A HISTORIA DOS PENTEADOS

Publicado na Folha da Manhã, domingo, 12 de janeiro de 1930

Neste texto foi mantida a grafia original

Ninon de Lenclos é das figuras femininas talvez a mais notavel, na historia das frivolidades.
Como ninguem ignora, porque toda a gente conhece Ninon de Lenclos, essa seductora creatura, viveu encantando os do seu tempo com a graça da sua belleza, durante um espaço de tempo mais longo que o normal.
Ninon de Lenclos foi joven, foi formosa, inspirou paixões convulsivas, foi a mulher mais mulher de todas as mulheres que fazem parte da galeria frivola da vida galante.
Ninon, por quem centenas de corações palpitaram de amor, possuia o dom rarissimo de ser realmente sincera, dentro dos seus "cliffons". Ella dizia ao seu novo apaixonado a mesma phrase que dissera aos outros: - Amo-o, sim, amo-o muito. Estou cerca de que o amarei durante tres mezes.
E se o apaixonado lhe replicava que queria o seu amor, para sempre, ella respondia, sempre com o mesmo sorriso: - E então, tres mezes não é uma eternidade?
E Ninon, com o seu espirito bem mais sedutor que o seu rosto, inspirou as mais celebres paixões durante dois reinados.
No de Luiz XIII e no de Luiz XIV, porque Ninon de Lenclos iniciou-se muito joven, e aos setenta annos inspirou ainda uma paixão tão profunda e ardente, que o infeliz apaixonado morreu de amor, por não ser correspondido.
Entretanto não seria ella tão famosa quanto espirituosa, intelligente. Saumaise, um dos homens do seu tempo, escreveu que ella realmente era bonita, mas que se os seus apaixonados não tivessem senão olhado a sua belleza physica, certos não teriam sido tão martyrisados pela paixão que lhes incendiou o coração.
O seu espírito, dizia Saumaise, era muito formoso que o seu rosto. E foi este espirito que prendeu tantas almas e lhe conservou o poder de seducção durante tantos annos.
Pois Ninon, por ser no momento a mais notavel das mulheres bonitas, creou modas, as mais extravagantes, sem mesmo pretender crear coisa alguma. Certa vez, estava ella em grande phase amorosa com um gentil cavalheiro, que por sua vez morria de amores por ella e tanto que louco de ciumes, atormentado pelo constante desejo de vel-a, passou a morar em frente à casa que habitava a dona dos seus dias.
O pobre homem, porém, não tinha um minuto de tranquilidade. E um dia, tão grande foi o seu desejo de verificar se Ninon estaria só, ou recebendo os galanteios de outro apaixonado, que, sem pensar, desatinado, sahiu, pondo mesmo sobre a cabeça um jarro em lugar de chapeu e correu à casa della... Ninon lia tranquillamente, recostada num divan.
O amoroso voltou feliz para casa, mais havia sido tão forte a sua tortura ciumenta, que lhe sobreveiu uma febre altissima.
O servo, todo afflicto foi chamar. Ninon. E Ninon, ao ver tão doente o homem que ella então amava intensamente, como prova de amor, de dedicação, de sacrificio, cortou os cabellos, ficando com os cachinhos encaracolados cahindo pela nuca, pela testa, pelas orelhas.
Ora, o namorado de Ninon curou-se naturalmente. Mas Ninon, que iria ella fazer agora, com os cabellos cortados, coisa gravissima naquelles tempos de pernas e pyramides sob a forma de penteado?... Só um recurso. Entrar para o convento. Pelo menos até que voltassem os cabellos ao comprimento necessario e decente. E ficou assentado que Ninon entraria para o convento.
E Anna d'Austria, então, decidiu que o convento fosse o das Raparigas Arrependidas, ao que Ninon se recusou, por não ser razoavel nem acertado, pois que ella não era nem "rapariga", nem arrependida.
E resolvia afinal a não entrar em convento algum, Ninon resolveu dar uma festa sumptuosa, para a qual convidou o que havia de mais requintado no mundo aristocrata e intellectual da Paris de Richelieu. E não faltaram à festa nem Moliére, nem Boileau, nem La Rochefoucauld.
E Ninon appareceu aos convidados com os seus cachos negligentemente dependurados, desordenados. E foi um grande acontecimento. As mulheres acharam lindo o novo penteado, e toda Paris adoptou a "coiffure à Ninon".
E de tal maneira se impunha à moda, a bella Ninon, que por fim tudo se usava à Ninon: pós de arroz, "chiffons" mangas, vestidos...
Teve origem então o penteado de cachos cahidos na nuca, descuidadamente, moda que durou muitos annos. Até que um dia, uma aventura galante de Luiz XIV modificou o penteado à Ninon.
O rei, como de costume fôra caçar javary... (era ironico o rei Sol...) e á sua direita ia a duqueza de Fontanges, encantadora creaturinha que muito encantava o monarcha. Eis que um golpe de vento faz voar o chapéo da linda amazona. Ella, ao ver os seus cabellos desmanchados, voando ao vento, vexada com o olhar do rei amoroso, levantou a saia, tirou uma liga e com ella amarrou ao alto da cabeça os seus corações, fazendo uma trunfa altisima.
O rei maravilhado com todos os movimento da Duquezinha, apaixonou-se definitivamente, se é que ainda não estava totalmente apaixonado...
As damas todas que se achavam na mesma caçada, adoptaram logo o penteado improvisado pela bella favorita. E Paris toda passou a usar o penteado "jontages", que permaneceu no programma, durante uns trinta annos, até que nova estrella brilhou no horizonte caprichoso da moda...
E desta vez foi a Duqueza de Srewsbury, uma dama da aristocracia ingleza, que indo a uma recepção na Côrte exhibiu a sua bella cabelleira cahindo em cachos nas costas, amarrando-os porém na nuca para que o rosto fosse aureolado pelos bandós fartos. Presos os cachos na nuca, depois cahiam pelas cosatas, não juntos. Espalhados.
Conta-se que a formosa ingleza, que há não era joven, mas notavel de belleza e elegancia, não conteve o seu espanto, ao vêr as damas da côrte altissimos, subindo a uma altura desproporcional. E então dissera:
- Que sêres extranhos! Têm a cabeça, do tamanho da metade do corpo!
No dia seguinte todos os "fontanges", foram demolidos. E a moda á Duqueza Srewsbury foi adoptada.
E assim têm origem todas as modas: caprichos de Ninon, de Fontanges, e de Srewsbury.


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