ACUMULAÇÃO LITERÁRIA E NAÇÃO PERIFÉRICA

Publicado na Folha de S.Paulo, sábado, 23 de junho de 1990.


O ensaio que se segue é o último capítulo do novo livro de Roberto Schwarz, "Um Mestre na Periferia do Capitalismo - Machado de Assis", a sair em agosto pela editora Duas Cidades. A obra finaliza um trabalho sobre Machado de Assis que Schwarz iniciou no começo da década de 60 e que já havia sido parcialmente exposto em seu livro clássico "Ao Vencedor as Batatas" (Duas Cidades, 1977)

Roberto Schwarz

"(...) o aparecimento do 'Brás Cubas' modificou a ordem estabelecida: as posições de José de Alencar, de Manuel Antônio de Almeida, de Taunay, de Macedo - até então os grandes nomes da nossa ficção - tiveram que ser sensivelmente alteradas."

Lúcia Miguel-Pereira, "Prosa de Ficção"

"Se voltarmos porém as vistas para Machado de Assis, veremos que esse mestre admirável se embebeu meticulosamente da obra dos predecessores. A sua linha evolutiva mostra o escritor altamente consciente, que compreendeu o que havia de certo, de definitivo, na orientação de Macedo para a descrição de costumes, no realismo sadio e colorido de Manuel Antônio, na vocação analítica de José de Alencar. Ele pressupõe a existência dos predecessores, e esta é uma das razões da sua grandeza: numa literatura em que, a cada geração, os melhores recomeçam 'da capo' e só os medíocres continuam o passado, ele aplicou o seu gênio em assimilar, aprofundar, fecundar o legado positivo das experiências anteriores. Este é o segredo da sua independência em relação aos contemporâneos europeus, do seu alheamento às modas literárias de Portugal e França. Esta, a razão de não terem muitos críticos sabido onde classificá-lo."

Antonio Candido, "Formação da Literatura Brasileira"

A descontinuidade entre as "Memórias Póstumas" e a literatura apagada da primeira fase machadiana é irrecusável, sob pena de desconhecermos o fato qualitativo, afinal de contas a razão de ser da crítica. Mas há também a continuidade rigorosa, aliás mais difícil de estabelecer. Os dois aspectos foram assinalados ainda em vida do Autor, e desde então se costumam comentar, cada qual por seu lado, no âmbito ilusório da biografia: a crise dos 40 anos, a doença da vista, o encontro com a morte ou o estalo do gênio explicam a ruptura; ao passo que o amadurecimento pessoal e o esforço constante dão conta do progresso ininterrupto. Levada ao terreno objetivo, da comparação dos romances, a questão muda de figura e os dois pontos de vista deixam de se excluir. Em lugar do percurso de um indivíduo, em particular a sua evolução psicológica ou doutrinária, observamos as alterações mediante as quais uma obra de primeira linha surgiu de um conjunto de narrativas médias e provincianas. Em que termos conceber a diferença?

Para situar o interesse da pergunta, digamos que ela manda refletir sobre os aprofundamentos de forma, conteúdo e perspectiva que se mostraram capazes de corrigir a irrelevância de uma parte de nossa cultura, ou de lhe vencer o acanhamento histórico. Tudo estará em especificar o que muda e o que fica, sempre em função de um impasse literário anteriormente constituído e a superar, o qual subjaz à transformação e lhe empresta pertinência e verdade. A novidade dos romances da segunda fase está no seu narrador. A vários críticos o humor inglês e a inspiração literária sem fronteiras pareceram sugerir para mal ou para bem, um espaço alheio a balizas nacionais. Nos capítulos anteriores argumentamos em sentido contrário, tratando de salientar o funcionamento realista do universalismo, impregnado de particularidade e atualidade pela refração na estrutura de classes própria ao país. Analogamente, o parentesco entre o autor tão metafísico das "Memórias" e o mundo estreito e edificante dos romances iniciais não salta à vista, mas se pode demonstrar.

Vimos que o procedimento literário de Brás Cubas - a sua volubilidade - consiste em desdizer e descumprir a todo instante as regras que ele próprio acaba de estipular. Ora, com a velocidade a menos, a mesma conduta já figurava nos romances do primeiro período, "sob forma de assunto". De "Ressurreição" (1872) a "Iaiá Garcia" (1878), as narrativas têm como objeto o estrago causado pela vontade imprevisível e caprichosa de um proprietário. A partir de "A Mão e a Luva" (1874), a travação de classe do tema vem à frente e o passa a determinar. A questão está encarada do ângulo da moça de muitos méritos, mas pobre e dependente, a quem as decisões arbitrárias, de um filho-família ou de uma viúva rica, aparentemente liberais, reservam seja humilhações e desgraças, seja o possível prêmio de uma cooptação.

Os aspectos morais esmiuçados pela análise são sobretudo dois, rigorosamente complementares, um em cada pólo da relação: a) visto o desequilíbrio de meios entre o proprietário e os seus protegidos, qual a margem de manobra dos segundos, caso não aceitem cometer indignidades ou ser destratados, mas queiram, ainda assim, ter acesso aos bens da vida contemporânea? e b) como não será ignóbil a nossa gente de bem, além de "louca", se a promiscuidade entre desejo escuso e autoridade social, impeditiva para qualquer espécie de objetividade, decorre estruturalmente da falta de direito dos demais?

