"MACHADO DE ASSIS, CETICO E PESSIMISTA, ERA NO FUNDO UM HOMEM AFETIVO E MEIGO"

Publicado na Folha de S.Paulo, segunda-feira, 29 de setembro de 1958.

Neste texto foi mantida a grafia original

Em conferencia que pronunciará amanhã, na Biblioteca Municipal, o sr. M. Paulo Filho focalizará aspectos novos da vida do escritor carioca, cujo cinquentenario de falecimento transcorre hoje - "Através de sua correspondencia com os amigos (poucos) se percebe que Machado era um homem carinhoso"

"Falarei amanhã sobre o mais discutido e maior de todos os escritores nacionais, declarou à reportagem das FOLHAS o sr. M. Paulo Filho, diretor do "Correio da Manhã", do Rio de Janeiro, e estudioso da vida e da obra de Machado de Assis. "É por isso que, convidado pelo diretor do Departamento de Cultura da Municipalidade, para fazer aqui uma conferencia sobre Machado de Assis, como parte das comemorações do cinquentenario de sua morte, escolhi um tema que me pareceu sugestivo. Machado de Assis e seus amigos. "Procurei, através do conhecimento da correspondencia do velho ironista com seus amigos, (correspondencia em parte já publicada) ver melhor os sentimentos afetivos e até meigos daquele que foi apontado e fichado pela critica biografica como um cetico, um pessimista, até mesmo misantropo, que pela sua obra de ficcionista, parecia não acreditar na bondade humana".

"Amava a especie, mas aborrecia o individuo"


"Frisando a contradição que existiu entre o que se pode perceber à primeira vista dos seus escritos, e o que ele era, de fato, pontos esses que irá ferir na sua conferencia, prosseguiu o sr. M. Paulo Filho: "Machado de Assis, ele proprio, se retrata naquele personagem de nome Luís Garcia, do seu romance Iaiá Garcia. Esse Luís Garcia foi uma criação literaria que amava a especie mas aborrecia o individuo. Até 1880, Machado ainda não se havia libertado das nevoas de um romantismo já em decadencia, mas é depois dessa epoca, com as "Memorias Postumas de Brás Cubas", que ele se torna o filosofo e o psicologo amavel e indulgente. Tolerante por indole e vocação, cada vez mais reduzindo o seu circulo de amizades, conservou, entretanto, um grupo mais intimo, para o qual mostrou sempre as reservas do seu coração afetivo, talvez em contradição com a sua propria obra. "Este é o Machado de Assis que eu procurarei mostrar amanhã, na conferencia na Biblioteca Municipal, às 20 horas".

 

Correspondencia com amigos (poucos)


"Eu me referirei - prosseguiu - à correspondencia com os seus amigos Salvador de Mendonça, Valentim Magalhães, José Verissimo, Mario de Alencar (este a quem consagrou uma verdadeira afeição paternal, em lembrança do grande José de Alencar, seu amigo de mocidade) e sobretudo à sua correspondencia com Joaquim Nabuco, que Graça Aranha fez editar com aquele brilhante e majestoso prefacio que todos nós conhecemos. "Nessa correspondencia com Nabuco - aduziu - vê-se como Machado de Assis é carinhoso com as suas relações de familia, com seus amigos, com os quais tratou em sociedade e que tiveram a felicidade de privar com ele. Na correspondencia com Salvador de Mendonça, é maior o saudosismo de Machado de Assis pelo Rio antigo que ele, pesaroso, ia vendo aos poucos transformar-se, perdendo a sua tradicional e atrasada fisionomia colonial." Por fim, afirmou o sr. Paulo Filho que "à proporção que envelhecia, Machado de Assis lamentava que o Rio, sua cidade natal, se renovasse. O que me parece é que não era tanto a saudade do Rio antigo que ele conheceu, mas a tristeza de uma mocidade que ele ia perdendo com esse mesmo Rio antigo".

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