GIULIETTA MASINA: DE "EUROPA 51" A "CABIRIA"


Publicado na Folha da Manhã, domingo, 9 de novembro de 1958

Neste texto foi mantida a grafia original


Desde o inicio procuravamos conhecer o que de mais sincero havia nas palavras de uma atriz por nós todos assediada. Seriam muitos os pontos de interesse num possivel coloquio com ela, independentemente dos rumos que poderia tomar a entrevista coletiva com os componentes da delegação italiana na manifestação de São Paulo. As primeiras palavras de Giulietta Masina aos jornalistas ("Sou a esposa de Federico Fellini... Federico diria isso... Federico pensaria assim... Gelsomina é produto de nós dois..."), sentimos sua necessidade, quase uma ansia, de que se revelar de outro modo. Todos, indistintamente, achavam seu trabalho como atriz excessivamente ligado ao gosto e ao mundo de Federico Fellini —o que artisticamente seria perfeitamente valido.
Nós pessoalmente queriamos saber até que ponto essa colaboração ou melhor, essa união, influia na obra. Passamos, então, ao metodo das perguntas e respostas:

P. A senhora é uma personagem ou uma atriz que pode interpretar outros papéis?

R. Sou uma atriz.

P. O que entende por ser atriz?

R. Eu, ao menos, tenho muita coisa dentro de mim. Coisas que gostaria de exteriorizar. Quando encontro um texto (preciso encontrá-lo; não sou escritora) ou um bom diretor, dou bom resultado.

P. Que é um bom diretor, segundo a senhora?

R. O que está disposto a se renovar continuamente.

P. Mas "Cabiria" não é continuação de Gelsomina?

R. Não. Gelsomina morreu em "La Strada", "Cabiria" é outra coisa: revolta-se, não é submissa como a outra. Eu prefiro personagens como "Cabiria".

P. Lembra-se de "Europa 51"?

R. Claro, meu filme com Rossellini.

P. Não acha que existe uma ligação natural entre sua "popolana" naquela fita e "Cabiria", a personagem que segundo a senhora é mais adequada ao seu temperamento?

R. Sem dúvida.

P. Pode explicar isso melhor?

R. É verdade, em "La Strada" estilizei. Precisei estilizar (pensa uns instantes, e depois) "La Strada" superou o neo-realismo. Meu marido superou o neo-realismo: no após guerra os diretores que deviam filmar em ambientes autenticos, tinham necessidade de rostos verdadeiros. Os rostos dos atores eram sofisticados, já habituados a uma serie de vicios, não estavam mais de acordo com as caracteristicas do cenario natural dos filmes. Hoje somos, como vêem, uma nova escola: o proprio Castellani, que só filmava com não profissionais buscar-me - com Anna Magnani - para sua ultima fita. Castellani entendeu que os atores tinham progredido, isto é, que não eram mais "divas" nem "estrelas".

P. Mas voltando ao caso passado: Fellini escreveu "Europa 51"; quem entretanto, criou sua personagem - a "Popolana"?

R. Rossellini. Foi êle que me enquadrou. Senti-me à vontade. Fellini tem muito senso de humor, é um sentimento, apesar de querer negá-lo. Acrescentou todas essas caracteristicas a mim.

P. — Então "Europa 51" foi seu inicio, praticamente?

R. (um sorriso)

P. — Pode dizer qualquer coisa a respeito das tendencias do cinema italiano?

R. A tendencia dos escritores e dos diretores é fazer bons filmes. Os produtores, porem, querem ganhar dinheiro. Excessivamente.

P. — Gostaria de trabalhar continuamente com seu marido?

R. Sinto-me completamente bem nos seus filmes. Fellini compreende todos os meus gestos; sabe melhor do que eu que resultado darei. Ele me "enquadra", me faz recitar. Mas quero fazer experiencias, não importa se eu fracassar com outros.

P. A senhora não fracassará. Seguramente. Que pretende fazer no futuro?

R. "L'opera de quatre sous", de Brecht, na Alemanha. Depois "Casa de Bonecas", de Ibsen, sob a direção de Ingmar Bergman. Vão ser experiencias para mim. Quero fazê-las. Não entendi porque os suecos me convidaram para aquele papel, tipicamente nordico.

P. — Por que aceitou?

R. Quero fazer experiencias. Não tenho medo de fracassar, já disse.

P. — A senhora disse uma grande coisa Tão grande, que gostaria que mandasse uma mensagem aos leitores. Uma mensagem através duma resposta: como define essa união perfeita entre artistas, quando eles são superiores, não egoistas? Ou melhor: como define a colaboração perfeita entre Rossellini e Fellini, entre Fellini e a senhora?


R. — Eu não saberia como dizer...

P. Encontre um meio, seria muito importante saber isso da senhora. É importante para todos.

R. — (pensa um pouco, e depois decidida). Não tem definição. É indefinivel. É o nosso trabalho.


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