A perspectiva dos romances é civilizatória, pois cuida de tornar essas relações menos bárbaras para os dependentes, e menos estéreis para os abastados, isso mediante a compreensão esclarecida do interesse dos dois campos, ambos desorientados pelos efeitos da arbitrariedade, o verdadeiro ponto a corrigir (1).

No conjunto, os romances da primeira fase exploram os dilemas do homem livre e pobre numa sociedade escravista, onde os bens têm forma mercantil, os senhores aspiram à civilização contemporânea, a ideologia é romântico-liberal, mas o mercado de trabalho não passa ainda de uma hipótese no horizonte. Se não há como escapar às relações de dependência e favor, ainda conhecendo o seu anacronismo histórico, existiria algum modo de lhes evitar o efeito humilhante e destrutivo? Conduzidos pela autocrítica muito consequente, os progressos de um livro a outro são notáveis. O período culmina em "Iaiá Garcia". Aqui o sistema do liberal-clientelismo está exposto com amplitude, expresso na sua terminologia própria, sustentado por uma galeria de personagens penitentes e diferenciadas, organizado pelos conflitos práticos e morais que lhe são específicos, e ajudado, enfim, por uma dramaturgia inventada sob medida.

O ajustamento à peculiaridade nacional resulta de um vasto trabalho de absorção da empiria, e, não menos importante, do deslocamento e cancelamento dos esquemas românticos, folhetinescos ou liberais, percebidos como ilusão. Nessa altura, a quantidade das observações sociais e psicológicas, das reflexões críticas e das soluções formais encontradas já representa uma acumulação realista muito respeitável - neutralizada, apesar de tudo, pelo enquadramento conformista. Na sua versão mais complexa, carregada de ressonância moral, ideológica e estética, o impasse fixado em "Iaiá Garcia" se prende à exigência de dignidade dos dependentes. Esses já não querem dever favores a ninguém, pois "a sua taça de gratidão estava cheia" (2). Nem por isso deixam de prestar e receber obséquios, uma vez que o seu espaço social não lhes faculta outro modo de sobreviver.

Contudo, desincumbem-se de sua parte a frio, sem envolvimento pessoal, buscando inibir o jogo de simpatia e reciprocidade, e também de endividamento, inseparável da prática do pavor. Essa atitude cerceadora de si e dos outros não se deve tomar apenas como psicologia, pois representa o resultado de uma experiência de classe, uma espécie de heroísmo na renúncia, refletido e peculiar, adequado à circunstância histórica.

A frieza paradoxalmente responde à hipótese mais favorável ao dependente, aquela em que, embora desamparado de qualquer direito, ele seria tratado como igual - porque a parte mais afortunada quis assim. Condicionada por um inaceitável ingrediente de capricho, essa hipótese feliz constituiria o obséquio maior de todos, e por isso mesmo a maior indecência e humilhação. A sujeição da dignidade, dos valores românticos e liberais à desfaçatez de um proprietário é o pesadelo característico a que a reserva dos pobres deveria pôr um paradeiro, mesmo ao preço de ficar tudo como está. A prosa que não verbaliza com liberdade o conflito exposto na intriga constitui a principal limitação artística de "Iaiá Garcia". A deficiência não decorre de falta de recursos, mas da restrição ideológica imposta pelo propósito de civilizar sem faltar ao respeito. Por outro lado, a restrição tem fundamento prático na posição dos inferiores, que não dispõem da independência necessária à crítica, o que empresta uma nota situada e realista ao convencionalismo dos termos. Ainda assim, a injustiça das relações como que pressiona o padrão comportado da escrita, cuja insuficiência é objetiva e faz desejar um narrador menos coibido em face dos proprietários. Tanto mais que o romance termina com a heroína procurando no trabalho assalariado o remédio para a "vida de dependência e servilidade" (3) a que o paternalismo obriga o pobre.

Estava alcançada a posição a partir da qual o desplante tranquilo dos abastados se podia encarar sem subserviência, fixado em seu arcaísmo e no vínculo inconfessável com a escravidão. Assim, o último romance da primeira fase trazia inscrito em negativo um outro livro - o seguinte? - onde a superação da dependência pessoal pelo trabalho livre, um avanço histórico, permitiria expor sem rebuços o caráter inaceitável e destrutivo das relações de dominação próprias ao período "anterior". Sabemos contudo que Machado não escreveu tal obra, e que o caminho do país tampouco seria esse. Passados os anos, é notório que o fim do cativeiro não transformou escravos e dependentes em cidadãos, e que a tônica do processo, pelo contrário, esteve na articulação de modos precários de assalariamento com as antigas relações de propriedade e mando, que entravam para a nova era sem grandes abalos.

