OS AMORES DE NAPOLEÃO


As curiosas revelações de cinco cartas de amor - onde se revela a primeira derrota de Napoleão

Publicado na Folha da Manhã, domingo, 22 de abril de 1934

Neste texto foi mantida a grafia original

Cinco cartas de Napoleão, encontradas ha poucos dias, vieram demonstrar que o homem que foi, em dado momento, o dono do mundo, soffreu uma derrota cruel justamente onde elle esperava, com maior certeza, ser vencedor.
Stephan Zweig, o famoso escriptor, narra-nos em artigo recentemente publicado, como se passaram esses factos, de accôrdo com aquellas cartas.
Até ha pouco, só se conheciam tres derrotas de Napoleão: Aspern, Leipzig e Waterloo. Agora, tem-se noticia de mais uma: Emma.
Que é Emma? Alguma cidade, ou alguma aldeia?
Não. Emma era uma provinciana bisonha residente em Valence, aquella cidadezinha onde Napoleão, com dezesete annos, tremendamente sentimental, iniciava a sua carreira militar. Foi nessa localidade, com certeza, que o futuro imperador teria se encontrado com a moça por quem se apaixonou, nalguma reunião social. Que ella o impressionou fortemente, parece não haver duvida alguma, diante desta carta que elle lhe dirigiu, incisiva e inflammada.
"Senhorita. Ha poucos dias vós me falastes com tanta graça que, desde então, o meu maior desejo é falar-lhe a sós". Accrescentava, ainda que saberia ser digno de sua confiança, adiantando que "uma resposta negativa que ella lhe désse iria feril-o profundamente".
E Emma? Não estremeceu de orgulho a sua alma, ao ver-se eleita por um rapaz que, já naquella época, se destacava singularmente dos seus companheiros? Infelizmente para ella, Emma não tinha poderes divinatorios; não procurou lobrigar o futuro. Viu apenas um rapaz feio, timido, e narigudo, que, numa caligraphia horrivel, lhe propunha inconvenientemente, indecorosamente, uma entrevista.
Não respondeu. Ou, se o fez, foi de uma forma pouco delicada.
Numa segunda carta, Napoleão mostra-se mais violento. Affirma que seus "sentimentos delicados" de nenhuma fórma poderiam causar-lhe asco, e pede-lhe:
"Responda-me, Emma, diga-me que seu coração pulsa com o meu".
Mas Emma ainda não attende a esses appellos afflictivos, e numa terceira carta do guerreiro, pedindo-lhe perdão por ter despertado o seu desagrado, não parece igualmente convencel-a. Offendido em seu orgulho, o conquistador repellido pergunta-lhe, noutra carta, se ella duvidava do seu caracter ou se já estava compromettida com outro. E roga-lhe ainda:
"Emma: apenas uma palavra. Ame, um pouco que seja, aquelle que a adora muito. Deixe-me lêr sua alma".
Mas Emma não admitte essa leitura. Ao contrario, observa ao arrebatado jovem, que as cartas que lhe são enviadas por um mensageiro de confiança, só lhe têm trazido indignação.
Ao receber essa resposta, aquelle que foi o maior estrategista do mundo, começou a pensar numa retirada honrosa. O rapaz desconfia que essa correspondencia poderia tornal-o ridiculo aos olhos de outras pessoas. E, na quinta carta, implora à indomavel rapariga que, ao menos, lhe devolva as cartas que escrevera, promettendo-lhe, em troca, dar por terminada essa "campanha" e esquecer para sempre a rispidez com que ella o havia tratado.
Mas Emma que, como todas as mulheres, devia ter se sentido orgulhosa de ser amada, embora não amasse, não respondeu a Napoleão. E, em vez de devolver as cartas, guarda-as avaramente. É possivel que mais tarde, já mulher, ella tivesse se arrependido profundamente de ter repellido um homem que ia ser o senhor da Europa. O facto, porém, é que essas cartas foram guardadas e somente muito tempo depois um descendente da dama, em más condições financeiras, resolveu negocial-as.
Quem adquiriu essas preciosidades historicas e sentimentaes foi um collecionador francez, o sr. Barbet, que as guardou ciumentamente em seu armario de autographos, durante muitos annos, sem as mostrar a ninguem, no zelo maniaco de collecionador feroz.
Somente, agora, após a sua morte, o segredo das cinco cartas, vem á luz da publicidade, revelando-nos a figura curiosa e humoristica dessa Emma imprevidente que não quiz ser esposa do Imperador da Europa.

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