LENITA MIRANDA DE FIGUEIREDO
Os
adeptos do "Black Power", de fofos cabelos e tunicas "zulus",
sem mais qualquer cerimonia tiram o cartão de visita do bolso
e se apresentam de modo estranho ao turista: "Black Is Beautiful".
Em
todo o sul dos Estados Unidos e em algumas partes do norte, os
cartões de exaltação da raça circulam em mãos negras e brancas.
Tôda
a conscientização de uma raça a subrepujar a raça branca em numero
e agressividade e julgando-se superior explode incandescente a
alastra-se incontrolável.
Os turistas colecionam os cartõezinhos com a marca dos panteras
negras como uma simples curiosidade, sem perceber o que está concentrado
num "slogan" inocente: "Black Is Beautiful". No verso, a marca
inconfundível da violência de muitos verões: a pantera de garras
afiadas, soltando chispas pelas narinas, o ataque e a violencia
expressos na postura agressiva e feroz.
Num
país como os EE.UU. conturbado pelos conflitos raciais crescentes
pode-se admitir a luta e o confronto de posições negras e brancas
em seu meio social.
Lá
a musica quando é negra, é essencialmente negra. Fala de um mundo
negro, onde o negro é líder, senhor absoluto, nem sequer se cogita
em exaltar ou atacar o branco.
Nos
temas agressivos da 3ª corrente e no mormaço melancolico dos "blues"
atuais o negro não roga mais ao "My Lord" as almejadas asas para
os voos supremos de liberdade; não está mais a cantar à porta
da cabana, à espera de que os tempos melhorem. Não almeja mais
nada a longo prazo. Suas atitudes, suas ações, seus anseios sofrem
soluções rapidas e caminha ombro a ombro com o branco, disputando-lhe,
hoje, agora, as mesmas oportunidades, os mesmos direitos e os
mesmos sonhos de vida e de amor. A luta negra é solitária. A ela
o branco permanece indiferente.
Tôda
a pulsação do Harlem propaga-se com força na musica negra, através
dos "slogans" "Black is beautiful", tão "beautiful" que branco
algum que preze sua vida permanece ali depois da 6 da tarde.
O
negro só fala e se interessa pela vida negra, pelo amor negro
e quando um mais arrojado elege um amor branco os odios recrudescem
e, no caso, não há vantagem alguma em se ser negro ou branco em
tal comunidade.
A
lei brasileira sôbre racismo é explicita e rigorosa. A verdade
é que não há racismo no Brasil e qualquer um que tente ferir os
principios de dignidade do preto, é passivel de punição.
Talvez
porque o nosso negro relegado a uma condição social inferior à
do branco ainda não se encontre socialmente capaz de se colocar
em terreno competitivo em todos os ramos de atividade profissional.
Com
exceção de um ou dois porteiros de hotel, deste ou daquele gerente
bossal de buate que já barraram a entrada de algumas pessoas em
suas casas por serem negras, não se pode falar sequer em racismo
aqui.
Entretanto,
parece-nos que há gente interessada ou por má intenção, ou por
imbecilidade, a fomentar a luta racial no Brasil. Acaba de ser
lançada propositadamente a causar polemicas, um tipo de musica
que vai deixar muita gente falando sozinha. Trata-se de "Black
Is Beautiful", o "slogan" do cartãozinho de autoria de Marcos
e Paulo Sergio Valle, que exalta o negro e picha "os brancos horriveis
da rua do Ouvidor". Ellis Regina, aos berros, apela na interpretação:
__________
Hoje
cedo, na rua do Ouvidor
Quantos
brancos horríveis eu vi
Eu
quero um homem de côr
Um
Deus negro do Congo ou daqui
Black
is beautiful
Black
is beautiful
Black
beauty so peace full
I
wonna black
I
wonna beautiful
Black
is beautiful
Black
is beautiful
Hoje
à noite, amante negro, eu vou
Enfrentar
o meu corpo no teu
Eu
quero um homem de côr!
__________
Se
a musica tivesse sido gerada à luz da outra America estaria tudo
certo, exceto, trocando-se a rua do ouvidor pela 5ª Avenida, com
os papeis invertidos. É o branco repudiando os próprios brancos,
coisa que jamais um negro faria.
É
desconcertante que dois nomes que já muito fizeram pela nossa
musica tenham feito essa só pela vontade de aparecer ainda mais
ou trata-se apenas de um truque para impressionar a racista Ella
Fitzgerald. E talvez Ella mesma tenha estranhado o branco, agredindo
os seus irmãos brancos da velha e lendaria rua do Ouvidor, sem
saber porque.
Sem
duvida alguma, "Black Is Beautiful" é mais perigosa ainda que
seja "top" nas paradas de sucesso.
Mas
uma coisa é certa. Os brancos hão de se tocar naquilo que lhe
fere a pele, de perto e hão de indagar com seus botões das intenções
dos dois jovens autores: afinal o que é bonito: o branco ou o
preto?
Que
os irmãos Valle ou a Ellis Regina queiram um homem de cor do Congo
ou daqui, e que achem "horríveis os brancos da rua do Ouvidor",
ninguém tem nada com isso. Mas dessas divagações pode nascer o
desentendimento de verões brasileiros. Com isso pode desencadear-se
aqui, uma onda racista, uma guerra entre brancos e negros, coisa
que jamais o brasileiro pensou.
Em
contrapartida, só nos resta uma alternativa. Ou nós, os brancos
pintamos a cara de preto e que nessa onda entrem também "os homens
horríveis da rua do Ouvidor" ou vamos imprimir nossos cartões
de visita com o novo "sologan": "White is beautiful".