LORD GEORGE BYRON E SUAS PAIXÕES
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Publicado
na Folha de S.Paulo, domingo, 24 de maio de 1953
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Neste texto foi mantida a grafia original
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O celebre poeta, Lord Byron, cabeça do movimento romantico
inglês e gloria do seculo XIX, nasceu em 1788. Sua vida tranquila
e fascinante foi povoada de aventuras, viagens, amores e obras literarias.
A desmedida atração de sua personalidades tornou possivel
que as mais formosas mulheres se rendessem a seus amores. De sua
vasta produção citaremos, como obras primas, "Os
Cantos de Childe Harold" e "Don Juan". Morreu no
ano de 1824, em Missolonghi, defendendo a liberdade da Grecia.
Quando se pensa em amor, nas grandes amadas e nos celebres amantes,
surge à mente o par ideal de dois seres que, unidos, desafiam
os naufragios e vicissitudes da vida. O casal eterno, inesquecivel
no tempo e na distancia e que, como na legenda de Tristão
e Isolda, é mais forte que a morte mesma. Sem embargo, na
vida de Lord Byron nem tudo tem a placidez dos serenos postais romanticos,
com seu lago, suas nuvens, suas colinas nevadas e a casa coberta
de samambaias. Ele amava as violencias e as advercidades, preferia
os sofrimentos e só temia uma coisa: o enfado. A interminavel
galeria de seus amores no-lo mostra tempestuoso, luciferino, cinico
e audacioso. Era o "Don Juan" moderno que jamais se compadece
das criaturas que o amam até a morte; é o galã
desprezador das mulheres, o qual proclama ironicamente:
-"O terrivel das mulheres é não poder-se viver
com elas, nem sem elas."
A Inglaterra inteira o odiava e tambem o admirava. Nos salões,
as mulheres não sabiam resistir ao feitiço do seu
olhar triste e melancolico. E as mais belas mulheres do Reino se
entregavam sem restrições ao poeta celebre de "Childe
Harold."
Uma lenda de vicios e depravações o rodeava. A sua
passagem, ocultando os labios com os leques, as damas da aristocracia
contavam historias mais terriveis. Mas, ao mesmo tempo, as ilustres
senhoras sonhavam com ele em suas noites agitadas. Que poder de
sedução tinha ele? Chegaram-lhes às mãos
cartas como esta: "Tem alguma objeção contra
este plano? De noite, sairemos juntos numa diligencia, para um sitio
distante dez ou doze milhas de Londres. Ali, estaremos livres e
desconhecidos. Na manhã seguinte, você voltará.
Dispus tudo de tal maneira que não é possivel a menor
suspeita. Quer permitir-me viver umas horas a seu lado? Quando me
mandar embora, não ficarei mais um minuto sequer... Depois,
faça o que quiser, vá para onde desejar; recuse-se
a ver-me; comporte-se com rispidez, só me lembrarei da graça
de seus amores e da selvagem originalidade de sua atitude."
Ao ler estas linhas, ninguem se lembraria de pensar que o poeta
era coxo. Entretanto, esse defeito fisico teve muita importancia
em sua vida e explica algumas manifestações de seu
carater. Seu aleijão está ligado a seu primeiro desengano
amoroso, a sua rispidez posterior e a seu cinismo. Um espirito orgulhoso
como o de Byron teve que escolher entre a perversidade e o defeito
fisico. E ele preferiu a aparencia de perversidade.
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Uma
frase de sua prima
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Byron é, então, um colegial indocil e rebelde. Acabou
de tomar a carruagem que o afasta do colegio de Harrow e, à
medida que os muros do internato se perdem na distancia, a sugestão
do campo de liberdade vai aumentando. O rapaz respira a pleno pulmões.
Deseja aproveitar as ferias. Planeja nadar, montar a cavalo, compor
versos, ler, e principalmente passear ao ar livre. Chega aos campos
de Newstead, onde se estabelece. Vagando pelos arredores atinge
os dominios em que vive sua prima. Mary, como se lhe afigura uma
deusa. Seus olhos acostumados à penumbra do internato, ficam
deslumbrados com os movimentos, os gestos graciosos, as vestes e
as risadas da adolescente. Começam logo a passear pelos campos.
