TRIPLICADA EM 1950 A PRODUÇÃO DE FILMES EM LINGUA ESPANHOLA


Publicado na Folha de S.Paulo, domingo, 23 de setembro de 1951

Neste texto foi mantida a grafia original

De 70 peliculas em 1940 para 200 em 1950 — Para cada 400 fitas norte-americanas, por ano, o mundo latino tem 200 em espanhol, 70 em francês e 50 em italiano, sem contar boa quantidade em português — Mexico, o maior produtor, com mais de 100 fitas

O problema da produção cinematografica, já de si muito importante para a economia e a cultura de cada país, assumiu aspecto exepcional em decorrencia do aparecimento dos filmes sonoros. As peliculas silenciosas levavam a cada povo apenas as imagens, os acontecimentos e as historias e costumes das nações de origem, mas os falados transportam consigo, alem daqueles elementos, ainda as canções, a musica e o proprio idioma estrangeiro.
Os letreiros nem sempre traduzem ou substituem as palavras ditas ou cantadas pelo artista; frequentemente a redação das legendas deixa muito a desejar, quando não altera completamente a idéia do autor do "script". Em varios paises tentou-se fazer o "dubbing", isto e, produzir na lingua nacional as palavras que, originalmente, na cena o artista pronuncia em seu proprio idioma. Apesar do elevado aperfeiçoamento dessa tecnica do "dubbing", ainda assim não satisfaz ao publico e não resolveu completamente o problema. Por isso mesmo, na maioria dos paises preferiu-se apresentar o filme em sua versão original.
Independente dessas circustancias, a opinião unanime consagrou o cinema como um dos meios mais importantes de propaganda e de expansão cultural, hoje mais importante ainda, graças ao filme sonoro. Facilita melhor o conhecimento de outras terras que os artigos da imprensa; aproxima os povos, mostra as condições de luta pela vida e os meios por que resolvem os problemas fundamentais de outras nações. Nessa condições, não deve suscitar espanto que as peliculas norte-americanas ou européias sejam proibidas na Russia Sovietica. Nesse país tornaram-se tabu, porque mostram apenas a verdade sobre a vida dos povos ocidentais. A revelação desses aspectos da vida ocidental, levaria ao espirito dos povos russos duvida sobre a excelencia do regime em que vivem, e que lhes declara simplesmente que os paises sovieticos são realmente o "único paraiso sobre a terra". Evidentemente, existe o reverso da medalha: nos paises democrativos são proibidos os filmes sovieticos que, alem do mais, trazem sistematicamente, em si, propaganda politica.
Compreende-se a obstinação dos paises democraticos em proibir os filmes que sejam apenas politicos: o cinema é arte e a arte nada tem que ver com a politica...
As nações de lingua espanhola compreenderam bem cedo a importancia do cinema como meio de expansão cultural e artistica; durante muito tempo foram obrigadas a importar filmes em lingua inglesas, mas agora já possuem sua propria produção que, lentamente, vai ocupando o lugar dos filmes americanos e europeus.


