Nelson Ascher
Da equipe de articulistas
Ezra
Pound dizia que, longe da música, a poesia degenerava. Pode-se
concordar ou discordar, mas a questão colocada é sempre
atual. Ela acaba de ser novamente proposta por Walter Franco em
seu novo show "A 60 Minutos por Hora". Cantor e compositor,
sua fama esteve no auge durante os anos 70. Foi quando ele se lançou,
utilizando nas letras recursos da vanguarda poética: permutações,
combinações, paronomásias, jogos de palavras
e, até mesmo, uma espécie de visualidade musical.
Tais recursos incorporaram-se também tanto à música
quanto à interpretação. Walter Franco continua
a trabalhar desenvolva e deliciosamente nesse registro. Uma canção
que dedica a Dorival Caymmi, onde o compositor baiano é homenageado
através da paráfrase musical e temática, demonstra-o
clara, aliás, sonoramente.
A influência da moderna poesia brasileira (de 22 em diante)
sobre a MPB já foi bastante discutida. Mas e sua recíproca?
Em várias ocasiões no ano passado, muitos poetas mais
ou menos jovens puderam falar ou escrever sobre sua obra e sobre
as influências que receberam. Praticamente todos lembraram
nomes como Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Murilo Mendes,
João Cabral de Melo Neto. Quase ninguém falou da MPB.
Desmemória ou ingratidão: tanto faz. É um fato,
porém, que quem tem menos de, digamos, 40 ou 45 anos deve
ter tido seus primeiros contatos com o metro, ritmo e rima, para
não falar de certos temas e outras tantas imagens e figuras
de linguagem, através da MPB. Aqueles que tiveram seus primeiros
contatos com a cultura na virada dos anos 50 para os anos 60, assistiram,
em rádio e/ou TV, o surgimento da bossa nova. Outros, mais
jovens ainda, cresceram durante a época dos grandes festivais
e cantarolavam "Alegria, Alegria" ou "Roda Viva"
antes da adolescência.
Não se trata meramente de um acidente cronológico.
A partir da eclosão da bossa nova até pelo menos meados
dos anos 70, cerca de 15 anos portanto, a MPB não apenas
namorou com uma poesia mais refinada, como contribuiu para, de certa
forma, divulgá-la para um público maior. Há
muitos poetas jovens que ouviram "Garota de Ipanema" antes
de terem lido qualquer livro de Vinícius de Morais. A própria
bossa nova resulta, em partes iguais, da evolução
"normal" da MPB e do acidente feliz de ter o modernismo
criado uma linguagem poética capaz de se associar, com suas
letras mais maleáveis e enganadoramente ingênuas, às
tendências de então da música popular internacional.
A jovem guarda e o tropicalismo, à sua maneira, atualizariam
esse processo ao operar com outras correntes musicais e poéticas.
Na poesia de Paulo Leminski, por exemplo, a influência da
MPB é tão clara que o poeta paranaense só poderia
mesmo tê-la reconhecido escrevendo belas letras de música,
como "Verdura". Um dos primeiros poemas de Régis
Bonvicino homenageia Lou Reed, e o poeta paulista compôs uma
letra para Walter Franco. Arnaldo Antunes, além de fazer
poesia, participa do conjunto Titãs. E aqui estão
representadas três gerações da poesia brasileira
atual.
A influência não se dá, porém, só
de uma maneira amigável e direta. Às vezes ela é
tão osmótica que certos poetastros nem reparam que
seu metro favorito, a redondilha maior (verso de sete sílabas
métricas) é o mais "cantabile" e hegemônico
na MPB. Outras - e Sebastião Uchoa Leite é um bom
exemplo - ela se traduz na busca de padrões estilísticos
intencionalmente antimusicais ou, pelo menos, anti-MPB.
O levantamento biográfico de dados e anedotas não
basta para dar conta desse complexo de interrelações.
A sensibilidade poética de músicos e letristas é
mais evidente, pois estes, por necessidade de ofício, sempre
terão um ouvido melhor que a esmagadora maioria de críticos
profissionais. Precisa-se, no momento, de uma minuciosa análise
crítica da influência da MPB (e de como a poesia moderna
anterior atuou através dela) sobre a poesia atual. Esse seria
um exercício saudável para os ingratos ou desmemoriados
poetas jovens.
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