A CENSURA, TERROR DOS CINEMATOGRAPHISTAS
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Publicado
na Folha da Manhã, domingo, 24 de Fevereiro de 1935
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Neste texto foi mantida a grafia original
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Na
Hespanha, como em toda parte, a severidade da censura exercer-se,
principalmente, sobre os excessos que se filmam sobre politica internacional
e sobre propagandas de subversão social - Greta Garbo e Marlene dão
pouco trabalho aos homens da censura... |
A censura cinematographica é uma instituição
que existe em todo o mundo. E, em todo o mundo recebe applausos
e protestos, pois não havendo um estalão universal
para se medir a moral, a censura tem que agir levada mais por interpretação
pessoal do que por dogmas estabelecidos.
É claro que um povo civilizado, cujas massas populares tenham
uma certa cultura, possue, da Moral uma concepção
muito differente da de um povo atrazado. O progresso, destruindo
coisas materiaes, destroe tambem muitos preconceitos tolos. Assim
o que para nós, paulistas, parece ser uma coisa natural,
já não o será para os goyanos, por exemplo.
A moral é, assim elastica, variando com o meio de vida e
com a cultura de cada povo.
No Brasil ha para o cinema, uma censura nacional o que, evidentemente,
é um erro. Muitas scenas cinematographicas que, no Rio e
em São Paulo, têm passado despercebidas, por nos parecerem
naturaes, levam o escandalo a muitas cidades pequenas.
E como é feita a censura na Europa?
Um "magazine" hespanhol publicou, ha pouco uma curiosa
reportagem em torno do assumpto. A titulo de curiosidade, vamos
reproduzir-lhe um trecho:
"Que é a censura cinematographica? Como trabalha? Suppõe-se
que ella é uma especie de solteirona severa, vestida de negro,
com grandes oculos negros e os caricaturistas a representam
assim solteironas que são o terror dos exhibidores
e que, invejosas das pernas de Marlene ou do "sex-appeal"
da Garbo, grunhem a cada instante, de tesoura em punho:
Esse beijo está muito demorado! Isso é uma
pouca vergonha! Precisamos reduzil-o à metade. E essas pernas?
Onde já se viu uma mulher apparecer em publico em fraldas
de camisa? Arranquem isso! Vamos!
A verdade porém, é que as coisas não se passam
exactamente assim. Na Hespanha a censura das pelliculas está
installada na "Direccion General de Seguridad" e é
exercida com um criterio mais amplo, mais liberal do que se suppõe.
A censura cinematographica existe em todo o mundo porque foi estabelecida
por um convenio internacional da Sociedade das Nações,
afim de que todos os paizes possam controlar, mais os excessos de
propaganda politica e social, do que propriamente os excessos de
amoralidade, menos perigosos do que aquelles.
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BEIJOS
E NUDEZES |
Que é que a Censura corta?
Essa pergunta já foi formada, vezes sem conta, pelos amantes
do cinema, principalmente depois da projecção de filmes
como "El lago de las damas", "Extasis" (1) e
outras do mesmo genero. O publico que assistiu esses filmes em Madrid
sahiu commentando:
Mutilaram, seguramente, tres quartas partes da pellicula!
Que pena não podermos vêl-a completa!
Pois bem: para tranquilidade desses espectadores, para que não
se sintam fraudados cada vez que assistam um filme, vou repetir-lhes
o que me disseram na "Direccion de Seguridad".
A censura cinematographica? Mas creia que não pode
ser mais benigna, mais civilizada, principalmente no que se refere
a nús e scenas passionaes! Se não fosse assim, o trecho
do "Lago de las damas" em que apparece uma actriz com
os seios desnudos teria sido cortado. E o mesmo posso dizer-lhe
das pelliculas que nos mostram os acampamentos de nudistas na Allemanha.
Então, perguntei, que é que os senhores cortam?
Apenas o que sáe dos limites do bom gosto. Autorizamos
o nú bello, como podem comprovar todos os frequentadores
de cinema; mas supprimimos os trechos em que apparecem scenas deshonestas
ou as que, pela crueza da illuminação que recebem
ou pela sua excessiva approximidade de objectiva, possam ferir a
susceptibilidade do publico. Não existem regras fixas. Um
nú integral pode ser casto, e umas pernas, tomadas de certo
angulo, podem ser pornographicas.
As scenas amorosas são censuradas com frequencia?
Repito-lhe que cortamos pouco. As vezes temos que supprimir
scenas que, no paiz em que foram realizadas talvez não chocassem,
mas que na Hespanha dariam lugar a reclamações do
publico.
Existem alguma artista que, pela sua maneira de trabalhar,
dê um trabalho especial aos censores?
