"RIO
(Sucursal) - Se Machado de Assis, nascido há 140 anos (21 de junho
de 1839), vivesse em nossa época, o que ele escreveria? Quem sabe
se escreveria? No Brasil de hoje, haveria lugar para Capitu, Bentinho,
Brás Cubas? A julgar pelas respostas de três intelectuais cariocas,
todos os personagens machadianos seriam verossimeis, atualmente.
Afinal, o Brasil mudou muito pouco, lembra Antônio Callado:
"Se
Machado de Assis fosse escrever, hoje, escreveria da mesma forma
por dois motivos. O primeiro motivo é que ele apurou e simplificou,
de forma tão artistica e definitiva, o português urbano do Brasil,
que sua língua continua válida e perfeita. O segundo motivo é
que o Brasil mudou tão pouco, que ele, em grande parte, poderia
escrever o que escreveu.
"Vejam,
por exemplo, como a expressão 'estado de sítio', num pequeno capitulo
do romance 'Esaú e Jacó', torna o trecho atual: 'Não há novidade
nos enterros. Aquele teve a circunstância de percorrer as ruas
em estado de sítio. Bem pensado, a morte não é outra coisa mais
que uma sensação de liberdade de viver, sensação perpétua, ao
passo que o decreto daquele dia valeu só por 72 horas. Ao cabo
de 72 horas, todas as liberdades seriam restauradas, menos a de
reviver. Quem morreu, morreu. Era o caso de Flora'.
"Como
o estado de sítio nos aconteceu anteontem e certamente voltará
a acontecer depois-de-amanhã, esse pequeno trecho de Machado,
pela língua e pela situação tão brasileira, é irretocável".
Antônio
Houaiss acha que Machado de Assis continua vivo e atuante:
"Machado
de Assis não está morto. Está vivo e mudou alguns temas e problemas,
atualizando-se com a nossa triste contemporaneidade. Ele hoje
faz a mais importante poesia do Brasil e a mais importante crônica,
essa que capta os anseios e tristezas do nosso tempo - sobretudo
da nossa juventude sem horizontes - com aquele fino sentimento
de que, afinal de contas, somos nós mesmos os culpados e vamos,
por muito tempo, continuar a ser. O nome atual de Machado de Assis
é Carlos Drummond de Andrade".
Paulo
César Sarraceni, que fez "Capitu", versão cinematográfica de "Dom
Casmurro", acha que, se Machado de Assis fosse vivo, escreveria
uma nova versão desse romance, que seria centralizada em Capitu.
"Capitu
continuaria a ser um enigma, apesar de Machado já ter sido psicanalisado
e lido Lacan. Ele não teria pudor de amulatar Capitu e de fazer
Escobar e Bentinho terem uma aventura tão enigmática quanto a
da própria Capitu. Se tivesse um desfecho, seria a expulsão dos
dois do colégio dos padres. Mas, como toda a diretoria do seminário
seria discreta, nada se poderia provar do que realmente houve
naquela segunda-feira, no banheiro do colégio. "Capitu continuaria
a ser a grande paixão de Bentinho e Escobar, mas ela seria mais
agente condutora do coração e das paixões dos dois. Não iria deixar
passar ocasião, por exemplo, de fazer com que ambos sofressem
ao ponto de tomarem um porre juntos. Haveria ciúmes tão terríveis,
que nem Lupiscínio Rodrigues poderia imaginar. Quem teria traído
quem naquele triângulo formado por Bentinho, Capitu e Escobar?
Mas, como Escobar acabasse mesmo se afogando nas ondas - que agora
seriam as de Copacabana ou da Barra - o triângulo se desfaria
e Capitu partiria, como no final do filme, esperando por dias
melhores. Mas o importante é que Machado de Assis continuaria
a ser, se fosse vivo, um pesquisador da alma brasileira".