A POESIA DA MODA
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Publicado
na Folha da Manhã, domingo, 5 de maio de 1929
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Neste
texto foi mantida a grafia original
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Extrair das minimas coisas o encanto occulto e irrevelado, dando-lhe
a expressão da emotividade, atravez das transformações
do sêr humano, é a missão do artista. A arte sempre
foi a da poesia. Os sentimentos se transformam; as épocas variam.
Mas, a poesia dormita no seio dos sêres, como o carvalho no
grão de uma bolóta.
A mulher, reveladora da belleza feita carne, é tambem cultora
e inspiradora no desenvolvimento hodierno da arte moderna.
Jamais a moda feminina assumiu importancia decisiva e dominadora,
tal nos tempos actuaes, chegando a funccionar como um elemento decorativo
da vida social.
Outróra, embora brilhante e solenne, entretanto, se destacava
muito menos no conjunto de que fazia parte. Na idade média
e na Renascença os homens eram quasi magnificos, em sua indumentaria,
relativamente Às mulheres.
Hoje, são apenas uma sombra: vestem-se ainda, mas não
se enfeitam. As grandes festas e pomposas cerimonias deixaram de aclarar
a vida social. Nada mais encantaria os olhos se não fossem
o luxo e a vaidade desmedida das mulheres. A mocidade entretece garrida
a grinalda da elegancia e da belleza, entoando o poema da côr,
o vermelho, o amarello, o roxo, o rosa que desmaia na irisação
polychroma de uma apotheose, vibram na immensa guache moderna, de
que a moda é a derradeira glorificação.
Agora, a moda tomou um novo caracter; antigamente o seu unico objectivo
era tornar as mulheres mais agradaveis demarcando tambem sua condição
e escala na sociedade. À medida, porém, que tombaram
as gradações separatistas das classes de dantes, a moda
perdeu esse caracter social, ascendeu, tornou-se uma arte liberta,
cuja finalidade é glorificar a graça feminina. Os costureiros,
como esculptores e pintores, são os artistas da fórma
e da côr. Sujeitos a todas as influencias, emergindo do fundo
das idades, de paizes diversos e regiões differentes, agitam
a arte moderna e remexem as antiqualhas dos archeologos, afim de aproveitar-lhes
as invenções. E a mulher absorvida no seu triumpho,
não cogita nunca das historias que um vestido, como um romance,
resume em suas linhas. No mundo dos machinismos de agora, ao ruido
dos teares, quem pensa nas reminiscencias da Persia, da India, do
Egypto pharaónico, onde as pyramides continuam a sonhar a sabedoria
antigas e da China secular? Qual o ouvido, que escuta o éco
esse percutir dos sons flébeis e esquisitos do preterito linginquo
atravessando éras, trazendo para os nossos dias a remembraça
historica das épocas e theocracias?
Jámais como no momento, os vivos se utilizaram tanto do vestiario
immenso dos mortos.
Observai a linda joven que passa, como uma visão do sonho ante
vossas retinas maravilhadas: é a ultima graça do mundo.
Sua elegancia é moderna pela simplicidade das linhas que lhes
contornam a forma pubere.
Antigamente, um vestido para ser bello necessitava de muitos adornos
e pedrarias.
Hoje, são lisos, sobrios, sem detalhes, modelando apenas o
corpo que cobrem. Tem qualquer coisa de succinto e necessario, que
nos faz pensar na plumagem dos passaros e na tunica irisada de certos
peixes.
Aquella que assim se véste, pretende se agitar sem cessar,
viver como nós outras, mas cheia de rhythmo e belleza, de poesia
e graça, como a derradeira flamma a brilhar no fumaceiro das
ruinas.
É a mulher moderna que passa, dominadora e bella, espalhando
na aridez da vida pratica, a poesia da moda e da elegancia.
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