Ele se encanta ao ver-lhe os cabelos iluminados pelo sol e agitados
pela brisa perfumada. É um menino que já sente o feitiço
do amor e começa a sofrer. Ah! Se pudesse confessar-lhe os
sentimentos e dizer-lhe quanto amor lhe tem!
Mas não se atreve, porque lhe vem à lembrança
o aleijão da perna que lhe desfigura o corpo. Começa
a viver no mundo das novelas. Sonha. Com o amor chegaram tambem
a dor e a melancolia. Para sua mente agitada, Mary representa o
inatingivel. E numa bela tarde, estando os dois colhendo lirios
perto de uma abadia, seus rostos se juntaram por acaso e o menino
sentiu roçar-lhe a face os labios de sua prima. A partir
desse incidente não conheceu mais calma; passou a noite repetindo
o nome de "Mary... Mary". E com a resolução
dos Byron decidiu que, no dia seguinte, declararia seu amor.
Foi à residencia da prima e entrava resolvido, quando, no
grande vestibulo da casa, ouviu Mary conversar com alguem. Escutou,
atento, as palavras de sua amada.
-"Está louca! Como é possivel creres que eu possa
amar um menino aleijado?! Sabes que outro é meu namorado
e em breve ficarei noiva..."
Um menino aleijado! Abandonou a casa, ferido e amargurado. Seu orgulho,
sua rebeldia, sua pureza destruida lhe afloraram aos labios e, desde
então, lhe nasceu um sorriso cinico, perverso, perigoso.
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Um
libertino contraditorio
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Dez anos mais tarde, era um jovem esguio, palido e irresistivel.
Conservava algo da timidez que sempre fez parte da aparencia dos
temperamentos passionais. À sua passagem, as mulheres se
lhe ofereciam, vencidas pela formosura e distinção
de suas maneiras. Por isso pôde dizer:
-"Desde os tempos da guerra de Tróia, não houve
ninguem mais disputado que eu!"
É incontavel o numero de suas amantes, de suas aventuras,
e dos maridos enganados por ele. A sociedade inglesa o odiava, mas
ao mesmo tempo a Inglaterra toda lhe recitava os versos. Uma aureola
lhe cobria o nome. Era um personagem sobre quem contavam as mais
estranhas aventuras. Quando abandonou Carolina Lamb, esta fez a
tentativa de matar-se com um punhal... E Lady Oxford? E Lady Frances...
Seria possivel que aquele homem não pudesse amar?... Afirmavam
que sua propria irmã Augusta estava fascinada por ele...
Certa vez, ela lhe enviou um cacho de cabelos, com a seguinte legenda:
"Compartilhar todos os teus sentimentos,
não ver se não através de teus olhos,
não seguir se não os teus conselhos,
não viver se não para teu bem: Esses são
meus desejos, meus projetos e o único
destino que me poderá fazer feliz. - Augusta."
Escritas pela mão de Byron, foram achadas anexas aos cabelos
estas palavras: "Cabelos daquela a quem mais amei".
Esse homem que encontrava no pecado o seu prazer mais intenso, tinha
um quê de diabolico. Certa vez, circulou pelos salões
a noticia incrivel:
-"Lord Byron contrai casamento!"
Seria possivel? Era um contrasenso tão perigoso, que não
podia ser mera brincadeira. Preferia, talvez, a vida dum lar aprazivel
aos azares de sua existencia? Terminada a cerimonia, o jovem casal
subiu ao coche de nupcias. No momento que todos os enamorados começam
o caminho da felicidade, aquele homem extraordinario já entrava
a sentir o enfado de sua aventura. Sua esposa ficou atonita, ao
ouvir estas primeiras palavras de amor:
-"Viemos de nos casar, e tu és minha esposa. É
suficiente para que eu te despreze. Se fosses a mulher de outro,
talvez me enamorasse de ti."
Após alguns meses de matrimonio, separou-se da mulher. Não
tolerava a vida em comum. Sua fama tornou-se cada vez mais insuportavel
e um edito o desterrou para sempre da Inglaterra. Já no convés
do navio, as mulheres se aglomeravam para vê-lo pela ultima
vez. Nunca mais tornaria a pisar o solo da patria. Mas a parte melhor
dele ficava na Inglaterra. Desde os nobres aos plebeus, todos sabiam
de cor as estrofes maravilhosas de "Childe Harold".
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A
terra dos amores
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O peregrino chega à Italia. Tem dinheiro, juventude e talento.
