ESTHETICA FUTURISTA

Publicado na Folha da Manhã, quarta-feira, 26 de maio de 1926

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Ouvir o poeta, para saber-lhe as impressões da sua primeira noite futurista entre nós seria tarefa esplendida para o jornal e para o jornalista.
Ouvir-lhe por exemplo sobre aquella consagração, o argumento da vaia e da batata, - a mentalidade maior que predomina -, contra as idéas de sua conferencia que não foi pronunciada.
Seria certamente encantador o Messias da nova religião espiritual, - religião do elogio à machina e que condemna o luar. Mas foi o impossivel. Por duas vezes procuramos no Esplanada ao novo genio do Adriatico. Não nos deram informações da sua ilustre pessoa nem da sra. Benedetta.
- Onde encontrar o homem, falar-lhe, ouvil-o, sentir-lhe em exclamações e hymnos a sua arte?
Impossivel? Meditamos. Então faremos com Marinetti uma entrevista à futurista em fonte que póde parecer passadista - através as paginas do seu ultimo livro, o encantador e delicioso "I nuovi poeti futuristi".
E corremos para a estante. Lá estava o homem, - diremos o espirito do homem, - descançado, tranquillo, silencioso, livre de apupos e de batatas...
- Maravilhoso Marinetti - "blagueur" encantador. Vamos, fala. Não se trata de escolas nem seitas litterarias.
És o pae de um movimento renovador - "il futurismo"...
Queremos ouvir-te, em synthese.
O programma da tua escola? Fala, porque não estamos mais no tempo em que se crucificava a um homem que tivesse uma idéa ou um ideal... Fala
E então começamos a ouvir Marinetti, pela radiophonia das paginas de "I nuovi poeti futuristi".

Inicio de palestra ou preludio

"O poeta futurista deve ter a paixão typica pela vida de hoje que Boccioni denominou "modernolatria". Deve amar o que os homens inventaram e inventarão de mais maravilhoso: a machina.
"A machina: synthese dos maiores esforços cerebraes da humanidade. A machina equivalente mechanico, organico do globo terraqueo. A machina novo corpo vivo quasi humano que multiplica o nosso. A marchina producto e consequencia que por sua vez produz infinitas consequencias e modificações na sensibilidade, no espirito, na vida.
"Não ha salvação, portanto, fóra da esthetica da machina e do esplendor geometrico e mechanico que nós, os futuristas, prégamos e glorificamos ha dezesseis annos.
"A esthetica da machina tem por elementos a força, a velocidade, a luz, a ordem, a disciplina, o methodo, a concisão essencial e a synthese, a feliz precisão das engrenagens, a concurrencia das energias convergentes para uma unica trajetoria."

O novo symbolo

"A esthetica da Machina, isto é, a Machina, isto é, a Machina adorada e considerada symbolo, fonte e mestra da nova sensibilidade artistica, nasceu desde o meu primeiro Manifesto Futurista, em 1909, na cidade mais mechanica da Italia: Milão. O meu primeiro Manifesto, publicado pelo "Figaro", de Paris, traduzido para todas as linguas e lançado por meio de milhares de exemplares, continha idéas que perturbaram e modificaram as almas dos artistas de todo o mundo.
"Nós affirmamos que a magnificencia do mundo foi enriquecida por uma nova belleza: a da velocidade. Um automovel de corrida com o seu ventre adornado de grossos tubos como serpentes de álito explosivo... um automovel rumorejante que parece correr sobre uma metralhadora é mais bello do que a Victoria de Samotracia.
"Nós cantaremos as grandes multidões... o vibrante fervor nocturno dos arsenaes... as officinas... os viaductos... os navios aventureiros... as locomotivas... e o vôo escorregadios dos aeroplanos..."