TRIPLICADA A PRODUÇÃO DE 1940

Tomando-se em consideração apenas os filmes de longa metragem, que podem tomar o tempo normal de uma sessão, veremos que a produção total em lingua espanhola passou de setenta filmes em 1940 a duzentas produções em 1950, quase três vezes maior, portanto. Explica-se esse fenomeno não somente pelo auxilio ou tutela dos governos diretamente interessados, mas ainda porque as fitas em lingua espanhola foram recebidas com maior agrado pelos povos hispano-americanos, principalmente porque esses povos tiveram afinal oportunidade de ver e aplaudir seus proprios artistas, mais proximos de sua indole e dos olhos, do que os interpretes estranhos de assuntos estranhos de lingua incompreensivel, e que muito pouco lhes falavam ao espirito e ao coração.
No começo dessa produção, tinha-se a impressão de que um liliputiano ia entrar em luta com Guliver; as empresas hispano-americanas, sem o capital necessario e com uma limitada experiencia do assunto, sem instalações modernas e com pobreza de tecnicos, tinham que medir-se com os pioneiros da cinematografia moderna, dispondo esses de todos os recursos tecnicos e financeiros imaginaveis. O fato de terem vencido significa que era necessaria, impunha-se a produção em lingua espanhola. Compreende-se perfeitamente, o protecionismo de que gozam essas empresas, por parte dos governos interessados, uma vez que o artigo nacional deve merecer preferencia.
Daí, resultou que o mundo latino, hoje, para cada quatrocentos filmes de produção anual norte-americana, tem à sua disposição duzentos filmes em lingua espanhola, setenta em francês e cinquenta em italiano. Isto sem contar vinte ou trinta peliculas em portugues. Como se vê, a balança manteve-se equilibrada durante estes ultimos dez anos.
O aspecto economico dessa luta mostra que, graças a essa produção, alguns milhares de artistas, diretores, tecnicos de som e de eletricidade, costureiros, alfaiates, sapateiros, fabricantes de tecidos e outros, tiveram a oportunidade de trabalhar e ganhar dinheiro em seu proprio país; alem disso, há um aspecto interessante na questão: toda essa gente pôde aprender uma arte nova, ensinar nova gerações de tecnicos e apresentar criações artisticas que podem ir pelo mundo todo a demonstrar as possibilidades desses povos.
Neste momento de crise generalizada, convem não esquecer que a produção nacional impediu o exodo de divisas para o estrangeiro, o que na importação de filmes, redunda em sensivel melhoria para a economia de cada país. Aliás, a produção cinematografica permite a cada nação impor seu artigo como elemento de troca com os mercados estrangeiros.

MEXICO — O MAIOR PRODUTOR

Os produtores de filmes em lingua espanhola e que produziram essa verdadeira revolução no mercado são a Espanha, o Mexico, a Argentina, o Peru e o Chile. O produtor que maior progresso demonstrou foi o Mexico. Esse país produziu em 1940 apenas vinte filmes, isto é, menos que um terço da produção total em lingua espanhola; já em 1950 ultrapassava cem peliculas, vale dizer mais que a metade daquele total. O lugar de marcado relevo ocupado pelo cinema azteca na produção em lingua espanhola deve-se não apenas à energia e ao esforço dos pioneiros da industria mexicana, mas tambem a dois fatores: a proximidade de Hollywood, onde numerosos aprenderam os segredos da arte cinematografica; e o clima que, tal como em Hollywood, permite o trabalho ao ar livre durante o ano todo. Acrescente-se a isso, ainda, a facilidade de aquisição de instalações modernas a um país vizinho.
O segundo lugar é ocupado pela Argentina, com a produção media anual de 50 filmes. Ao contrario do que sucedeu com o Mexico, na Argentina, nestes ultimos dez anos o cinema não apresenta desenvolvimento impressionante. Manteve-se quase estacionario.
A Espanha vem em terceiro lugar, com o aumento de cinquenta por cento de sua produção, em dez anos, passando de 23 a 37 filmes.
O Peru e o Chile têm uma produção que varia de cinco a dez filmes por ano e que apresenta todos os aspectos de produção ocasional.
Naturalmente o nivel artistico desses filmes não pode sofrer comparação com os dos Estados Unidos ou Inglaterra. Acreditamos que seja apenas uma questão de tempo, de boa vontade e de paciencia dos produtores. Os ultimos filmes mostram que eles estão no bom caminho, não lhes faltando ambição de progredir. O mercado existe, pois os paises de lingua espanhola possuem onze mil salas de exibição e as populações ascendem a 130 milhões de pessoas sem contar o Brasil, que, com os seus 52 milhões de habitantes, mostra grande simpatia pelos filmes em idioma espanhol.


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