Plínio Marcos
Quase
no fim do desfile das escolas de samba se dizia que a Barroca Zona
Sul tinha feito um despacho de duas mil galinhas, que a Vai-Vai
defumou o bairro do Bexiga antes de sair, que a diretoria do Camisa
Verde e Branco foi fazer um trabalho pesado na cachoeira, que o
charuto do Juarez estava cruzado com cinzas de cemitério
e que o pessoal da Vila Brasilândia deu um boi em pé
pra ter seus caminhos abertos. Se comentava isso em tom de brincadeira,
mas o pessoal das escolas, quando perguntados, riam, desconversavam,
mas não desmentiam.
A gente,
vendo as escolas desfilando, chegava à conclusão que
o Carnaval, se dependesse das escolas, apesar de mil e uma mumunhas,
seria um sucesso. Porém (e sempre tem um porém), com
a Secretaria de Turismo e Fomentos da Prefeitura organizando, é
preciso que o povo e as escolas de samba estiquem a veia do pescoço
até ficar bem inchada, pro fracasso não ser total.
Domingo,
dia do desfile das escolas do 1° grupo, a Secretaria de Turismo
e Fomentos da Prefeitura deixou atrasar o desfile na avenida Tiradentes,
a famosa mal iluminada e mal decorada passarela do samba paulistano,
por mais de uma hora. Isso porque houve quebra de sigilo sobre a
Comissão Julgadora e era necessário trocar os jurados,
coisa que todo mundo sabia que era preciso fazer desde de manhã,
mas que a Prefeitura só soube na avenida, alertada que foi
por sambistas.
Aí,
já viu. Foi um Deus nos acuda! A Secretaria de Turismo se
embananou, ninguém entendeu por que. Era só convidar
novos intelectuais pro júri e pronto. Intelectual brasileiro
só não é júri do Silvio Santos e do
Chacrinha porque esses dois aí não conhecem os intelectuais
e, devido a isso, não os convida, o que faz intelectuais
chiarem contra esses programas e os júris. Mas, no Carnaval,
quando são lembrados e convidados, os intelectuais vão
correndo ser júri de escola de samba, mesmo a troco de um
cachê que causaria vergonha aos Pedro de Lara, a Elke Maravilha,
ao Zé Fernandes, a Wilza Carla e a qualquer julgador profissional.
Mas
deixa isso de lado. O que quero contar é que a Prefeitura,
que só ficou sabendo que tinha que trocar o júri na
avenida, na hora de começar o desfile, se complicou. Os dirigentes
da escola de Samba Acadêmicos do Tatuapé, escola que
sempre se esforça para descer pras divisões inferiores,
e o pessoal do Paulistano da Glória, plantados na cabeceira
da pista, reclamavam que, se fossem eles que chegassem atrasados,
perderiam vinte ou vinte cinco pontos. Mas a Secretaria não
perderia nada e, por não perder nada, a Secretaria de Turismo
não explicava nada sobre o atraso para multidão calculada
em mais de duzentos mil pessoas, que pacientemente esperava o desfile.
Essa
gente chegou na avenida à tarde, pra pegar lugar, mas não
pegou bulhufas. Aliás, a Prefeitura garantiu que ia mudar
o local do desfile da São João pra Tiradentes pra
poder aumentar os lances de arquibancadas e melhor acomodar o público,
mas não melhorou coisa nenhuma. Só aumentou o trajeto
da concentração até o final do desfile, pra
caber mais gente pra olhar o desfile carnavalesco, pois pra participar
do Carnaval não existe absolutamente chance. Balançou
o corpo, vai parar nos braços de algum delegado. E sabendo
disso, a multidão espremida, bate o recorde mundial de contenção
de xixi, ficando treze, quatorze horas sem desaguar. Porque não
há como, nas arquibancadas da prefeitura, e os donos de botequim
do pedaço, ou trancam seus mictórios, ou cobram dois
cruzeiros por xixizada.
E o
atraso do centro resultava em atrasos muito maiores nos desfiles
dos bairros. O Paulistano da Glória, por exemplo, tinha que
ir pra Santo Amaro, onde também uma multidão carente
de lazer esperava horas e horas pra ver alguma coisa parecida com
Carnaval que não fosse uma corneta de som estridente pendurada
num poste anunciado a todo momento um desfile que não acontecia.
Ou melhor, na Tiradentes, quando a gente pensava que não
ia mais acontecer, aconteceu. E foi, de modo geral, o pior desfile
das escolas do 1º Grupo nos últimos anos, porque, incentivadas
pela Secretaria de Turismo e Fomentos e os jurados que anos a fio
ela escala pra dar nota baixa pra tudo que é autêntico,
as escolas estão se cobrindo de panos luxuosos, pedrarias,
plumas e penachos e dando pouca importância pro samba. De
qualquer forma, as escolas passaram com brilho. Quem passou apagada
foi a Prefeitura e a Secretaria de Turismo e Fomento do Município
de São Paulo, que ano que vem vai fazer macumba pesada que
esse ano caboclo Jaragua não funcionou.
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