PLINIO MARCOS: ESCREVO PARA INCOMODAR


Publicado na Folha de S.Paulo, terça-feira, 19 de março de 1968

Neste texto foi mantida a grafia original

A Censura desfechou mais um duro golpe em Plinio Marcos, a maior revelação da dramaturgia brasileira dos ultimos tempos: na semana passada, o ministro da Justiça, prof. Gama e Silva, confirmou a proibição imposta a encenação de "Barrela", sua primeira peça.
Plinio está irritado, mas não se deixa vencer. Depois da vitoriosa noite de autografo, sexta-feira passada, no teatro Oficina, em que lançou a primeira edição de "Navalha na Carne", seguiu ontem para o Rio a fim de estrelar "Dois Perdidos Numa Noite Suja". A peça entrará em cartaz no lugar de "Barrela", apesar de já ter sido vista pelos cariocas, numa temporada de varios meses. Plinio interpretará o papel de "Paco, um jovem que a sociedade transformou num marginal, frio e desconfiado. Antes de viajar disse, como sempre, tudo o que pensa da Censura.

«Ministro fez media»

O autor de "Barrela" acha que o ministro da Justiça desta vez mostrou definitivamente a sua verdadeira posição:
"Acredito que havia uma briga nas proprias esferas do governo, entre o ministro Gama e Silva e o Cel. Florimar Campelo, chefe da Policia Federal e o Teatro acabou pagando o pato. Enquanto o ministro estava ameaçado de perder seu posto, fazia media com a classe teatral. Queria sair do governo como o herói defensor da liberdade de expressão. Logo que se viu seguro no cargo, entretanto não teve mais necessidade de fazer media com o Teatro e sua posição passou a ser igual à do cel. Campelo, que é o censor que proibe as peças".
Plinio considera a situação do Teatro no Brasil dificil:
"Quase não tenho possibilidade de fazer Teatro neste país, onde um governo de força impede a manifestação das artes. Isso tudo é lamentavel, mas dá bem a idéia do triste momento que vivemos no Brasil. Somos quase tão tristes quanto os estudantes poloneses, que estão nas ruas defendendo a liberdade de expressão. Infelizmente, nós ainda não temos uma tradição de luta que nos permita responder com energia e rapidez a cada afronta que o governo faz à liberdade. É doloroso ver um país de analfabetos, famintos, desempregados, com um presidente que lê peças de teatro, não para aumentar sua cultura, mas para proibi-las. Tenho a impressão que o povo brasileiro está farto de mordaça".

A vitoria do palhaço

Apesar dos frequentes contratempos causados pela Censura, Plinio vive intensamente os seus dias de sucessos. É o autor brasileiro mais disputado, discutido e assistido do momento: suas peças lotam qualquer teatro, da Capital ou do Interior e, em sua defesa, já sairam algumas das figuras mais expressivas da intelectualidade brasileira.
Plinio Marcos tem 32 anos, é casado com a atriz Walderez de Barros, e tem 2 filhos. Continua tranquilo e simples como antes: ainda usa calça rancheiro, uma grossa japona preta, botinas de sola de pneu e, nos teatros, é amigo até dos porteiros. É o mesmo santista modesto e obstinado que veio do anonimato total, da beira do cais, do emprego em fabrica de fogão e dos circos para explodir como uma força renovadora da dramaturgia brasileira.
O palhaço "Frajola", ou melhor, Plinio Marcos, foi descoberto num circo pela jornalista Patricia Galvão, que o levou para completar o elenco amador que disputava o Festival Nacional do Teatro de Estudante, em Santos. Nessa epoca, Plinio já havia escrito "Barrela", e Patricia levou a peça para o diretor do festival Paschoal Carlos Magno, ler. Recebeu o primeiro elogio e começou a luta para se impor no panorama teatral brasileiro, enfrentando periodos dificeis de obscuridade, de pequenos papéis em peças teatrais, e, muitas vezes, teve de "pegar o boné e cantar em outra freguesia".

Escreve para incomodar

"Em "Barrela", Plinio expõe cruamente o relacionamento dos homens que vivem nas prisões. A peça, que a Censura considera pornografica, teve o parecer favoravel do dr. Carlos Leal, chefe do Serviço Psiquiatrico da Penitenciaria Lemos de Brito, do Rio de Janeiro, que a considerou moralista e util para o estudo do comportamento de grupos.
Plinio Marcos deve parte da sua fama às suas brigas com a Censura, que o acusa de obsceno. Já se disse, também, que ele escreve suas peças com a finalidade deliberada de chocar. Plinio se explica:
"Escrevo assim porque e assim que o povo fala. Não faço pesquisa de linguagem. Vou para o cais de Santos, falo com o pessoal e fico atualizado na giria. Sou um reporter que vê os fatos e os põe no palco".
Foi assim que Plinio Marcos escreveu "Barrela", "Jornada de Um imbecil até o Entendimento", "Reportagem de Um Tempo Mau", "Navalha na Carne", "Dois Perdidos na Noite Suja", "Quantos Param", "Homens de Papel", e outras peças. Para o critico Sabato Magaldi, "nunca um escritor nacional se preocupa tanto em investigar, sem lentes embelezadoras, a realidade, mostrando-a ao publico na crueza de materi bruta".
A melhor definição da obra de Plinio Marcos é dada, entretanto, por ele mesmo, com toda a sua agressiva sinceridade:
- "O Teatro foi a forma que encontrei para dar um testemunho a respeito do tempo mau que vivemos. Falo de gente que conheci e conheço, gente que está amesquinhada por gente; gente que vai se perdendo. Meu teatro é só isso. Apresento os fatos como um reporter. Conheço os fatos e não sei a solução. O recado que tenho para dar é só este: há gente por aí se danando. Meu ideal é conseguir fazer as platéias pensarem na solução para o problema dessa gente, problema que deve ser o de todos nós. Não faço Teatro para o povo, mas o faço em favor do povo. Teatro para incomodar os que estão sossegados. Só para isso".

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