Na terra, dos amores, só poderá colher exitos. Está
na terra de Francesca e Paolo, de Romeu e Julieta. As sombras de
Dante e Beatriz, de Petrarca e Laura lhe cruzam a imaginação.
A primeira coisa que procura é uma mulher a quem possa amar.
Com seu rosto palido seduz a mulher de um negociante, e com algumas
moedas de ouro elimina as dificuldades que lhe poderia suscitar
o marido.
Desta maneira são recebidos em Veneza. Uma gondola desliza
suavemente pelos canais. Surge a lua, enorme e sem sonhos, para
saudar o "Don Juan" e lhe iluminar a primeira aventura
em terra italiana. Mariana, assim o nome da escolhida, começa
a conhecer as delicias do amor. Ansiosa aguarda as noites e a gondola
romantica, onde por ela espera o inglês. O marido recebe mais
algumas moedas e o par amoroso vai conhecendo as pontes sombrias
da cidade. Para inconveniencia de Lord Byron, a veneziana acaba
por apaixonar-se loucamente. Não quer mais conviver com o
marido. Mostra ciumes contra todas as mulheres e da manhã
à noite não o deixa em paz. Por fim, chega o celebre
Carnaval de Veneza. Luzes, alegrias e canções. Coloquio
entre os gondoleiros e a lua. Risos e encontro nos lugares mais
afastados. Todos se entregam ao amor. As vielas escuras se povoam
de casais. O amor fugiu das alcovas, para buscar refugio nas pontes.
As estrelas se debruçam à sacada escura da noite,
para escutar o estalar dos beijos e os juramentos de amor. Lord
Byron cobra nova vida nesse clima galante e ingenuo. Que maravilha
lhe parece a Italia! Floresce, ali, o amor como uma planta silvestre
e é tão comum como o sol, o vinho, as nuvens.
Mas, num passeio pelo campo, não tardou a descobrir uma camponesa
maravilhosa... É jovem, forte e rustica como as madeiras
de sua casa, mas viçosa e prometedora. Todas as forças
daquela terra dir-se-iam corre-lhe pelo sangue. Byron a chama "La
Fornarina". Ela se torna para ele um novo amor. Ele a leva
consigo, para gozar do deleite de sua presença. Acha prazer
em contemplá-la como a um animal jovem, pois aquela exuberancia
tem de fato algo de animalesco. Não é a dama refinada
dos salões, nem a amante de cabeleira ruiva, para ser beijada
na languidez da alcova. "La Fornarina" passa e derruba.
Ele a exibe aos amigos como um animal raro e vigoroso.
Não há duvida que é formosa. Os cabelos negros
lhe caem até a cintura e todo seu corpo irradia forças
da terra. Era arrebatada, falsa e ciumenta. Os criados lhe tinham
medo e viam nela a enviada do diabo. Ele estava satisfeito com aquela
pantera que destroçava a casa, lhe mentia, comprava rididulos
chapéus e o amava até o delirio. Nela via Byron todas
as forças primitivas desencadeadas e, com esse amor, se vingava
da civilizada Inglaterra.
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O
neto de "Jack Tempestade"
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Ao
avô de Byron deram o apelido de "Jack Tempestade",
por haver sido o marinheiro das tormentas e vendavais. Essa herança
turbulenta como que passou para Lord Byron, que era exatamente um
"Jack Tempestade" de aventuras. O amante mais exigente
do mundo se contentaria com uma mulher como a "Fornarina",
que mais se assemelhava a um vulcão em erupção
do que a um ser humano. Mas o poeta necessitava de outras emoções.
-"Escuta-me, Tito!"
-"Que deseja o sr.?" - replicou o gondoleiro em sua sonora
linguagem venesiana.
-"Quero que me tragas as mais lindas mulheres de tua terra.
Percorre a cidade e os arredores. Gasta o dinheiro que preciso for.
Preparei alojamentos para todas. Mas... é necessario que
Margarida não saiba de nada."
Margarida Gogni era a feroz e bela "Fornarina".
