GOETHE UMA VITORIA DO ESPIRITO


Publicado na Folha da Manhã - Domingo, 28 de agosto de 1949

Neste texto foi mantida a grafia original

Bicentenario de Goethe

"Vim ao mundo no dia 28 de agosto de 1749, em Francfort-sobre-o-Meno, enquanto o relogio batia meio-dia. A constelação era favoravel, o sol se achava sob o signo da Virgem e culminava naquele dia. Júpiter e Venus olhavam-no com ar amigo. Mercúrio não lhe era hostil, Saturno e Marte permaneceram indiferentes. Mas a Lua, então na sua fase cheia, exercia com mais energia ainda o poder de sua reverberação, pois acabava de entrar na sua hora planetaria; assim se opôs ela ao meu nascimento, que não pôde ter lugar senão depois que sua influencia se esgotou.
"Sem duvida, por causa desses felizes auspicios, a que mais tarde os astrologos deram uma tão grande importancia é que é preciso atribuir a minha sobrevivência; pois, graças ao descuido da parteira, não dei ao nascer, nenhum sinal de vida, e não foi senão depois de esforços inauditos que me conseguiram fazer ver a luz do dia. Esta circunstancia, pela qual inicialmente meus pais se sentiram muito alarmados, tornou-se favoravel aos meus concidadãos e aos filhos que lhes nasceram depois de mim, pois ela decidiu meu avô materno Johann Wolfgang Textor, que era Preboste da cidade, a estabelecer no lugar uma maternidade e um curso para instrução das parteiras".
Passado esse incidente sem duvida pitoresco mas tambem decisivo de sua primeira infancia, teve prosseguimento normal a vida do menino de Francfort, até que "um fenomeno que aterrorizou o mundo inteiro, perturbou pela primeira vez a doce quietude de minha infancia. No dia 1° de novembro de 1755, o solo português tremeu e se balançou, o mar ferveu, os navios se chocaram, as casas cairam, as igrejas, os palacios, as torres ruiram, as vagas submergiram uma parte da residencia real, a terra efacelada vomitou chamas, o incendio estalou sobre todos os pontos de Lisboa, que era ao mesmo tempo uma soberba capital, uma importante cidade comercial e um porto celebre. Sessenta mil pessoas, que uma hora antes se sentiam felizes e tranquilas, acharam-se envoltas numa ruina comum. O incendio continuou seu estrago, e malfeitores, livres de repente, cometeram impunemente todos os crimes imaginaveis: numa palavra, o arbitrio da vontade ilimitada da natureza mostrou-se sob as formas mais horriveis".
"O Verão seguinte - conta ainda Goethe - me ofereceu uma nova ocasião de fazer um mais amplo conhecimento com o Deus de colera, sobre o qual o Antigo Testamento nos transmite tantas e terriveis narrativas. Uma violenta tormenta acabava de estalar e os belos e grandes vidros que substituiam os pequenos vitrais redondos de nossa antiga residencia se partiram em meio ao rumor de um trovão e à claridade extasiante dos relampagos".
Esses acontecimentos, como não poderia deixar de ser, tiveram influencia em sua formação psíquica, já que o seu jovem coração fôra de há muito "despertado por incertos desejos e uma necessidade de solidão". E nesta convicção, recebeu Johann Wolgang as primeiras lições em sua propria casa, primeiro das mãos de seus familiares e depois de professores particulares. E estas se multiplicaram a tal ponto, "que tomaram a deliberação de associar a elas os filhos de nossos vizinhos, o que não contribuiu de modo algum para apressar meus progressos". Mas estes chegaram a seu tempo, e após a escola publica Goethe estudou ciencias juridicas em Leipzig e Estrasburgo, seguindo, assim, a tradição do pai. No ano de 1775, o duque Carlos Alberto convidou-o a estabelecer-se em Weimar, tornando-se então o seu conselheiro particular e, em seguida, ministro de Estado. Ali ocupou tambem Goethe o cargo de diretor do Teatro local, onde forjou uma nova escola de arte dramatica, inspirada no teatro da Antiguidade. Em Weimar ainda, conheceu Carlota von Stein, senhora culta e inteligente mais velha que o Poeta, e que exerceu decisiva influencia em sua vida e obra.
Depois, duas viagens à Italia abrem-lhe novos horizontes e marcam um periodo fecundo de elaboração intelectual. Quando em Leipzig e Estrasburgo, Goethe cultiva a poesia anacreontica, ensaia-se na comedia pastoral e na comedia realista e experimenta o drama shakespeareano. É tambem desse periodo o famoso "Werther", romance passional escrito aos 24 anos, e que teve enorme repercussão em toda a Europa, provocando os mais vivos debates. E em Estrasburgo ainda, inicia o "Fausto" e o "Egmont", e escreve os dramas "Clavigo" e "Estela".
Mas a epoca em que viveu em Weimar seria no entanto a mais importante de sua vida. A ela pertencem, entre outras, as seguintes obras: "Elegias Romanas" e "Epigramas Venezianos" a tragedia "Ifigenia em Tauris", os romances "Wilhelm Meister" e "Afinidades Eletivas", o poema "Herman e Dorotéia", e, sobretudo, o segundo "Fausto", o livro que, segundo Castilho, "foi o verdadeiro padrão que extremou o mundo poetico antigo do mundo poetico hodierno".
Nos ultimos anos de sua vida, ou melhor, já na idade madura, volta-se Goethe com mais interesse pelas ciencias naturais, a que ele se dedicara desde a infancia, quando usava para os seus experimentos o gabinete de História Natural de seu pai.
Faz então descobertas importantes no campo da anatomia comparada e da fisiologia vegetal, e critica as teorias oticas de Newton. Entregou-se ainda o poeta ao estudo de questões relativas à minerologia à eletricidade, ao magnetismo e à Teoria das Cores, em que combate o ponto de vista de Newton sobre a decomposição da luz branca.
Esse interesse de Goethe pelas ciencias naturais, levou-se a "descobrir" o Brasil, que ele depois iria fazer referencias constantes em suas obras e principalmente nas suas memorias. Embora nunca tivesse a oportunidade de conhecer o nosso pais, Goethe procurava inteirar-se a respeito do Brasil através de livros, correspondencia de amigos e conversas pessoais com cientistas, como o barão de Eschwege. E interessou-se a tal ponto por nossa Patria, que meses antes de sua morte, após ler mais uma vez a "Viagem ao Brasil", de Spix e von Martius, exclamou entusiasmado: "O Brasil, este continente imenso, desvenda-se cada vez mais à minha inteligencia".
*
Comemora-se, pois, hoje, o bicentenario não apenas de um titã da literatura universal, mas ainda de um amigo do Brasil, que há mais de um seculo reconhecia publicamente a riqueza do nosso solo e dele seria o grande propagandista.