Exposições futuristas

"Logo após desenvolvo o meu pensamento no manifesto "Matemos o clarão da lua" e no volume "Le Futurisme" (Paris, 1911) que glorificou o Homem multiplicado e o Reino da Machina. Em 1911 apparece o volume de versos livres "Aeroplani" de Paulo Buzzi. Em 1911-12 correm pelo mundo as Exposições Futuristas que impõem a nova sensibilidade de compenetração, simultaneidade, dynamismo plastico, formada pela paixão ardente pela Machina. Aos primeiros iniciadores Boccioni, Balla, Ruissolo, Cappa, Severini, Unemse, Depezo, Prampolini, Funi, Dudreville, Sant'Elia, Soffici, Sironi, Galli, Marchi, Pannaggi, Baldessari, Marasco, Tato, Cavigliani, Luanovic. Em outubro de 1911 eu crio as palavras-livres "Batalha-peso-perfume", exaltação das forças mechanicas da guerra. Seguem-se "Zang-tumb-tumb", "Cerco de Adrianopolis" e o "Manifesto techino da literatura futurista" (1912) com as seguintes declarações:

O que nos interessa

"É a solidez de uma viga de aço que nos interessa por si só, isto é, a alliança incomprehensivel e inhumana das suas moleculas e dos seus elétrons, que se oppõe, por exemplo, à penetração de um obice. O calôr de um pedaço de ferro ou de madeira é para nós mais apaixonado do que o sorriso ou lagrimas de uma mulher.
"Nós queremos dar, à literatura, a vida do motor - novo animal instinctivo do qual conhecemos o institucto geral logo que conhecemos os intinctos das diversas forças que o compõem.
"Nada é mais interessante, para um poeta futurista, do que a agitação do teclado de um auto-piano.
"Amamos o cinematographo que nos offerece a dança de um objeto que se divide e decompõe sem intervenção humana."

Architectura e musica futuras

"Em 1911 o architecto Sant'Elia expõe as "maquetes" da cidade futurista e lança o manifesto da architectura futurista de todos os "decorativismos", baseada na harmonia mechanica das massas, sobre os novos materiaes (aço e cimento armado) e sobre as necessidades de hygiene, velocidade e conforto.
"Em 1912, o musico futurista Ballila Pratella compõe a sua primeira opera futurista "L'Avitore Dro" glorificação do aeroplano e do eroismo do ar.
"Em 1913, (no seu manifesto "L'arte dei rumori", Russolo, depois de descrever o mechanismo dos seus "intonarrumori" ("entôa-rumores") electricos, escreve:
"Gozamos mais ao combinar idealmente rumores de bonde, de motores de explosão, de caros e de multidões a gritar do que ouvir a "Heroica" ou a "Pastoral". Atravessamos uma grande cidade com os ouvidos mais attentos do que os olhos e gozamos ao distinguir os sussurros de agua, de gaz ou de ar nos tubos metallicos, o rumor dos motores que sopram e pulsam como animaes, o palpitar das valvulas, o estridor das serras metallicas, o trepidar dos bondes nos trilhos..."

Moderno-Latria e Manifestos

"Em 1914 Boccioni lança a palavra magica "Moderno-latria", desenvolvendo-lhe o conceito no seu volume "Pintura e esculptura futuristas". No mesmo anno explode, com o fragor de uma officina inspirada, o volume de Luciano Folgore: 'Canto dos Motores'".
"A 18 de Março de 1914 completo e defino a nova esthetica, no manifesto: "O esplendor geometrico e mechanico e a nova sensibilidade numerica", e no 'Nova religião e moral da Velocidade'".
"A 19 de Março de 1914, na Galeria Permanente Futurista de Roma, leio o meu manifesto 'A declamação dynamica e synoptica'. No declamar as palavras-livres, é preciso imitar os motores e os seus rythmos e ter uma gesticulação mechanica. O poema 'parolibero' (verbo-livre) 'Piedigrotta' de Cangiullo foi apresentado por meio de declamação dynamico-synoptica."
"Em 1915 o poeta Settinelli lança o seu manifesto futurista: 'Pesos e medidas do genio creador'".
"Em 1915 o poeta futurista Prampolini completa e define a plastica futurista no seu manifesto de 'Costruzione assoluta di motorumore'. Em 1916 o poeta Severini explica o mechanismo da arte em artigo no "Mercure de France'".
"Em 1917 o pintor Depero crêa os bailados plasticos com rythmos mechanicos."
"A revista hollandeza constatava recentemente tudo isso, publicando a photográphia de uma machina, com o titulo: 'Plastica moderna do espirito italiano'".

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