs, moradas de bonecas, e dos apartamentos modernos
dos arranha-ceos, gaveras de caixotes collossaes de cimento armado,
onde se agglomeraram as criaturas que fazem do domicilio uma fuga
no tempo...
Que significa em vernaculo o "sex-appeal"?
Não é preciso definil-o, nem é prudente vertel-o
para o portuguez.
Antigamente as coisas inconvenientes se diziam bem em latim.
Agora, ellas ficam melhor em inglez.
Direi, entretanto, de um modo vago e indirecto: afigura-se o desporto
do desejo, a seducção do instincto. O amor no sexo XX
(dupla incognita como a do seculo) tem alguma coisa de desportivo.
Ama-se como se joga o tennis, como se patina ou se exercita o "golf".
Nos povos anglo-saxões é uma especie de "hockey":
a perseguição da bola no gelo...
Nos paizes latinos e tropicaes - um jogo violento, em que o diabo
concorre com as chammas.
Podem achar deliciosa essa vida intensa e vertiginosa. Eu, porém,
em materia de amor, ainda sou passadista: gosto das emoções
fortes, mas prolongadas, sem pensar no tempo. E quando estou em transe
suave, de sonho, longe da realidade da vida, não me conformo
com a volta ao horario do inverno, porque o meu desejo consiste em
atrazar o relogio, para deixar o coração bater à
vontade...
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