Goethe uma Vitoria do Espirito

Em todas as nações do mundo civilizado onde a cultura ainda se manifesta livremente, sem peias e sem conveniencias políticas, está sendo comemorado o bicentenario de Goethe, uma das personalidades mais completas como artista, como político, como soldado e como homem que a historia nacional da Alemanha já conheceu para o conjunto historico da humanidade. Essa comemoração dentro de um mundo sobressaltado e intranquilo como o de nossos dias, representa uma afirmação de fé, ainda e apesar de tudo, nos destinos do espirito humano como triunfar sobre a condição temporal da materia.
A grandeza de Goethe decorre do conjunto de atividades humanas que ele conseguiu abraçar, como homem; como artista, a sua grandeza vem da vitoria do sonho sobre a realidade e tão bem fixada, principalmente, no seu, que é o anseio de eternidade do homem limitado. Fausto, com seus personagens, seu enredo e seu motivo é o retrato da época de Goethe pelas paixões que dominavam o homem, mas é tambem a realização, na arte, dos anseios sempre conservados do genero humano. A inquietação, eis a grande constante de Egmont, Fausto Tasso, Wilhelm Meister, Anos de Viagem, Herman e Dorotéia.
Nascido em Francoforte, sobre o Meno, em 1749, Goethe aprendeu as primeiras letras com sua mãe Catarina Isabel Textor que lhe dedicava todo o tempo possivel, pois o menino realmente era dotado de um grande facilidade de compreensão. Seu pai ocupava-se do cargo de conselheiro imperial e talvez já acariciasse sonhos de diplomacia para aquele filho vivo e inquieto que tão cedo já deixava vislumbrar uma vocação poetica irresistivel. Daí, talvez, ter sido Goethe encaminhado para Leipzig, a fim de estudar Direito. Então conheceu Ana Catarina Schoenkof que o arrebatou pelo amor e o jovem estudante em vez das regras de Direito embebeu-se nas delicadezas da metrica e da rima, escrevendo algumas peças líricas como "Capricho de Amante" e "Cumplices". Um dia adoece. Volta para casa para tratar-se e uma nova mulher entra-lhe pela vida e pelos sentidos, srta. De Klettemberg, que o arrastou para o misticismo e para a paixão da epoca, a alquimia. Já então conhecera Herder que o iniciou em Shakespeare e nessa mesma epoca conheceu o grande Schiller que o considerava "o homem mais rico e completo que o mundo vira depois de Shakespeare, aquele que a natureza dotara de maior profusão". Dera-se com Heine, Monk Lewis, Thackeray, Beethoven, e não foram poucos os americanos que correram para Weimar a fim de conhecer Goethe. E tambem nessa epoca uma mulher o assoberbava - Frederica Brion, a quem amou perdidamente e compôs as suas mais lindas peças líricas.
A carreira de Goethe oferece-nos a imagem de um desenvolvimento contínuo e harmonico. Chegou a conselheiro da Republica de Weimar, ministro e amigo do duque Carlos Augusto e em companhia deste tomou parte na campanha dos prussianos contra a França e, ainda junto do duque, fez o cerco de Moguncia, feitos militares estes que vêm narrada em suas "Memorias", já traduzidas para o português, em dois volumes. Quando ministro de Carlos Augusto, Goethe escreveu o "Egmont", e principiou "Tasso" e "Wilhelm Meister" e em 1786 viajou para a Italia, onde se inspirou para escrever os seus "Epigramas Venezianos", cujas observações vêm enfeixadas tambem no seu livro de memorias.
Quando publicou "Werther", considerada por muitos estudiosos como sua obra maxima, provocou, segundo os testemunhos da epoca, uma onda de suicidio e segundo Agripino Grieco um "aprendiz de sapateiro atirou-se da janela com o "Werther" dentro da algibeira". A sua peça "Fausto" é ainda hoje de uma atualidade magnifica, porque representa uma vitoria da fantasia. E nestas comemorações do seu bicentenario muitos grandes atores, como Hoffmen Harnisch em São Paulo, Anthony Eustrel, Richard Ainley, John Carew, E. Ballatine, Patsy Anderson, em Londres vêm representado cada vez com maior interesse o "Egmont" e o "Fausto".