Nalguma altura anterior às "Memórias" e posterior a "Iaiá", faltando um decênio para a Abolição, o romancista se terá compenetrado desse movimento decepcionante e capital. O arranjo civilizado das relações entre proprietários e pobres, que estivera no foco do trabalho literário da primeira fase, ficava adiado "sine die". De agora em diante Machado insistiria nas virtualidades retrógadas da modernização como sendo o traço dominante e grotesto do progresso na sua configuração brasileira. Voltando a "Iaiá Garcia", o esquema europeu embutido na sua intriga, ligado à dinâmica moralizadora do trabalho livre, estava fora de combate. Se estivermos certos, esse quadro permite apreciar a genialidade da viravolta operada nas "Memórias". Já não se trata de buscar um freio - irreal - à irresponsabilidade dos ricos, mas de salientá-la, de emprestar latitude total a seu movimento, incontrastado e nem por isso aceitável. O tipo social do proprietário, antes tratado como assunto entre outros e como origem de ultrajes variados, passava agora à posição (fidedigna?) de narrador. Ou, por outra, as condutas reprováveis (mas não reprovadas) do primeiro reapareciam transformadas em procedimento narrativo, onde o vaivém entre arbítrio e discurso esclarecido, causa do mal-estar moral e prático dos pobres, se encontrava universalizado, afetando a totalidade da matéria romanesca.

Ajustando melhor o foco, digamos que a volubilidade narrativa confere a generalidade da forma e o primeiro plano absoluto ao passo propriamente intolerável dos relacionamentos de favor, aquele em que segundo a conveniência ou veneta do instante a gente de bem se pauta ou não pela norma civilizada, decidindo "entre duas xícaras de chá" (4) sobre a sorte de um dependente. Sai de cena o narrador constrangido dos primeiros romances, cujo decoro obedecia às precauções da posição subalterna, e entra a desenvoltura característica da segunda fase, a "forma livre de um Sterne ou de um Xavier de Maistre" (5), cujo ingrediente de contravenção sistemática reproduz um dado estrutural da situação de nossa elite. No caso há vínculo evidente, embora complicado, entre as questões de forma literária e classe social: o ponto de vista troca de lugar, deixa a posição de baixo e respeitosa pela de cima e senhorial, mas para instruir o processo contra essa última.

Noutros termos, Machado se apropriava da figura do adversário de classe, para deixá-lo mal, documentando com exemplos na primeira pessoa do singular as mais graves acusações que os dependentes lhe pudessem fazer, seja do ângulo tradicional da obrigação paternalista, seja do ângulo moderno da norma burguesa. Depois do proprietário visto da perspectiva ressabiada do dependente, temos o dependente visto da perspectiva escarninha do proprietário, "que se dá em espetáculo" (6). Em âmbito biográfico, talvez se pudesse imaginar que Machado havia completado a sua ascensão social, mas não alimentava ilusões a respeito, nem esquecia os vexames de situação anterior. Essa reorganização do universo literário é profunda e carregada de consequência, das quais veremos algumas. A volubilidade narrativa torna rotineira a ambiguidade ideológico-moral dos proprietários, diferentemente dos romances iniciais, onde essa tivera estatuto de momento excepcional e revelação, com lugar crucial na progressão dramática. A reversibilidade metódica entre as posturas normativa e transgressiva agora veio a ser a ambiência geral da vida. Ficam inviabilizados os desdobramentos contraditórios longos, dotados de travejamento ideológico e crise objetiva, próprios ao Realismo europeu, substituídos por um movimento global "sui generis", com fundamento histórico não menor: em lugar da dialética, o desgaste das vontades.

A normalização literária de um dado estrutural da sociedade brasileira não significava entretanto justificação. Pelo contrário, o caráter insustentável da volubilidade ressalta a todo instante, ao passo que nos romances anteriores, por prudência, ele não fora frisado. Esses últimos queriam remediá-los, enquanto nas "Memórias", onde não há saída à vista, o objetivo é enxergá-lo na sua extensão e na envergadura dos danos causados. Em que consiste a reserva auto-imposta do narrador dos romances iniciais? No que toca à relação entre proprietários e dependentes, o comedimento está em não glosar com verve os prolongamentos mais perversos da dominação pessoal direta; e no que toca ao significado contemporâneo daquela relação, em não expor a gente de bem ao critério burguês que a condenaria. Contudo, ao esquivar o ponto de vista moderno em deferência aos abastados, cuja dignidade, muito sublinhada, parece independer dos abusos que praticam, Machado plantava o seu romance em terreno apologético e provinciano; construía um espaço à parte, a salvo do julgamento da atualidade, esse último como que localmente desativado. Ora, o narrador volúvel põe fim à segregação protetora. Ao faltar com estardalhaço às regras de equilidade e razão, ele as reconhece e torna efetivas, patenteando em toda linha, enquanto dado presente, a discrepância entre as nossas formas sociais e o padrão da civilização burguesa.

Do mesmo modo, os romances da primeira fase têm pouco espaço para as manifestações mais espetaculares da nova era, tais como a política parlamentar, o cultivo da ciência, a empresa capitalista, a filosofia da evolução, o progresso material. A quase ausência não decorre de desinteresse, mas da evidência do caráter precário dessas atividades no país, difíceis de conciliar sem ridículo com as formas de dominação vigentes. Por outro lado, não podiam também faltar completamente, uma vez que eram indispensáveis à verosimilhança oitocentista e à presunção civilizada da gente fina. Com o tino realista necessário à idealização, Machado tratava o interesse pelas matemáticas, pelos versos, pela construção de pontes, pela pesquisa histórica ou pela Câmara de Deputados como simples complementos da elegância senhorial. A posição secundária dos índices de modernidade permitia passar por alto o aspecto atrasado de nossos adiantados, embora ao preço de certa nota, de irrelevância e falta de atualidade gerais, que matam esses romances no conjunto.

