Como surgiu a "Monja Blanca", a flôr nacional
da Guatemala
Realizou-se
no anno passado, na Guatemala, um original concurso literario, promovido
pelo governo dequella republica. O thema desse concurso era a "Monja
Blanca", a formosa orchidea dos Andes, que é a flor
nacional da Guatemala. O trabalho que publicamos a seguir, "Avatar",
foi um dos premiados nesse concurso e é de autoria da poetiza
guatemalense Angelina Acuna. Traduziu-o especialmente para o Supplemento
da "Folha da Manhã" o sr. J. R. Marcondes Machado,
detentor da Cadeira da Guatemala na Academia de Letras Americanas
da Faculdade de Philosophia, Sciencias e Letras da Universidade
de São Paulo.
Oh, Xmucané! Clamava a donzella - Oh, Xpiyacoe! Vós
que fizestes homens de "tzité", mulheres de "zibak";
vós que fizestes seres perfeitos com a polpa branca do milho
moido...! Que farei eu, pobre de mim, para realizar este milagre?
E ao pé dos "galayos" erguidos em ameaça
de precipicios, a terna princeza Ismaleg fazia rosarios de angustia,
com as contas escorregadiças de suas lagrimas. Em vão
percorrera as selvagens ribeiras do Chixoy, as intricadas ramargens
de Havitz e de Joyabaj; os montes e os rios escondiam-lhe os thesouros
com aggressivo egoismo.
Entretanto, na longinqua Zamaneb, a poderosa cidade, gemia prisioneiro,
num dos nove castelos encantados, coroados de almeias de lendas
fantasticas e macabras, o amado de sua alma!... Creou uma rede fatal
sobre sua vida a ousadia de amal-a... A ella! A princeza mimada
do Ahau do Rabinal!... quando só podia offerecer-lhe as gemmas
preciosas dum amor incommensuravel, encastoadas no estojo delirante
de seu coração! Ia consummar-se o sacrificio impio,
que, ao castigar com a morte o atrevimento do jovem "quecchi",
abriria num transbordamento de cálidos rubis, a urna que
encerra o seu milagroso thesouro, quando a princeza se abateu, qual
avezinha de azas quebradas, aos pés do cacique, implorando,
com grito de angustia, o perdão da victima.
O gemido lastimoso furou, como uma flecha diamantina, o coração
granitico do Ahau, e fez de reconditos lugares a clara serpentina
dum frio de ternura:
- Vaite de minhas vistas! Gritou á filha. Perdoarei a vida
deste vassallo perfido, porém não voltarás
a vel-o enquanto não me trouxeres seu resgate...
O olhar supplice de Izmaleg como uma interrogante imploração,
descerrou o cenhudo perfil do indignado senhor:
- Antes que a lua redonda alumie a collina do Xucaneb - ordenou-lhe
- has de trazer-me algo que possa substituir, ante os deuses, a
offerenda do coração do teu amante... Ha de ter, como
um coração, a belleza que agrada aos deuses: deve
encerrar a essencia vital do grande amor que diz sentir por ti;
deve ter vida e o merito que implica o sacrificio, emblema da redempção!...
Desde esse instante, Izmaleg se poz a vagar em busca do milagre;.
entretanto, no mais fundo subterraneo do castello de Zamaneb, enlutavam-se
de noites dolorosas, os dias de seu amante... e uma meia lua amarellada,
como dourada foice, cegava molhos de estrellas nas fulgidas eras
da noite!...
- Oh Xmucané! Oh, Xpiyacoc! Vós fizestes seres perfeitos
com a polpa branca do milho moido" que farei eu, pobre de mim?
- chamava Izmaleg. A lua levantar-se-á de prompto sobre a
christa do Xucaneb, redonda... redonda...
Enquanto assim implorava, ao pé do abrupto penhasco, esgotadas
as forças e as lagrimas na busca angustiosa, aconteceu que
o Pastor luminoso que cuida das ovelhas-estrellas nos redis estellares,
deixou cahir entre as mãos morenas de Izmaleg, a alvura explendorosa
duns myrificos flocos. Sem lhe dar tempo de sahir de seu assombro,
a voz da cascata que se despenha em franjas, falou em claro murmurio:
- Levanta-te donzella, aqui esta a minha espuma; é a neve
fundida que venho arrastando de altissimos cumes, jámais
tocada por planta alguma! Que mais queres?
