CÂNCER MATA, AOS 77, ESCRITOR RUBEM BRAGA

Publicado na Folha de S.Paulo, sexta-feira, 21 de dezembro de 1990

Morreu às 23h30 de anteontem no Rio o escritor Rubem Braga, 77. Sofria de câncer. Ele escreveu, entre outros livros, "Aí de Ti, Copacabana" e "As Boas Coisas da Vida". Ficou conhecido como cronista e foi mestre do "jornalismo de autor". Capixaba, Braga tinha fama de mal-humorado e avesso a conversas. Há quatro meses, registrou em cartório pedido para que seu corpo fosse cremado, o que ocorrerá na próxima semana em São Paulo. Também não queria velório.

O cronista Rubem Braga morre aos 77

Da Redação e da Sucursal do Rio

Morreu às 23h30 de anteontem o escritor Rubem Braga, que completaria 78 anos no próximo dia 12. Braga morreu de insuficiência respiratória, no hospital Samaritano, em Botafogo (zona sul do Rio). Ele sofria de câncer na laringe e foi internado às 14h de quarta-feira, com problemas respiratórios e cardíacos.
O corpo foi levado às 11h20 para a Santa Casa da Misericórdia (centro do Rio), para ser embalsamado e trazido a São Paulo, onde será cremado. Há cerca de quatro meses, quando soube que tinha câncer, Braga deixou registrado em cartório o pedido para que seu corpo fosse cremado. Pediu também à família que não houvesse velório ou qualquer cerimônia fúnebre.
O escritor recusou-se a fazer tratamento contra o câncer. Vinha trabalhando normalmente nos últimos dias, apesar de ter sofrido duas internações no hospital Samaritano e de ter seu estado de saúde agravado. No sábado, escreveu sua última crônica para o jornal "O Estado de S.Paulo".
Vários amigos de Braga foram, ontem pela manhã, ao hospital Samaritano. A atriz Tônia Carrero, uma das musas do escritor, chegou às 10h35 e não quis dar declarações. A maioria dos amigos presentes era composta por jornalistas, como Armando Nogueira e Alice Maria, que trabalharam com Braga durante 17 anos na Globo.
Rubem Braga nasceu em 12 de janeiro de 1913, em Cachoeira do Itapemirim, no Espírito Santo, cidade de outro famoso Braga, Roberto Carlos. Em 1929 foi para o Rio de Janeiro estudar na Faculdade de Direito. Em 1931 mudou-se para a Faculdade de Belo Horizonte, onde concluiu o curso. Mas a carreira de advocacia foi preterida pela de jornalista.
Naquela época iniciou profissionalmente a atividade de cronista - pela qual ficaria conhecido e entraria para a história da literatura - no "Diário da Tarde" de Minas Gerais. Quando adolescente já escrevia crônicas no "Correio do Sul", de Cachoeira.
Para os Diários Associados de Minas fez a cobertura da Revolução Constitucional, em São Paulo, em 1932. No ano seguinte, mudou-se para São Paulo e virou cronista e repórter do "Diário de São Paulo". Lá conheceu o crítico de música e escritor Mário de Andrade. Em 1936 publicou seu primeiro livro de crônicas "O Conde e o Passarinho", pela José Olympio.
Em 1944, ano em que publicou "O Morro do Isolamento", seu segundo livro, foi para a Itália fazer a cobertura da Segunda Guerra Mundial para o "Diário Carioca". As crônicas que publicou na época foram reunidas no livro "Com a FEB na Itália" (Zélio Valverde, 1945).
Trabalhando em diversos jornais no Rio, São Paulo, Porto Alegre e Pernambuco, Rubem Braga foi se tornando um mestre do "jornalismo de autor". Quando estava na Itália, com os expedicionários brasileiros, preferiu retratar o cotidiano dos soldados, falar das cartas que escreviam às namoradas, a fazer reportagens épicas narrando feitos de guerra.
Foi fundador do jornal "A Folha do Povo" e das revistas "Problema", em São Paulo, 1936, e "Diretrizes" com Samuel Wainer e Azevedo Amaral, no Rio, em 1938. Foi correspondente em Paris de "O Globo", em 1946, e do "Correio da Manhã", em 1950.
Rubem Braga é autor também da versão moderna da "Carta de Pero Vaz de Caminha a El Rey Dom Majuel", editada pela Record em 1981. Nos anos 80, escreveu para o "Jornal Hoje" da rede Globo.
Com fama de mal-humorado e avesso a muita conversa, Rubem Braga nunca quis escrever suas memórias, que foram se tornando cada vez mais o objeto de suas crônicas. Além de achar uma redundância, considerava o memorialismo um gênero chato.
O corpo de Rubem Braga será cremado em Vila Alpina, em São Paulo, na próxima semana.