A partir das "Memórias", entretanto, quando a dignidade dos senhores vem à berlinda e deixa de ser tabu, haverá inversão de sinais e também de proporções. Conforme tivemos ocasião de ver, as novidades da civilização burguesa agora ocupam a cena. Aí estão em primeiro plano filosofias recentes, teorias científicas, invenções farmacêuticas, projetos de colonização e vias férreas, bem como o liberalismo, o parlamento, a imprensa política etc., ainda que sempre desfigurados pela subordinação a uma certa desfaçatez de classe, a qual é a verdade crítica da dignidade proprietária pretendida nos romances do primeiro período. A desprovincianização literária ocorre em grande escala, seja degradando a figura das relações sociais locais, confrontadas ou expostas à norma e ao progresso da civilização burguesa, nunca sem vexame, seja desmoralizando a reputação incondicional destes mesmos progressos e normas levados, no contexto, a desempenhar papéis deslocados e contrários ao seu conceito. As liberdades narrativas peculiares à segunda fase começam sob o signo de Sterne, conforme a conhecida indicação de Machado. Observe-se contudo que na ocasião a prosa borboleteante era velha conhecida não só do romancista, como de muitos outros literatos brasileiros, que a praticavam nos folhetins semanais da imprensa imitando modelos franceses (7).

A miscelânea de crônica parlamentar, resenha de espetáculos, notícia de livros, coluna mundana e anedotas variadas, com intuito de recreio, compunha um gênero bem estabelecido - e de estatuto "pouco sério". Devido talvez a essa conotação duvidosa, várias de suas propriedades formais acabaram entrando para a feição do novo período machadiano, por razões que veremos. A notação política, por exemplo, solicitava o registro conciso das posições, mais apimentado quando essas se mostram absurdas, risíveis, deletérias etc. Por sua vez, a disparidade tão "moderna" dos problemas surgidos no âmbito do parlamento, paralela à indiferença recíproca e à incongruência de matérias procedentes do mundo inteiro, acomodadas ao acaso numa página de jornal, ou no espaço de uma crônica, incitava ao ponto de vista de Sirius.

A disposição sumária sobre os diferentes assuntos, o grande número deles, a passagem inevitavelmente arbitrária de um a outro, introduziam o elemento de bazar e capricho. Expressivo da situação aleatória e spleenética do indivíduo contemporâneo, esse mesmo capricho se prestava à poetização, e também ao papel de chamariz, atendendo à necessidade comercial de prender o leitor. Com efeito, na ambiência imaginária originada pela imprensa e intensificada no folhetim, o público era induzido a se comportar como consumidor na escala do planeta. E o folhetinista, explorando como atrativos a variedade, a novidade, a vivacidade, o preço, o exclusivismo etc., transpunha para a técnica da prosa os mandamentos práticos da mercadoria.

A lista de traços comuns à crônica hebdomadária e às "Memórias Póstumas" pode ser encompridada à vontade. Com funções diversas, a amálgama de atualismo e futilidade está presente nos dois casos. Entretanto, se desde a juventude Machado dominava essa técnica, à qual se prende, como vimos, a superioridade da "segunda maneira", por que só agora ele a trazia para a esfera do romance? A questão é interessante, pois leva a especificar de maneira imprevista os passos de um indiscutível "progresso literário".

Nos anos 70, quando escrevia os seus quatro romances fracos, quase privados de atmosfera contemporânea, Machado já era forte nas piruetas petulantes e cosmopolitas do folhetim semanal. O que faltava, para completar a configuração artística da maturidade, não era portanto o procedimento narrativo. A reviravolta pendente, que permitiria incorporar à elaboração romanesca uma técnica disponível e comum a muitos, era de ordem ideológica. De modo genérico, pode-se imaginar que a literatura de jornal, "frívola e algo cínica", parecesse incompatível com ambições artísticas sérias. Mais decisivamente, aqueles "defeitos" representavam o oposto da "fidelidade e retidão" que seria preciso quase exigir dos proprietários, como única segurança para o desamparo dos dependentes. Assim, a saída histórica buscada nos romances da primeira fase supunha lealdades morais e compromisso com a promoção social dos pobres, sobretudo os mais dotados, lealdade e compromisso que deveriam primar sem mistura sobre a definição "burguesa" do interesse, à qual no entanto os proprietários não podiam também deixar de estar submetidos.