O gozo ineffavel urdiu dextresas inauditas nas ageis mãos
que se puzeram a modelar fantasiosamente flocos sidereos e espumas
impeccaveis; e, num ensalmo de maravilha, feerico milagre, abriu-se
em candida corolla de alvura prodigiosa, uma exotica flôr!...
A que deuses não agradaria sua explendida belleza? Porém
- ah! - era uma flor sem vida... de niveas pétalas mortas,
que nenhum alento vital exhalavam!...
O coração de Izmaleg alçou de novo o queixumoso
arrulo; e, pesando na fatidica sorte do amado, que talvez nunca
mais visse, rodaram-lhe as lagrimas, em um debulho de chrystallinas
ternuras, sobre o calice de neve, que tremia em suas mãos;
as pétalas estremeceram-se, então, sob a chuva milagrosa.,
Oh!, poder do amor...
"Ha de ter vida... e o merito que cria o sacrificio emblema
de redempção...!" A phrase implacavel volteava-se
como fatal mariposa de impossiveis, sobre a flor que parecia desfazer-se
em diaphanas deliquescencias de neve, apagar-se como reflexos de
estrellas moribundas...
- A vida... a vida...! oh, Xpiyacoc! Onde acharei a vida? Oh Xmucané!
Só falta à lua uma restea de luz, uma resteazinha
que lhe ha de pregar em sua borda o Oleiro Celeste com greda de
luzeiros, e assomará amanhã sobre o Xucaneb, redonda...
redonda...
Como se o lamento de Izmaleg tivesse a magia de um sortilegio, a
montanha abriu em seu flanco o portico de uma gruta fantastica e,
numa labareda prateada, surgiu a barba luminosa do bruxo do monte.
- Que me pódes dar em troca do milagre? - perguntou a Izmaleg.
Com grandiosa renuncia, disse:
- Se te bastasse a vida... dar-te-ia!
A voz prophetica do feiticeiro fez tremer a montanha, quando clamou:
- Farei o milagre: tua flor terá a vida... e o merito que
te exigem! Vae a Zamaneb, e amanhã, antes que a lua avive
sua bandeja redonda, cheia de luz, sobre o Xucaneb, deixarás
a flor nas mãos do Ahau...
Na noite de azues mysterios sonhavam os astros; e, como prenuncio
da lua vinha um halo luminoso subindo a testada do Xucaneb, quando
Izmaleg chegou, desfallecida, á cidade dos nove castellos
encantados da lenda. Cheia de fé na magia do bruxo, á
espera do milagre que já presentira, prostrou sua fadiga
e suas roupagens aos pés do cacique inplacavel! Vestida sómente
do manto negro de sua cabelleira, alçou no reconcavo de suas
mãos o thesouro, e disse tremendo:
- Senhor... eis o resgate. Não ha outra igual sobre a terra!
É tão bella e tão pura! Tem a essencia do amor
atormentado que verteram minhas lagrimas em sua corola...
- Mas isto é uma flor artificial!... interrompeu zangado
o cacique. Isto não tem vida!... Não viste ainda como
palpita o coração das victimas nas mãos do
sacrificador?... Fala! Que me respondes?...
Porém Izmaleg, prostrada para sempre sob o sudario negro
de seus cabellos, não poderia mais responder com seus labios
á cruel interrogação. A flor, com uma suave
estremecimento, como ultimo alento de um coração,
começou a palpitar entre as mãos tremulas do aterrado
Ahau do Rabinal, enquanto um effluvio vital, saturando as petalas
como doce selva, parecia exclamar:
- Assombra-te e treme, alma cruel, ante o mais prodigioso e tremendo
dos milagres! Sou a vida de Izmaleg; sou o supremo sacrificio de
sua alma pura, que clamava pela redempção do captivo!
Sobre Xucaneb, a lua tambem contemplava, pasmada, aquella scena.
Desde então vive na solidão dos cumes a mystica orchidea
("Lycaste Skineri Alba") "Monja Blanca". Nos
altares tropicaes de Tezulutan é o calice sagrado em que
se communga pela redempção dos captivos... Coração
impolluto em que palpita um alento de abnegação e
sacrificio, a alma da raça aborigene; flor sensivel, predestinada,
como Izmaleg que lhe deu a alma branca e pura, como o Evangelho
da Paz com que o doce frei Bartholomeu conquistou as agrestes serranias
de Zamaneb; flor emblematica que ama os cumes dos Andes, aonde não
chegam as exhalações do pantano, que talvez manchariam
a sua immaculada nobreza...
Que eloquente symbolo sobre o pendão da minha Patria, sob
o iris esplendido do Quetzal!
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