Repercussão

Rachel de Queiróz, 80, escritora: "Ele era o nosso mestre da crônica, o sabiá que sabia fisgar do trivial a dimensão humana da vida, com requintada simplicidade e sem exageros. Não terá substitutos porque era especial."
Haroldo de Campos, 61, poeta, crítico e tradutor de poesia: "Ele foi o criador da crônica moderna. E poucos conseguiram se mover com a graça, o virtuosismo e com a perícia de Rubem.
Antonia Dimas, 45, professora de literatura brasileira na USP: "Com Rubem Braga desaparece o cronista que configurou a crônica de jornal contemporânea. Ele conferiu uma dignidade literária à crônica, a ponto de torná-la um gênero quase brasileiro."

Bibliografia do escritor

"O Conde e o Passarinho" (edit. Record, Cr$ 1.790,00,196 págs., em catálogo)
"Crônicas da Guerra na Itália" (edit. Record, Cr$ 1.790,00, 324 págs., em catálogo)
"Um pé de Milho" (edit. Record, Cr$ 1.090,00,172 págs., em catálogo)
"O Homem Rouco" (edit. Record, Cr$ 1.750,00,182 págs., em catálogo)
"A Borboleta Amarela" (edit. Record, Cr$ 1.090,00,164 págs., em catálogo)
"Ai de Ti, Copacabana" (edit. Record, Cr$ 1.150,00,184 págs., em catálogo)
"200 Crônicas Escolhidas" (edit. Record, Cr$ 1.790,00,328 págs., em catálogo)
"Recado de Primavera" (edit. Record, Cr$ 1.150,00,180 págs., em catálogo)
"A Traição dos Elegantes" (edit. Record, Cr$ 1.190,00, 216 págs., em catálogo)
"O Verão e as Mulheres" (edit. Record, Cr$ 850,00,124 págs., em catálogo)
"As Boas Coisas da Vida" (edit. Record, Cr$ 1.150,00,188 págs., em catálogo)
"Os Melhores Contos de Rubem Braga" (seleção e introdução de Davi Arrigucci Jr., edit. Global, Cr$ 1.150,00, 164 págs.)
"O Morro do Isolamento" (edit. Brasiliense, 1944)
"50 Crônicas Escolhidas" (edit. José Olympio, 1951)
"Três Primitivos" (Serviço de Documentação do Ministério da Educação, 1954)
"100 Crônicas Escolhidas" (edit. José Olympio, 1958)
"O Conde e o Passarinho" e "O Morro do Isolamento" (Editora do Autor, 1961)
"A Cidade e a Roça" e "Três Primitivos" (Editoria do Autor, 1964)
"Livro de Versos" (Edições Pirata, Recife, 1980)
"Carta a el Rey Dom Manuel" (recriação da carta de Pero Vaz de Caminha com 52 desenhos de Carybé, 1981)
"Uma Viagem Capixaba de Carybé e Rubem Braga" (descrição da paisagem rural e urbana do Espírito Santo na década de 50 com desenhos de Carybé, 1982)
"O Menino e o Tuim" (livro infantil, Quinteto Editorial, 1987)

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