CAMARGO GUARNIERI FALA SOBRE A INFLUENCIA DO PAPEL DE MUSICA NO MUSICO


Publicado na Folha da Noite, sexta-feira, 7 de abril de 1933

Neste texto foi mantida a grafia original

O grande compositor tocará no Clube dos Artistas Modernos juntamente com o eximio violinista Frank Smith

Amanhã Camargo Guarnieri e Frank Smith dois grandes artistas, exhibir-se-ão no Clube dos Artistas Modernos. Procuramos ouvir o compositor Camargo Guarnieri, encontramol-o sentado numa poltrona meditando, sobre a vida. Moço, sympathico, de nariz comprido, o que portanto corre o risco, sem justificativa, porém, da campanha anti semitica. Camargo Guarnieri olhou-nos, surpreendido, ante as nossas primeiras perguntas:
— Que historia é essa do seu concerto?
— "Estou pensando na difficuldade quem tem o musico de encontrar um papel bastante liso, com muitas pautas e que não seja mata borrão".
— Que ligação tem o papel, com a musica?
— "Hoje eu estou muito contente, o meu amigo e compositor Arthur Pereira fez-me presente de um caderno de papel de musica; eram desses que eu queria infelizmente importado da Italia, cheirava a Mussolini. O Arthur Pereira estudou na Italia, mas não tem nada com aquelle paiz (comtudo vem com o optimos papeis que não borram, quando a gente escreve)... Gosto da Italia.
— Mas, como é esse negocio de concerto —e essa historia de musica moderna?
— "A musica moderna não me interessa. Si sou modernista é pela mesma fatalidade por que sou cidadão das Americas; a gama sonora é o meu material de trabalho. Nella, está incluido o tropico de Capricornio, o analphabetismo, as macumbas do Brasil e o feminismo dos padres; agora, quanto ao concerto, elle me interessa muito. Não vi ainda um programa de violino e piano, organizado exclusivamente com compositores contemporaneos. Creio que é a primeira vez que dois artistas acreditam tanto no publico a ponto de não se preocupar com o publico."
— Qual é o seu compositor favorito?
— "Gosto daquelles que compuzeram o que eu comporia se elles não compuzessem".
— Muito bem. E que acha da corrente musical brasileira?
— "Essa corrente é curiosa - tem os que são brasileiros, e não escrevem musica brasileira, outros que são brasileiros e querem escrever musica brasileira, e outros, ainda, que são brasileiros e escrevem, sem querer, musica brasileira.
— Então qual é o seu caso?
— "Ah!... isso é dificil, deixo para os outros resolverem".
— Assim dizendo, Camargo Guarnieri levantou-se e abandonou a sala. Desistiu de pensar na vida. Felicidade de ser musico sem corrente...


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