Quando percebe-se o infundado daquela expectativa, Machado se capacita da pertinência das modalidades de rebaixamento a que o folhetim emprestava o brilho, e as transforma em ambiente espiritual. Os novos tipos de consumo e propriedade, em face dos quais o dependente pobre, pela força das coisas, se encontra desvalido, saem da sombra e passam a dar a nota. Sob o patrocínio prestigioso de Sterne, e também das condutas anti-sociais cultivadas e estetizadas na prosa de folhetim, a volubilidade narrativa irmana e faz alternarem os arrancos da impunidade patriarcal e o pouco-se-me-dá do proprietário moderno, o arbítrio da velha oligarquia escravista e a irresponsabilidade da nova forma de riqueza. Reencenava e apontava à execração dos bons entendedores a ambiguidade característica da classe dominante brasileira (8). Assim, o princípio formal desenvolvido nas "Memórias" soluciona e ergue a novo patamar os impasses apurados no romance machadiano da primeira fase.

A dialética de conteúdo, experiência social e forma é rigorosa, com ganho verdadeiramente imenso em qualidade artística, justeza histórica, profundidade e amplitude de visão. Para apreciar o alcance desse processo, cujas faces crítica e cumulativa dependem uma da outra, convém tomar distância. Do ponto de vista da evolução literária local, a estreiteza dos romances do primeiro período não constituiu apenas um defeito, como as nossas observações poderiam fazer crer. Noutra parte mostramos que essas obras respondiam com discernimento a certa falha do realismo praticado por Alencar, à qual escapavam, ainda que ao preço de engendrar deficiências de outra ordem, talvez menos simpáticas.

Com efeito, estudando "Senhora" pudemos constatar um verdadeiro sistema de desajustes ideológicos e estéticos. Se não erramos, esse decorre da adoção acrítica de uma fórmula da ficção realista européia ligada à concepção romântica e liberal do indivíduo, pouco própria, por isso, para refletir a lógica das relações paternalistas.

A conjunção inocente de matéria local e forma européia nova atendia ao desejo de atualidade dos leitores mais informados, mas desconhecia a química própria a essa mistura. Em consequência, as notações sociais, ou seja, a sociedade efetivamente observada, pouco interagem com a linha mestra da intriga, permanecendo estranhas uma à outra, o que não as impede, no plano geral da composição, de se desacreditarem reciprocamente. Resulta um universo literário fraturado, onde as reivindicações românticas - a mola da fábula - têm sempre algo de afetação risível, postiça e "importada" (9). Assim, quando o primeiro Machado recuava do terreno dito contemporâneo e praticamente excluía de seus romances o discurso das liberdades individuais e do direito à auto-realização, discurso novo e crítico, ele estava fugindo à posição falseada em que se encontravam a ideologia liberal e as ostentações de progresso nas condições brasileiras. Uma vez firmado, esse mesmo discernimento lhe permitirá partir das "Memórias", reintroduzir em massa as presunções de modernidade, só que agora explicitamente marcadas de diminuição e deslocamento, como covinha à circunstância, solucionando o problema artístico armado na ficção urbana de Alencar e evitado, ao preço do confinamento à esfera da dominação intrafamiliar, em seus próprios trabalhos da primeira fase. Por sua vez, sem prejuízo da ingenuidade, o realismo alencarino dos "perfis de mulher" se pode ver como resposta refletida a romances anteriores de Joaquim Manuel de Macedo, em relação aos quais progredia.

Como termo de comparação, sirva de exemplo o capítulo 4 de "O Moço Loiro" (1845), onde duas formosas sinhazinhas estão postadas à janela de uma chácara, contemplando a lua e o mar. Dissertam sobre os horrores da situação de herdeira: como poderiam crer nas declarações de amor dos pretendentes, se inevitavelmente essas serão devidas ao dinheiro dos pais e a outros pensamentos ainda mais cínicos? O autor de "A Moreninha" fixara a ressonância poética, maior do que parece, da conjunção de ambiente patriarcal, paisagem fluminense e chavões ultra-românticos, bem aproveitada pelo seu sucessor. A graça da cena está na artificialidade das idéias, gritante ainda em se tratando de mocinhas com "o dobro da instrução que soem ter nossas patrícias" (10).

A função dos discursos desiludidos das meninas não é crítica, mas lisonjeira, ou, por outra, não é desenvolver as grandes linhas da situação em que se encaixam, mas lhe atestar o vínculo com a civilização contemporânea. Com menos complacência, ou complacência de outra ordem, a mesma atmosfera e um assunto comparável foram expostos em "Senhora", onde se desdobram as etapas da compra e ulterior redenção de um marido. O leitor estará lembrado da organização muito estridente do livro, dividido em quatro partes - "O Preço", "Quitação", "Posse" e "Resgate" - conforme a terminologia das transações comerciais. Assim, Alencar trazia o rigor analítico (um tanto disparatado) e a seriedade da indignação moral (também um pouco fora de foco) ao universo sobretudo faceiro e amigo de novidades de seu predecessor. Nem por isso a razão e a dignidade muito enfáticas deixavam por seu turno de ser faceirices, provas de adiantamento e europeísmo antes que esforços efetivos de lucidez - repetindo, em nível mais elaborado, a constelação a superar.

