POETA EXALTA A MULHER E CRITICA O PODER
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Publicado
na Folha de S.Paulo, sexta-feira, 22 de maio de 1998
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Paulo Daniel Farah
da Redação
Nizar Qabbani retrata as sociedades mundiais, em especial a árabe,
e (re)constrói a si mesmo por meio da arte. Sua poesia reflete
a inquietude da vida e revela culturas, costumes e teorias.
Qabbani utliza-se de uma linguagem simples, sem rebuscamentos artificiais,
e sonora. Já em seu primeiro livro, "A morena me disse",
pede que não leiam seus poemas, mas que os cantem. É
o que fazem cantores de diversos países, como os egípcios
Abdul Halim Hafez e Mohammad Abdul Wahab, a libanesa Majda Rumi
e o iraquiano Kazhem Assaher.
Lembro-me de um professor de literatura árabe que fazia os
alunos da universidade decorar poemas para recitá-los e analisá-los.
Dois deles me foram entregues na primeira aula. O primeiro, "A
nação dos livros desmoronou-se?", questionava
se o livro estava agonizando. A resposta vinha no final do texto
("Não, mil vezes não") e era reforçada
pelo segundo, de Qabbani. O poema fala do passado árabe-ibérico,
relata o encontro fortuito do poeta com uma espanhola de Granada
e reconstitui séculos de história em duas páginas.
Dois temas marcam a obra de Qabbani: a mulher e a crítica
ao poder. O poeta despe a mulher do estereótipo de fragilidade
e faz dela um ser concomitante ao homem e que, tal como ele, precisa
de amparo. Não acredita ser um enviado celeste, mas adota
uma postura nítida contra a servitude feminina.
O discernimento crítico da vida política e social
caracteriza o que escreve a partir de 1967, quando Israel ocupa
a faixa de Gaza e a península do Sinai (Egito), na Guerra
dos Seis Dias.
A morte de Gamal Abdul Nasser (em 1970), presidente do Egito que
nacionalizou o canal de Suez e teve o maior funeral da história
daquele país, gera um desabafo no livro "La" (Não).
Qabbani, que compartilha das idéias pan-arabistas do líder
carismático, escreve-lhe uma carta de despedida.
O poeta lastima outros acontecimentos como a morte de sua mulher
e a perda de Jerusalém ("Chorei até que as lágrimas
findassem/Orei até que as velas se derretessem") e mescla
à depressão esperança e admiração
pelos poetas palestinos.
Qabbani crtica a depreciação que os líderes
árabes fazem da população e, nos últimos
anos, emprega um tom mais agressivo e cada vez menos conformista.
Uma obra tão emblemática e representativa de um povo
merece ser mais divulgada em nosso país.
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POESIAS
DE NIZAR QABBANI |
"Meu filho coloca à minha frente sua caixa de tintas
E pede que eu lhe desenhe um pássaro...
Embebo o pincel na cor cinza
E desenho-lhe um quadrado com um cadeado... e barras
Meu filho me diz, e o espanto preenche seus olhos:
'Mas isso é uma prisão...
Meu pai, não sabes desenhar um pássaro?'
Digo-lhe: 'Meu filho... não me leves a mal
De fato esqueci a forma dos pássaros'
Meu filho coloca à minha frente sua caixa de lápis
E pede que eu lhe desenhe um mar...
Apanho um lápis
E lhe desenho um círculo negro...
Meu filho me diz:
'Mas isso é um círculo negro, meu pai...
Não sabes desenhar um mar?
Não sabes que o mar é azul?'
Digo-lhe: 'Meu filho,
Em meu tempo era perito em desenhar mares
Quanto a hoje... Levaram meu anzol
E o barco pesqueiro
Proibiram-me o diálogo com a cor azul
E de fisgar o peixe da liberdade'
Meu filho coloca à minha frente um caderno
E pede que eu lhe desenhe uma plantação de trigo
Apanho a caneta
E desenho-lhe um revólver
Meu filho debocha de minha ignorância nas artes plásticas
E diz surpreso:
'Não conheces a diferença entre o trigo e o revólver?'
Digo-lhe: 'Meu filho,
No passado conhecia a forma do trigo
Do pão e da rosa
Mas neste tempo metálico
Em que as árvores da floresta se uniram
Aos homens das milícias
E em que a rosa passou a vestir roupas camufladas
No tempo das espigas armadas
Dos pássaros armados
Da cultura armada
E da religião armada...
Não há pão que eu compre
Que não contenha um revólver
Não há flor que eu colha no campo
Que não aponte um revólver para minha face
Não há livro que eu compre
Que não venha a explodir entre meus dedos...'
Meu filho senta-se na borda da cama
E pede que eu lhe recite um poema
Uma lágrima minha cai no travesseiro
Ele a apanha perplexo e diz:
'Mas isso é uma lágrima, meu pai, não um poema'
Digo-lhe:
'Quando cresceres, meu filho,
E leres uma antologia de poesia árabe
Saberás que a palavra e a lágrima são irmãs
E que a poesia árabe
Nada mais é do que uma lágrima que emerge dentre os
dedos'
Meu filho coloca à minha frente suas canetas e sua caixa de
tintas/ E pede que eu lhe desenhe uma pátria
O pincel estremece em minha mão...
E caio chorando..."
*
A função da poesia é fornecer-te um passaporte...
Sem interferir nos detalhes da viagem
No horário dos trens que apanhas
Ou no nome dos hotéis onde te hospedas
A função da poesia
É colocar à tua frente
A garrafa e o copo
E deixar que te embriagues
À tua maneira
*
No princípio fez-se a poesia,
E a prosa era a exceção
No princípio fez-se o mar,
E a terra era a exceção
No princípio fez-se o seio,
E o sopé era a exceção
No princípio foste tu...
Então se fizeram as mulheres
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