Não. Nenhuma. Isto é, Marlene, Greta Garbo
e todas as grandes amorosas do cinema, nos dão mais motivos
para pequenos cortes do que as ingenuas. Isso é uma regra
geral facilmente compreensivel. Mas o facto de tal ou qual actriz
ser protagonista de um filme, não influe em nada no espirito
do censor.
Como vêm os leitores, a censura cinematographica não
é tão terrivel assim. Os beijos da Greta Garbo podem
durar tres segundos ou tres horas. Lily Damita pode exhibir, como
entender, as suas pernas magnificas, seguradas em meio milhão
de dollares. Mae West pode andar como quizer e Jean Harlow pode
exhibir seu busto á vontade. O amor, em cinema, sofre muito
menos do que a politica internacional".
Na Hespanha, apesar da pequenez do seu territorio, a censura é
feita em duas cidades, Madrid e Barcelona. Em Madrid, passaram pela
censura, no ano passado, mais de um milhão de metros de filmes
num total de 1.176 pelliculas. Desse todal de 1.124 kilometros,
foram cortados pela censura, apenas 9.
E, a esse proposito, diz-nos o director da "Seguridad":
Supprimimos, imaginem o que? As "hepanholadas".
Vocês não calculam as coisas incriveis que se fazem
nos Estados Unidos, quando elles dão para explorar assumptos
hespanhoes. Numa pellicula intitulada "Os amores de Carmem"
- que, felizmente para o exhibidor, não permittimos que fosse
exhibida porque, do contrario, o publico reduziria as cadeiras a
cacos - havia uma corrida de touros "do outro mundo" dividida
em "rounds". Ou coisa que o valha. Nessa fita, o publico
atirava baldes de agua fria sobre o touro e os toureiros, para reanimal-os
quando elles se sentiam cansados. Era uma tourada vista por um "manager"
de box. "Uma palhaçada num filme que se apresentava
com pretensão a sério".
A censura cinematographica, quando exercida com criterio, só
pode ser util a todos. O cargo de censor não requer, naturalmente,
aptidões especialissimas, mas apenas um natural bom-senso
que sirva de orientação, uma vez que a moral não
tem dogmas estabelecidos, variando muito com o tempo e o lugar.
É um engano suppor que só as pessoas rigidamente austeras,
de habitos puritanos podem exercer esse cargo. Ao contrario, esses
Catões são os peores censores pois, collocando-se
diante de uma tela com a preocupação exclusiva de
catar no filme scenas escabrosas, acabam mutilando muitas obras
de arte, na sua mania moralista. Os moralistas são, justamente,
os maiores inimigos da moral, habituados como estão a envenenar
as coisas mais innocentes deste mundo, fechados no circulo medieval
de suas convicções e procurando desconhecer que, assim
como varia o aspecto das cidades com o correr dos tempos, varia
o seu meio de vida e modificam-se os trajes e os costumes. Quem
quer que observe as magnificas pinturas e gravuras do seculo XVIII,
constará logo que, enquanto as mulheres occultavam as pernas
até as pontas dos pés, num pudor exquisito, desnudavam
o busto até onde podiam. Foi o contrario disso que se deu
ha quinze anos atraz, quando as mulheres ocultavam zelosamente o
busto e deixavam as pernas descobertas até os joelhos - ou
acima dos joelhos quando se sentavam. Hoje, com as contradições
da moda, occultam tudo nas ruas, exhibem as costas nos bailes e
desnudam-se quasi inteiramente nas piscinas e praias. Tudo isso
é muito natural e, nem nos bailes, nem nas praias os homens
andam arepiados com o que vêem.
Dahi a necessidade de censura cinematographica ser exercida por
homens de sociedade, que compreendam perfeitamente o meio em que
vivem, e não por puritanos misanthropos que exerçam
o seu mistér, hoje, com o mesmo criterio com que o exerceriam
ha vinte ou trinta annos atraz. A missão do censor é,
apenas corrigir excessos, e não regenerar a humanidade. Roma
chegou ao auge da devassidão numa época em que não
havia cinema, embora existisse um censor terrivel como Catão...
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Mas não ha cinematographista que goste da censura. Afinal
de contas elles têm razão, porque são obrigados
a pagar para que a censura lhes arebate dos filmes as scenas que
elles consideram como as de maior sucesso de bilheteria. Essas cenas,
uma vez cortadas, não são devolvidas. Ficam na policia
numa especie de museus de coisas prohibidas. E se a policia reunisse
todos esses pedaços, fazendo um filme novo, ganharia com
elle, num dia, o que todos os cinemas juntos não ganham num
anno...
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