Os funcionamentos especiosos da vibração moralista e da verve analítica, enfeiadas pelo fundo de elitismo, funcionamentos tão incômodos em Alencar, adiante formariam entre os grandes achados críticos das "Memórias", de cuja matéria literária fazem parte sistemática. Ao lhes sublinhar o motivo imediatista e compensatório, em desacordo com a gesticulação ilustrada, Machado reconstituía em novo plano, eletrizado pelo discernimento moral e pelo empenho da inteligência, ambos girando em falso, a inconsequência amena que movimenta a prosa de Macedo. Uma corrente de comicidade muito mais franca e popular é formada por França Júnior, Manuel Antônio de Almeida e Martins Pena. O traço distintivo está na sem-cerimônia extraordinária com que são tratadas ou desconhecidas as idéias capitais da burguesia oitocentista. Os autores dão de barato a posição precária da normatividade nova no país, e aliás enxergam aí um elemento alegre, de desafogo. Veja-se, no caso dos "Folhetins" de França Júnior, a promiscuidade pitoresca entre as presunções europeístas e as realidades de escravidão, clientelismo e antiga família patriarcal, promiscuidade que já é a mesma de Machado de Assis, descontada a consciência crítica. No "Inglês Maquinista", de Martins Pena, anterior ainda à cessação do tráfico, tudo está na deliberada falta de decoro das combinações temáticas. Assim, os três pretendentes de Mariquinhas são um primo pobre, honesto e patriota, um contrabandista de africanos, com barba até dentro dos olhos, e um "english" vigarista, tão desonesto como o outro; a mãe da moça bate em negros para desafogar o peito, faz vestidos de seda com as modistas francesas, de chita com a Merenciana, é mestra em usar empenhos para se apropriar de escravos da Casa de Correção, e naturalmente prefere os namorados com dinheiro. E embora não pairem dúvidas no que respeita ao bem e ao mal, o primeiro não goza de tratamento literário distinto, convivendo em igualdade de condições e dentro de toda intimidade com barbárie e contravenções de toda ordem. Essa equanimidade, embutida no andamento lépido, se poderia atribuir ao gênero farsesco, o que no entanto seria desconhecer o senso histórico do Autor. Digamos então que o clima de farsa permitia fixar artisticamente algumas das constelações escandalosas da normalidade nacional (11). A solução encontrada por Manuel Antônio de Almeida nas "Memórias de um Sargento de Milícias" é menos palpável, mas aparentada.

Antonio Candido assinalou o convívio de bonomia e cinismo em sua prosa, cujo balanço abre espaço para os dois lados de todas as questões, encaradas ora do ângulo da ordem social, ora do ângulo da transgressão. Daí uma certa suspensão do juízo moral, e também da ótica de classe, em contaste benfazejo com a entonação "crítica" desenvolvida pelos românticos, sobretudo por Alencar, impregnada de indignação um pouco farisaica e presunções de superioridade pessoal. Antonio Candido nota ainda a ressonância "brandamente fabulosa" daquele ritmo, que sugere um mítico "mundo sem culpa", "um universo que parece liberto do peso do erro e do pecado" (12). Para ligar ao nosso esquema essas observações - em que nos inspiramos largamente - acrescentemos que a narrativa se passa num Antigo Regime meio fantasioso contrastante com a nossa época "normalizada". "Era no tempo do rei", quando os meirinhos e demais funcionários se vestiam e conduziam de acordo com a majestade de seu cargo, não como os de hoje, que "nada têm de imponentes, nem no seu semblante nem no seu trajar" (13). É claro que o encanto dos outros tempos não decorre só da vestimenta e dos costumes coloridos, mas sobretudo da ausência tangível do sentido moral moderno, a qual, para os súditos desse último, adquire conotação utópica. Assim, não deixa de haver tensão entre a consciência moral, de que a condução da prosa tacitamente tem e dá notícia, ainda que apenas para a passar por alto, e o mundo de arranjos pessoais, propiciado pelo clientilismo.

A comicidade sutilmente moderna do livro depende desse distanciamento. Digamos então que, sem prejuízo da acentuação diversa, as vertentes que indicamos exploram e desdobram uma mesma problemática, de origem extraliterária, proposta pelas grandes linhas da realidade nacional e de sua inserção no mundo contemporâneo. A matriz prática se havia formado com a Independência, quando se articularam perversamente as finalidades de um estado moderno, ligado ao progresso mundial, e à permanência da estrutura social engendrada na Colônia. Entre essa configuração e a das nações capitalistas adiantadas havia uma diferença de fundo. Inscrita no quadro da nova divisão internacional do trabalho, e do correspondente sistema de prestígios, a diferença adquiria sinal negativo: significava atraso, particularidade pitoresca, alheamento das questões novas, atolamento em problemas sem relevância contemporânea. Enredados nessa trama, alienante em sentido próprio, caberia ao trabalho artístico e à reflexão histórico-social desfazer a compartimentação e descobrir, ou construir, a atualidade universal de imensos blocos de experiência coletiva, estigmatizados e anulados como periféricos.

