Pesquisa do Banco de Dados - Folha
Não se sabe se aos 24 anos
ele já tinha o hábito de matar com lança-perfume
as baratas de sua biblioteca, que no sobradão da rua Lopes Chaves
chegou a reunir, quando de sua morte, 17 mil volumes.
"Mario" os críticos e estudantes de Letras acham
chique o chamarem só pelo pronome foi um pensador que os
cargos públicos do Estado não conseguiram asfixiar.
Já falava em 1922 de "polifonia poética" numa
referência metafórica semelhante à utilizada pelo
russo Mikhail Bakhtin anos depois ou por Roland Barthes mais tarde ainda.
Trata-se de ver o texto como uma confluência de diferentes níveis
semânticos ou criativos que se combinam para dar o sentido final.
Foi o que ele, "Mário", explicou, como professor do
Conservatório Dramático e Musical de São Paulo,
a Paulo Duarte com quem tomava coalhada na Leiteria Pereira.
Nas conferências da "Semana" não foi tão
aplaudido quanto Menotti Del Pichia, embora o tenham vaiado glória!
por sua "Ode ao Burguês" (homem que "sendo francês,
brasileiro, italiano é sempre um cauteloso pouco-a-pouco").
"Lente catedrático" no Conservatório, o escritor
ainda não utilizava Manuela, sua máquina de escrever.
Foi no ano da Semana que redigiu "A Escrava que não era
Isaura", publicada em 1925. Tomava bonde e nunca foi proprietário
de algo como o Cadillac de "Oswald" (também um prenome,
por favor). Foi visto, a pé, em companhia de uma bela mulata
apego às tradições populares "obligent",
uma das inúmeras companhias com quem não se casou.
Nasceu em São Paulo a 9 de outubro de 1893, e morreu, também
em São Paulo, a 25 de fevereiro de 1945.
Estreou na literatura em 1917 com
o livro "Há Uma Gota de Sangue em Cada Poema". Cinco
anos mais tarde, em 1922, viria à luz sua primeira obra modernista,
"Paulicéia Desvairada". É também neste
ano que Mário teria uma participação fundamental
na Semana de Arte Moderna, sendo considerado um de seus mentores.
Em 1925, ele deu à poética modernista uma teoria por meio
da obra "Uma Escrava que Não é Isaura" e aplicou
estes conceitos em seu próximo livro "Losango Caqui".
A respeito do livro "A Escrava que Não é Isaura"
Mário, em seu lançamento, afirmou: "Este livro, rapazes,
já não representa a minha verdade inteira da cabeça
aos pés", o que demonstra que o autor acreditava ser muito
mais fácil criar um conceito de arte poética do que compô-la.
Depois disso, Mário entrou numa fase de nacionalismo estético
e pitoresco, com aproveitamento da etnografia e do folclore. Dessa fase
nascem o livro de poesia "Clã do Jabuti" e "Ensaio
sobre a Música Brasileira".
É também nesse período que ele produz sua obra
máxima, "Macunaíma", a qual foi escrita a lápis,
na chácara Sapucaia, em Araraquara (SP), propriedade de 12 mil
metros quadrados do primo e amigo Pio Lourenço Corrêa,
entre os dias 18 e 23 de dezembro de 1926. Atualmente, a chácara
pertence à Universidade do Estado de São Paulo (Unesp).
Escrito o livro, Mário afirmaria para sua amiga a artista plástica
Anita Malfati que pretendia passar férias na chácara,
mas "veio um saci de uma idéia para um romance na cabeça,
escrevi o tempo todo, teve dias em que escrevei até duas da manhã".
Depois disso, colaborou na organização do modelar Departamento
Municipal de Cultura de São Paulo, do qual foi o primeiro diretor,
em 1934. Durante sua gestão, Mário lutou por uma melhor
educação infantil na cidade, pela divulgação
artística, pela educação e pelo ensino musical,
além de organizar uma discoteca pública e promover o primeiro
congresso da Língua Nacional Cantada, em 1937.
Em 1938, mudou-se para o Rio de Janeiro, então capital federal,
onde foi crítico literário e professor de estética
na Universidade do Distrito Federal. Exerceu ainda o cargo de diretor
do Instituto de Artes da mesma universidade, e é o autor do anteprojeto
que deu origem ao Serviço do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional. Em 1940, voltou para São Paulo como
funcionário do Serviço do Patrimônio Histórico.
Morreu em plena maturidade criadora.
Morreu pobre, como num anticlimax de contos de fadas modernistas. Seu
enterro chegou às 17 horas de um domingo no Cemitério
da Consolação e seus livros foram parar na USP.
J.B.N.