Gefunden - Achado

JOHANN WOLFGANG VON GOETHE

Ich ging im Walde - Eu fui ao bosque
So für mich hin, - E, em tal ensejo,
Und nichts zu suchen, - Nada buscar
Das war mein Sinn. - Foi meu desejo.


Im Schatten sah ich - Na sombra eu vi
Ein Blümchen steh'n - Mimosa flor,
Wie Sterne leuchtend, - Qual bela estrela
Die Aeuglein Schon. - Com seu fulgor.

Ich wollt'es brechen, - Eu quis tirá-la,
Da sagt es nein: - Mas escutei:
Soll ich zum Welken - Se me colheres,
Gebrochen sein. - Fenecerei.

Ich grub's mit allen - Desenterrei-a
Den Würzlein aus, - Com a raiz;
Zum Garten trug ich's - Trouxe-a ao jardim
Am hübschen Haus. - Do lar feliz.

Und pflanzt'es wieder - Cresceu de novo
Am stillen Ort; - No meu canteiro;
Nun zweigt es immer - Floresce agora,
Und blüht so fort. - Como primeiro.

(Tradução de ARISTIDES DA SILVEIRA LOBO)

A escola dramatica de Goethe

As regras ditadas por Goethe no teatro de Weimar - teatro fundado com o apoio do duque (Carlos Alberto) e que tambem haveria de servir para a opera - constituiram um entorpecimento na evolução da arte dramatica. O poeta exigia dos comediantes um efeito novo e inesperado: a tonica do estilo devia tomar o lugar da naturalidade, o brilhantismo; recitando e gesticulando, haveriam de adotar como modelo o teatro da Antiguidade. Não obstante, as "Regras para os Atores" decretadas autocraticamente por Goethe com o apoio da Corte e usadas por artistas tão capazes e inteligentes como Pius Alexander Wolff, ofereciam certo interesse. Durante os seis anos da brilhante direção de Goethe, quando o "Wallenstein" foi representado com grande exito por toda a Alemanha, surgiu incontestavelmente um novo e nobre estilo. "Despertou-se o sentido refinado sobre a pureza e a beleza da linguagem; o verso se expressava em ponderadas oscilações ritmicas; a maneira de representar-se no palco e de se andar por ele, assim como tambem os movimentos, haviam de sujeitar-se, segundo o modelo antigo, a uma unidade de conjunto; tudo veio a ser ondulante, medido, e com isto a arte ganhou em dignidade". Pouco a pouco, porem, este estilo foi-se libertando cada vez mais da naturalidade; os atores trabalhavam com o desejo preconcebido de agradar o publico e de adaptar-se a ele. Este "seminario de comediantes" chegou a tal solene despersonalização, que deu motivo a que Friedrich Ludwig Meyer escrevesse em 1810 a seu amigo Ludwig Schoeder, de Lauchstadt, ramificação da escola de Weimar: "Seu deus se chama: conjunto. Todos, atores e atrizes, em nome dele poderiam trocar seus papéis e representar indiferentemente uns e outros, até tal extremo, que a companhia, sem a idéia de conjunto, não teria razão de existir". Assim, sucedeu que com o transcurso do tempo, o trabalho de Goethe degenerou em mecanismo anti-artistico, e a resistencia sã de um sentimento estilizado, fino, contra as genialidades exageradas dos atores naturalistas, se converteu em afetação. Quando em 1817 Goethe deixou a sua direção, a posição de perfil e de costas na cena, o expressar em versos desde o inicio, e outros costumes só eram proibidos em Weimar.
Apesar de tudo, esta escola de arte dramatica alemã foi altamente benefica. (Prof. Cristian Gaehde - "O Teatro Desde a Antiguidade Até o Presente" - Coleção Labor).

© Copyright Empresa Folha da Manhã Ltda. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Empresa Folha da Manhã Ltda.