Recapitulando, o nosso percurso tem como ponto de partida a polarização "sui generis" e desconcertante a que a vida nacional submetia um conjunto de categorias pertencentes à experiência moderna. A peculiaridade social terá sido notada e refletida de inúmeras maneiras, desde as cotidianas, que ficaram sem registro, até as conservadas em jornal ou livro. No campo artístico, alinhada com os modos de reação mais imediata e popular, observamos uma pequena tradição de literatura cômica, despretenciosa mas de irreverência notável. Orientados pelo senso romântico da peculiaridade histórica, e cientes da impostura que, nas circunstâncias locais, aderia ao modelo de personalidade próprio ao mesmo Romantismo, esses escritores tratam sem deferência o ponto de vista e os costumes ditos "adiantados", e sobretudo não lhes conferem privilégio sobre o dia-a-dia pouco prestigioso e não-burguês do Rio de Janeiro.

A relevância crítica desse humorismo, o seu vínculo com a Colônia bem como o seu prolongamento moderno em "Macunaíma" e no "Serafim Ponte Grande" foram assinalados por Antonio Candido (14). Em contraste, a linha Macedo-Alencar adaptava à boa sociedade fluminense as complicações da aspiração subjetiva, do foro íntimo, do sentimento liberal, ou, mais geralmente, da individualidade que se quer autônoma - donde os desencontros que já estudamos e que, nos romances da sua primeira fase, Machado trataria de abafar. Nas "Memórias Póstumas", por fim, o movimento alcança uma síntese superior, que lhe recupera os momentos ruins e bons, e os transforma em acertos máximos. A interioridade funciona a todo vapor, cheia de desvãos e revelações, mas despegada do chique, da superioridade e do potencial reformista que em graus diferentes Macedo e Alencar lhe tinham atribuído. Tratado como caixa de compensações imaginárias, em sintonia com avanços decisivos na concepção científica do homem, o universo interior não pressiona em direção de progresso algum. Ajusta-se à ciranda viva e sem tendência à auto-reforma que a literatura de inspiração popular soube inventar, calcada em dinamismos reais da sociedade brasileira. O ritmo de Martins Pena e Manuel Antônio de Almeida está retomado no "Brás Cubas", só que agora trazido às alturas alencarinas do sentimento-de-si mais exigente e contemporâneo, que o condena enfaticamente e nem por isso deixa de se acumpliciar com ele, passando a integrá-lo e sendo condenado por sua vez (15).

Assim, a técnica narrativa das "Memórias Póstumas" resolvia questões armadas por 40 anos de ficção nacional e, sobretudo, encontrava movimentos adequados ao destino ideológico-moral implicado na organização da sociedade brasileira. Como se vê, os problemas estéticos têm objetividade, engendrada pela História intra e extra-artística. Ao enfrentá-los, ainda que sob a feição depurada de uma equação formal, o escritor trabalha sobre um substrato que excede a literatura, substrato ao qual as soluções alcançadas devem a força e a felicidade eventuais. As questões de forma não se reduzem a questões de linguagem, ou são questões de linguagem só na medida em que essas últimas vieram a implicar outras do domínio prático. Pelo simples diagrama, a célula elementar do andamento machadiano supõem, em nível de abrangência máxima, uma apreciação da cultura burguesa contemporânea, e outra da situação específica da camada dominante nacional, articuladas na disciplina inexorável e em parte automatizada de um procedimento, a que o significado histórico desse atrito empresta a vibração singular. A inspiração materialista de nosso trabalho não terá escapado ao leitor.

O caminho que tomamos entretanto vai na direção contrária do habitual. Ao invés do artista aprisionado em constrangimentos sociais, a que não pode fugir, mostramos o seu esforço metódico e inteligente para captá-los, chegar-se a eles, lhes perceber a implicação e os assimilar como condicionantes da escrita, à qual conferem ossatura e peso "reais". A prosa disciplinada pela história contemporânea é o ponto de chegada do grande escritor, e não o ponto de partida, esse sempre desfibrado, na sociedade moderna, pela continência e o isolamento do indivíduo. Voltando a Machado de Assis, vimos que a sua fórmula narrativa atende meticulosamente às questões ideológicas e artísticas do oitocentos brasileiro, ligadas à posição periférica do país. Acertos, impasses, estreitezas, ridículos, dos predecessores e dos contemporâneos, nada se perdeu, tudo se recompôs e transfigurou em elemento de verdade. Por outro lado, longe de representar um confinamento, a formalização das relações de classe locais fornece a base verossímil ao universalismo caricato das "Memórias", um dos aspectos da sua universalidade efetiva. Os imperativos da volubilidade, com feição nacional e de classe bem definida, imprimem movimento e significado histórico próprios ao repertório ostensivamente antilocalista de formas, referências, tópicos etc., cujo interesse artístico reside nessa mesma deformação. A notável independência e amplitude de Machado no trato literário com a tradição do Ocidente depende da solução justa que ele elaborou para imitar a sua experiência histórica. Lembremos por fim a nota perplexa que acompanha as intermináveis manobras, ou infrações, do "defunto autor": a norma afrontada vale deveras (sob pena de o atritamento buscado não se produzir), e não deixa contudo de ser a regra dos tolos. Postos em situação, como reagimos? entramos para a escola de baixeza desse movimento, ou nos distanciamos dele, e o transformamos num conteúdo cujo contexto cabe a nós construir? Com perfil realçado mas enigmático, à maneira de Baudelaire e Flaubert, Dostoiévski e Henry James, o procedimento artístico se coloca deliberadamente a descoberto, como parte, ele próprio, do que esteja em questão. Não porque a literatura deva tratar de si mesma, segundo hoje se costuma afirmar, mas porque na arena inaugurada em meados do século passado, cuja instância última é o antagonismo social, toda representação passava a comportar, pelas implicações de sua forma, um ingrediente político, e a ousadia literária consiste em salientar isso mesmo, agredindo as condições da leitura confiada e passiva, ou melhor, chamando o leitor à vida desperta (16).

