COCO CHANEL: A LIBERTAÇÃO DA MODA

Publicado na Folha de S.Paulo, terça-feira, 12 de janeiro de 1971

Neste texto foi mantida a grafia original

PARIS -
Personalidades do mundo, de ambos os lados do Atlantico, renderam tributo ontem a Gabriele Coco Chanel, a mais famosa figurinista do seculo, que morreu aos 87 anos de idade, anteontem.
Mais do que qualquer outra criadora de modelos, Chanel introduziu modificações da moda, disse Norman Morell, considerado o decano dos figurinistas norte-americanos.
"Foi Chanel quem permitiu que as mulheres se sentissem à vontade, com comodidade. Outros terão criado modelos mais belos, mas Chanel foi quem exerceu maior influencia", acrescentou o costureiro.
Marc Bohan, da Casa Dior, afirmou que Chanel "foi uma das grandes modistas do seculo, que jamais se sacrificou à tendencia de modas ridiculas".
A apresentação das coleções de primavera e verão, aprovadas por Chanel - até sabado passado dera sua aprovação a 85 modelos - será feito no dia 26, como estava programado.

Aos 16 anos

Coco Chanel iniciou sua brilhante carreira fazendo vestidos para acompanhar os chapéus que criara em sua "boutique" da rua Cambon. Chegou a Paris aos 16 anos de idade, deixando para trás uma infancia sem felicidade.
Natural de Saumur, às margens do rio Loire, onde nasceu no dia 19 de agosto de 1883, a pequena Gabrielle, orfã aos 6 anos de idade, foi criada por suas tias. Muito bonita, pequena e delgada, seus olhos escuros fizeram com que fosse descoberta por um ricaço da época, Etienne Balsan, oficial de cavalaria e proprietario de um castelo em Ille de France.
Sua roupa simples chamava a atenção entre as mulheres da época: vestido de escolar ou saia com pulover de cores sombrias.
Tanto o oficial de cavalaria como muitos outros amigos ajudaram-na a abrir sua primeira loja em Paris, em 1910. Dedicou-se primeiro à venda de chapéus. Em 1912, um freguês pediu a "Coco" que desenhasse um vestido para sua filha de seis anos. A mãe ficou encantada com o resultado e pediu imediatamente um vestido igual para si.

Começo

Numerosos parisienses começaram a frequentar a loja de Coco, e em pouco tempo a modista abriu uma filial em Deauville, que era na época um dos centros elegantes da França. Seu noivo na ocasião, o inglês Arthur Capel, morreu vitima de um acidente automobilistico em 1924.
Coco iniciou no ano seguinte uma estreita amizade com o duque de Westminster, o que a situou no mais alto escalão da aristocratica sociedade de Paris.
Entre seus amigos intimos Picasso, o compositor russo Igor Stravinsky o grande coreografo, também russo, Diaghilev, e o artista francês, Jean Cocteau.
Depois da Segunda Guerra Mundial, foi acusada de ter ligação com um diplomata nazista e de não ter auxiliado a familia judia Wertheimer, que havia adquirido ações de sua firma. Mas não colaborou ativamente com a ocupação nazista.
Acabada a guerra, a familia Wertheimer passou a controlar totalmente a perfumaria, iniciada por ela em 1922. O perfume Chanel se convertera em uma fonte tão poderosa de lucros, que Coco havia deixado de criar modelos. Mas após, longas discussões com os Wertheimer, concordou em 1954 em ceder-lhes os direitos do perfume Chanel e reabriu sua loja de vestidos com instantaneo e continuo êxito.
A biografia musical apresentada na Broadway terminou após 333 espetaculos com um prejuizo de 175.000 dolares (466,250 cruzeiros).
Por ironia, a srta. Chanel não desenhou o guarda-roupa do espetaculo. Este foi obra do fotografo e criador britanico Cecil Beaton.
A influencia revolucionária de Chanel na alta costura colocou-a ao alcance da mulher de recursos modestos.
"Neste negocio há excesso de homens que não sabem como dar vestidos confortaveis para as mulheres. Quando a moda vai às ruas é uma revolução, mas quando vem delas é uma catastrofe", dizia a figurinista.

Libertou a mulher

Chanel libertou a mulher das faixas e cintas dos corpetes apertados das saias amplas de multiplos babados e franzidos do fim do Seculo XIX e começou do Seculo XX.
Em 1916, ela introduziu na alta costura o jersei de malha estreita, os trajes de tecidos xadrez a moda escocesa, com blusas de malha fina, as calças de boca de sino, as jaquetas curtas e os casacos cruzados na frente e acinturados em estilo militar.
O vestido negro, simples, com gola e mangas largas e punhos, a jaqueta de corte reto e a saia simples foram inovações de Chanel. No dia em que, cedendo a um impulso, cortou os cabelos, surgiu uma moda que se difundiu rapidamente de forma sensacional.
Seus modelos simples, ao alcance da mulher de bom gosto e de pouco recursos, foram muito imitados e confeccionados em mais categorias de preços do que qualquer outra criação da alta costura.
E como se isso não bastasse, milhões de mulheres que nunca se vestiram ao estilo Chanel ouviram o seu nome quando, em 1922, lançou no mercado um perfume que ainda goza de grande popularidade: Chanel-5. Esse numero foi escolhido de proposito, pois acreditava que trazia sorte. E foi esse perfume, na realidade, o mais firme esteio de sua fortuna, afirma-se que se vende mais que qualquer outro em 140 países. Foi a primeira a unir a costura ao perfume e às jóias.
Esta pequena "revolução" surpreendeu muito as elegantes da época que só perfumavam com essencias naturais como o Clavel. Em 1930 possuia uma fabrica de perfumes e outra de texteis. Empregava 2.400 pessoas que trabalhavam em 26 fabricas.
Após ter-se imposto como mulher de negocios e criadora de moda, Coco Chanel renunciou a ter um apartamento pessoal e instalou-se no Hotel Ritz até o fim de sua vida.

Não se casou

Apesar de ter numerosos admiradores, Coco Chanel não se casou. Quando o duque de Windsor a pediu em casamento ela lhe respondeu orgulhosamente: há muitos duques da Inglaterra mas Coco Chanel só há uma.
Já famosa, teve a seus pés uma sucessão de milionários, aristocratas e artistas famosos, mas recusou todas as propostas de casamento. Apreciava demasiado sua independencia - dizia - para poder comprometê-la.
Na decada de trinta aplicou sua fortuna, avaliada então em 15 milhões de dolares (74 milhões e 250 mil cruzeiros), em diversos países.
Durante 15 anos não apresentou um só desfile de moda. Mas quando voltou a aparecer, em 1954, com caracteristicas de simplicidade em um periodo de inovação, suas criações constituiram novo êxito.
No ultimo verão, enquanto se preparava para apresentar sua coleção outo-inverno, definiu sua filosofia nas seguintes palavras:
"Não escandalizo o mundo. Sou inimiga da excentricidade e sinto-me deprimida pela forma em que as pessoas a exibem. Não percebem as mulheres que seu primeiro dever é permanecer femininas e agradar aos homens? E não procurar aparentar 20 anos quando já têm 60, ou assemelhar-se a uma rapaz de cabelos compridos? Na minha idade já não procuro um amante. E, se um hippie de cabelos longos se aproximar de mim convidando-me a fazer amor, eu o mandarei para o diabo".


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