UM DEBATE OPORTUNO SOBRE ARTES PLASTICAS


Publicado na Folha da Noite, sexta-feira, 26 de novembro de 1948

Neste texto foi mantida a grafia original

"Não acredito no abstracionismo por lhe faltar conteudo humano" afirma o pintor Rebolo Gonçalves, no inquerito da Folha da Noite


Ao iniciarmos esta serie de entrevistas com alguns dos nossos artistas plasticos sobre as tendencias e o espirito da pintura contemporanea, dissemos que nosso objetivo era tornar acessivel ao grande publico, que sempre se interessa por tudo quanto representa atividade humana, um debate travado num plano por demais especializado e, por isso mesmo, de compreensão dificil.
Em reportagens anteriores, nossos entrevistados disseram o que pensam sobre o abstracionismo, a liberdade na arte, a participação do artista na vida social. De um modo geral, todos eles manifestaram suas reservas às possibilidades do abstracionismo como um movimento capaz de traçar novos rumos às artes plasticas.
Esta, tambem, é a posição do pintor Rebolo Gonçalves, nosso entrevistado de hoje.
Entretanto, apesar de muita coisa já ter sido dita, ainda não nos havia ocorrido formular uma pergunta que nos parece importante para definir o sentido da posição desses artistas: As reservas que se fazem às possibilidades e ao sentido do abstracionismo no campo das artes plasticas implica num combate semelhante ao que sofreram os artistas modernos de hoje por parte dos academicos nestas ultimas decadas?
- Não - responde Rebolo - Não combatemos o abstracionismo como fomos combatidos pelos chamados partidarios da arte academica. Um artista moderno, que não se tenha cristalizado num formalismo esteril, jamais combaterá qualquer pesquisa, por mais estranha que esta possa parecer. Entretanto, isso não significa que ele seja obrigado a acreditar nas possibilidades dessa pesquisa, embora dela possam resultar algumas soluções de ordem tecnica que qualquer pintor poderá, com proveito, incorporar à sua obra como, muito acertadamente, frisou Clovis Graciano. E esta é a minha posição em face do abstracionsimo. Não acredito no abstracionismo por lhe faltar conteudo humano, como não acredito na arte depurada de qualquer realidade. Não creio no sentido de uma obra que vise apenas, numa linguagem plastica incompreensivel, exprimir ritmos interiores incompreensiveis tambem, incompreensiveis mesmo para o artista, como acontece com os abstracionistas que confessam, honestamente, aliás, que seus quadros nada representam e nada significam. Mas, voltando à sua pergunta, quero dizer que, se de uma parte um artista consciente jamais deverá combater, sem saber porque, novas tentativas no campo da arte, isso não quer dizer que, sob pena de ser considerado retrogrado, seja obrigado a aceitar toda e qualquer aventura mais ou menos inteligente.
- E considera o abstracionismo uma aventura?
- De certa forma porque, no caminho que vai, afastar-se-á cada vez mais da pintura para cair no decorativismo, pois são os proprios abstracionistas que confessam que o importante é encontrar a solução elegante. Isto dizem os mais claros, outros falam numa linguagem metafisica de sentido hermetico como, por exemplo, o pintor belga Servanks, que dificilmente poderá ser compreendido, tão confusa é sua linguagem.
- Linguagem falada ou plastica?
- Linguagem falada. Aliás, outra coisa que caracteriza o atual movimento em torno das artes plasticas é o excesso de conversa. Entre nós, ao menos, os mais ardorosos partidarios do abstracionismo são os que mais discutem e menos pintam. Tenho a impressão de que tais elementos estão muito mais interessados no movimento do que na propria pintura. Ora, para o verdadeiro pintor o que interessa, acima de tudo, é pintar, exprimir com humanidade, com sensibilidade, em formas plasticas, o mundo em que vive.
- Os abstracionistas falam numa nova concepção da plastica. Dizem que as relações dos objetos na arte figurativa não conferem ao pintor a necessaria liberdade de dar o verdadeiro relevo aos valores puramente plasticos, o que não acontece na arte abstrata.
- Semelhante argumento não deveria siquer ser invocado, pois ele é apenas uma declaração de incapacidade. Só porque, preso à figura, o artista encontra maiores dificuldades para dar relevo aos valores plasticos, isso não é motivo para fugir dela e fazer arte abstrata, sem sentido, como eles proprios confessam. Se existem tais dificuldades, cabe ao pintor vencê-las e não contorná-las.



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