Como é sabido, a dívida técnica mais patente das "Memórias" é setencentista, e não será ela o essencial da novidade de um autor do último quartel do século 19. A imitação fiel da desfaçatez da classe dominante brasileira; o sentido agudo de seu significado contemporâneo e efeito deletério; a incerteza completa quanto a seu prazo no tempo e - ousadia suprema - quanto à superioridade da civilização que lhe servia de modelo inalcançado: a esse conjunto complexo, de alta maturidade, deve-se a saliência especificamente moderna da forma machadiana, tão nítida e desnorteante. O método narrativo purgava de complacência patriótica e beletrística (isso quando não funcionasse ao contrário...) o sentimento amável e cediço que a nossa elite tinha de si mesma, o qual se via mudado numa cifra - implacável entre as implacáveis - do destino da civilização burguesa. Ao contrário do que faz supor a voga atual do anti-realismo, a mimese histórica, devidamente instruída de senso crítico, não conduzia ao provincianismo, nem ao nacionalismo, nem ao atraso. E se uma parte de nossos estudiosos imaginou que o mais avançado e universal dos escritores brasileiros passava ao largo da iniquidade sistemática mercê da qual o país se inseria na cena contemporânea, terá sido por uma cegueira também ela histórica, patente mais ou menos longínqua de desfaçatez que machado "imitava".

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(1) Para uma análise mais pormenorizada, Roberto Schwarz. "O Paternalismo e a sua Racionalização nos Primeiros Romances de Machado de Assis", in "Ao Vencedor as Batatas", São Paulo, Duas Cidades, 1977.

(2) "Iaiá Garcia", Obra completa, vol. 1 pág. 315.

(3) "Iaiá Garcia", pág. 406.

(4) "Iaiá Garcia", pág. 402.

(5) "MPBC", pág. 109.

(6) Alfredo Bosi refere-se ao "tom pseudoconformista, na verdade escarninho, com que (o narrador) discorre sobre a normalidade burguesa". Em "A Máscara e a Fenda", A. Bosi et al., "Machado de Assis", São Paulo, Ática, 1982, pág. 457.

(7) "O folhetinista é originário da França, onde nasceu, e onde vive a seu gosto, como em cama no inverno. De lá espalhou-se pelo mundo, ou pelo menos por onde maiores proporções tomava o grande veículo do espírito moderno; falo do jornal/ (...) o fohetim nasceu do jornal, o folhetinista por consequência do jornalísta. Esta íntima afinidade é que desenha saliências fisionômicas na moderna criação./O folhetinista é a fusão admirável do útil e do fútil, o parto curioso e singular do sério, consorciado com o frívolo. Esses dois elementos, arredados como pólos, heterogêneos como água e fogo, casam-se perfeitamente na organização do novo animal". Machado de Assis, "O Folhetinista" (1985), Obra Completa, vol. 3, pág. 968. O tema está exposto de maneira ampla e documentada em Marlyse Meyer, "Voláteis e Versáteis, de Variedades e Folhetins se faz a Chrônica", xerox, 1987.

(8) A crônica de jornal como lugar de encontro entre a modernização e a tradição foi estudada por Davi Arrigucci Jr., "Fragmentos sobre a Crônica", in "Enigma e Comentário", São Paulo, Companhia das Letras, 1987.

(9) Roberto Schwarz, "A Importação do Romance e suas Contradições em Alencar, in "Ao Vencedor as Batatas".

(10) Joaquim Manoel de Macedo, "O Moço Loiro", s/1, Ediouro, s/d, pág. 33.

(11) Ver a respeito as numerosas observações de Vilma Arêas, "Na Tapera de Santa Cruz", São Paulo, Martins Fontes, 1987.

(12) Antonio Candido, "Dialética da Malandragem", págs. 84-88.

(13) Manuel Antônio de Almeida, "Memórias de um Sargento de Milícias", Rio de Janeiro, Instituto Nacional do Livro, 1962, págs. 7-8.

(14) Antonio Candido, op. cit., pág. 88.

(15) A propósito de um conto de Machado, "O Diplomático", Vinicius Dantas estudou as continuidades e diferenças entre a prosa machadiana da maturidade e a comicidade popularesca dos anos 1830 e 40, cultivada na imprensa. "O Narrador Cronista e o Narrador Contista", trabalho de aproveitamento da Unicamp, 1984.

(16) "Se não cursaste a retórica/ Do fino professor Satã/ Joga este livro!/ Não entenderás nada/ E me acreditarias histérico", Charles Baudelaire, "Epigrafe para um Livro Condenado". Os versos são dirigidos ao "Leitor pacato e bucólico,/Sóbrio e ingênuo homem de bem".

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