FRIVOLIDADES - A VIDA PARISIENSE

As artificialidades da Cidade-Luz tremem diante do espectro da Grande Noite, que succede a todos os faustos principescos

Publicado na Folha da Manhã, segunda-feira, 5 de outubro de 1925

Neste texto foi mantida a grafia original

Com a exposição de Artes Decorativas, Paris movimentou-se este anno. Mas Paris não necessita de semelhantes attractivos para ser doce na primavera... O que ella já possue de si é já bastante.
Mas Paris tem uma vida muito mais agitada durante a primavera e os primeiros dias do verão. É então que se falla na capital franceza quasi todas as linguas e muito pouco o francez. É que de todos os paizes affluem visitantes à grande Cidade-Luz.
Assim Paris é a cidade da moda, que não decae, apesar dos seus inumeros inconvenientes.
E, como é cidade da moda, é uma cidade artificial. Tudo em Paris é artificio.
As mulheres principalmente revestem-se da mais espantosa artificialidade. Uma parisiense moderna - porque tambem ha parisienses que não são modernas, - mal acaba de comer e toma logo do seu espelhinho portatil do seu estojo de carmim, para avivar o vermelho dos labios. Mas não é só: tinge de preto os olhos, dá coradura às maçãs do rosto, de commum desprovidas de côr, alisa os cabellos, penteia as sobrancelhas e polvilha-se de qualquer perfume.
Essa operação complicada é repetida pelo menos umas dez vezes por dia.
Coisa inutil tudo? Ah! não: O lapis de carmim é feito com glycerina e cacao, de sorte que evita que os labios se abram em chagas. Os cremes e os pós resguardam a pelle. Os diversos preparados que se põem nos olhos têm a sua utilidade: uns evitam o estrabismo, outros, a quéda das pestanas. As loções fortalecem os cabellos. E assim por deante.
Mas no meio de todas essas drogas ha muito preparado que só póde fazer mal... Donde se conclue que...
 
O perigo communista invade Paris.
Já se registraram diversos attentados de origem sovietica e é com calafrios que se aguarda a "Grand Nuit".
Sabem o que é a Grande Noite? Não. Nem tampouco nós, diz-se que é a madrugada tragica de uma era em que se trocam os papeis - o accaso do regimen contemporaneo, as trévas donde brota uma luz livida.
Paris, que tem sido theatro de tantas revoluções, teme de presenciar mais essa que se annuncia.
E teme porque a sua vida é toda artificial e o artificial não resiste aos embates de uma avalanche demolidora.
Entretanto Paris não deixa de ser o que Paris tem sido - a cidade alegre das futilidades e das coisas espantosas, com os seus museus multiseculares, as suas obras de arte e outras coisas que se salvam do torvelinho vão da vida dos boulevards...
 
Frivolidades... Sim Paris tem muita frivolidade, mas não se póde negar que tem tambem muita e muita grandeza.
Mas a frivolidade avulta.
Para os sisudos, o segredo da frivolidade estriba-se de ordinario, em um pudor precioso para a tristeza propria e em uma lastima graciosa para a tristeza estranha.
Mostra-se frivolo é um modo de mostrar-se cortez. Mas é o modo mais difficil.
É por isso que o parisiense é estremamente cortez.
A sua vida é toda frivola e cheia de articialidade...


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