"Don Juan mantinha um harem. Alem de que, o castelo do estranho
poeta inglês era povoado por pavões reais, macacos,
cães e gansos. De vez em quando chegava Tito com uma nova
mulher em sua gondola. Alguma bela camponesa, uma adolescente estouvada,
a mulher de algum velho nobre... A colonia inglesa da Italia vivia
escandalizada com as aventuras de Lord Byron. Na Grã-Bretanha,
falava-se dele como de um ser legendario e perverso, mas quando
seu editor lançava um livro de novos poemas, era mister a
presença da policia, porque os leitores entusiasmados assaltavam
a livraria.
Quando a "Fornarina" descobria um novo caso de Byron,
surgiam brigas horriveis. Como era de esperar, aquela jovem selvagem
e bela se havia apaixonado perdidamente. Aconteceu chegar, um dia,
à casa de Byron uma filha natural do poeta, formosa menina
de sete anos, uma Byron perfeita que lhe copiava os traços
delicados e a palidez do rosto. Fora enviada pela mãe, a
fim de que Byron a educasse. Mas o poeta viu que a menina, ali,
corria perigo. Confiou-a, portanto, a um convento e continuou sua
vida de prazeres e loucura.
Se alguem lhe escrevia, Margarida abria as cartas. Começou
a estudar inglês, para poder lê-las. Controlava os gastos
do poeta e fazia economias. Isto é, transformara-se numa
perfeita dona de casa e não pensava em abandonar Byron. Ele
protestava contra tudo isso, mais no fundo se divertia com as atitudes
picarescas dessa mulher terrivel.
Um dia caiu gravemente enfermo. O medico, depois de examiná-lo,
aconselhou como primeira medida, que afastasse todas as mulheres,
por algum tempo. A resolução abrangia, principalmente,
a formosa "Fornarina". Mas não havia jeito de fazê-la
compreender que a saude do poeta dependia de sua ausencia. A pobre
mulher, fiel como um cão, queria ficar ao lado do enfermo.
Os amigos do poeta se viram obrigados a recorrer à força.
A "Fornarina" desesperada, tomou uma faca e tentou suicidar-se.
Tiveram a sorte de evitar que levasse a cabo o intento.
Da cama, o poeta escutava o borborinho agitado nos corredores e
os gritos de sua amada. Nenhuma promessa conseguia dar-lhe calma.
Janelas grandes e azuladas davam para o canal; por baixo deslizavam,
suavemente, pelas aguas as gondolas silenciosas. A "Fornarina"
planejou tudo num atomo de tempo. Conseguiu fugir dos que procuravam
dominá-la e se lançou em direção da
janela. Todos ficaram mudos de espanto. A mulher ia suicidar-se.
Como louca, desgarrada ao vento a cabeleira, arremessou-se no vazio.
Ouviu-se um grito e o ruido dum corpo a se afundar nas aguas. Após
alguns momentos de estupefação, os presentes se chegaram
à janela.
-"Pobre mulher!" - disse Tito, que a julgava morta.
Mas a casualidade dispôs o contrario. Naquele momento passava
uma gondola diante do castelo de Byron. O gondoleiro conseguiu a
custo retirá-la das aguas. Estava desmaiada e seu rosto formoso
e jovem já mostrava os vestigios de uma grande dor. Mas respirava
ainda. Algum tempo depois, voltou a si, desfazendo-se num pranto
convulso e inconsolavel. Com frases entrecortadas por soluços,
repetia:
-"Meu amigo... já não me tem amor... meu amigo.".
Enquanto a embarcação deslizava pelas aguas, o veneziano
procurou consolá-la. Às vezes, os seres humanos têm
muita semelhança com os animais. Quanto mais simples e singelos,
mais se enchem de carinho pelas coisas e pessoas que lhe rodeiam
a vida..
Com todos os seu defeitos. A "Fornarina" tinha cobrado
amor ao homem que ela não conseguia compreender. Mas, felizmente,
o amor não precisa de entender. O amor é mais simples,
mais inexplicavel.
E enquanto Byron se refazia da enfermidade, pensando em novas aventuras,
uma pobre mulher, rustica e primitiva, olhava em seu redor as pedras
coloridas das casas venezianas e sentia que e beleza de seus olhos
negros era uma coisa inutil, e que seu corpo maravilhoso não
tinha sentido, pois o amor lhe fugira para sempre. Não conseguia
compreender que a desilusão é uma das leis da natureza,
e continua a repetir baixinho, sobre a gondola:
-"Meu amigo... meu amigo... já não me tem amor!"
Anibal de La Vharga
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