LEVI-STRAUSS E OS TRÓPICOS
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Publicado
na Folha de S.Paulo, sábado, 26 de novembro de 1977
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Claude Levi-Strauss (1908), antropólogo nascido na Bélgica,
vive na França. Formalizou e engrandeceu ao conceito de "estrutura"
iniciado por Ferdinand Saussure (1916). Em 1934 Levi-Strauss veio
ao Brasil para lecionar na Universidade de São Paulo. Da sua
estada e das viagens que empreendeu pelo interior, saiu "Tristes
Trópicos", publicado em francês em 1955, que descreve,
em linguagem acessivel e pitoresca, à maneira dos antigos viajantes
e estudiosos, os costumes da sociedade urbana e a vida dos índios
brasileiros. Levi-Strauss dedicou-se especialmente a estudar mitos,
totens e as relações de parentesco, enquadrando estas
como uma das três formas de comunicação social
(as demais: os meios de comunicação e o processo econômico).
O tratamento aos mitos dado por Levi-Strauss não os retira
do contexto social e econômico onde são desenvolvidos.
Para ele, os mitos incorporam oposições binárias
sempre presentes nas sociedades que os geraram. Nos mitos os conflitos
sociais são reconciliados. Levi-Strauss encontra sempre um
sistema de leis "estruturais" invariáveis que o levam
a montar uma identidade para as leis do mundo. O texto abaixo foi
extraido de diversos capitulos de "Tristes Trópicos"
(Ed. Martins Fontes, Lisboa) com tradução de Jorge C.
Pereira.
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O conjunto dos costumes de um povo é sempre marcado por um
estilo; formam sistemas. Estou persuadido que estes sistemas não
existem em número ilimitado e que as sociedades humanas, tal
como os individuos nos seus jogos, nos seus sonhos ou nos seus
delirios limitam-se a escolher certas combinações,
num repertório ideal que seria possível reconstituir.
Um espírito malicioso já definiu a América como
sendo uma terra que passou da barbárie à decadência
sem conhecer a civilização. Poderíamos com mais
razão aplicar a fórmula às cidades do Novo Mundo:
vão da frescura à decrepitude sem se deterem na antiguidade.
Nas cidades do Novo Mundo não é propriamente a falta
de reminiscências que me choca. Essa ausência é
um elemento da sua significação. Estas cidades são
jovens e extraem dessa juventude sua essência e justificação.
A passagem dos séculos representa uma promoção
para as cidades européias; para as americanas, a simples passagem
dos anos é uma degradação. Não foram apenas
construídas recentemente, mas de forma tal que podem renovar-se
com a mesma velocidade com que foram erguidas, isto é, mal.
No instante em que se erguem novos bairros, quase não chegam
a ser elementos urbanos: são demasiadamente novos para o serem.
O estilo passa de moda, a ordenação arquitetônica
primitiva desaparece com as demolições que são
exigidas por uma nova impaciência.
Não são cidades novas contrastando com cidades antigas,
mas são cidades com um ciclo evolutivo demasiadamente rápido.
Certas cidades da Europa adormecem suavemente na morte; as do Novo
Mundo vivem febrilmente numa doença crônica: eternamente
jovens, nunca são todavia saudáveis.
Botânicos nos ensinam que as espécies tropicais compreendem
variedades mais numerosas do que as das zonas temperadas, mesmo que
cada uma delas seja constituída por um número muito
restrito de indivíduos. Esta especialização,
no Brasil, foi levada até os limites máximos.
Assim é que uma sociedade limitada distribuiu os papéis
entre os seus membros. Nela podiam encontrar-se todas as ocupações,
todos os gostos, todas as curiosidades justificáveis da civilização
contemporânea, embora cada setor fosse encarnado por representante
único. Nossos amigos não eram exatamente pessoas, mas
sim funções cuja lista havia sido estabelecida mais
em virtude da sua importância intrínseca do que das suas
disponibilidades. Havia assim o católico, o liberal, o legitimista,
o comunista ou, noutro plano, o gastrônomo, o bibliófilo,
o apreciador de cães ou cavalos de raça, da pintura
antiga, moderna. Havia o erudito local, o poeta surrealista local,
o musicólogo local, o pintor local.
Nenhuma preocupação real em aprofundar os conhecimentos
encontrava-se na base destas vocações. Se por acaso
dois indivíduos, em resultado de erro de manobra ou por pura
inveja, ocupavam o mesmo domínio ou domínios próximos,
passavam a ter a preocupação exclusiva de se destruírem
mutuamente, o que faziam com persistência e ferocidade notáveis.
Havia troca de visitas entre feudos vizinhos, com muitas mesuras uma
vez que todos estavam interessados em se manter nas posições.
Somos forçados a reconhecer que alguns dos papéis eram
desempenhados com brilho extraordinário devido à conjugação
de fortunas herdadas, encanto nato e muita manha adquirida.
Os estudantes queriam saber muito, porém apenas das teorias
mais recentes. Nunca liam as obras originais, preferiam as publicações
abreviadas e mostravam enorme entusiasmo pelos novos pratos. É
uma questão de moda e não de cultura. Idéias
e doutrinas não apresentavam aos seus olhos um valor intrínseco,
eram apenas instrumentos de prestígio, cuja primazia deveriam
obter. Partilhar uma teoria conhecida por outros era o mesmo do que
usar roupa pela segunda vez. Uma concorrência encarniçada
estabelecia-se com o fito da obtenção do modelo mais
recente e mais exclusivo no campo das idéias.
Na América tropical o homem encontra-se dissimulado. Em primeiro
lugar pela sua própria escassez. Mas mesmo nos locais em que
se agrupou em formações mais densas, os indivíduos
permanecem enleados pela agregação muito recente. Ainda
não aprenderam a conviver. Qualquer que seja o grau de pobreza,
no interior ou mesmo nas grandes cidades, só excepcionalmente
chegamos ao ponto de ouvir os seres gritarem - sempre é possível
subsistir com pouca coisa num solo que começou a ser saqueado
pelo homem e só em alguns pontos há apenas
450 anos.
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