"TERRA EM TRANSE" EM DEBATES NO RIO
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Publicado
na Folha de S.Paulo, sexta-feira, 19 de maio de 1967
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Neste texto foi mantida a grafia original
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RIO, 18 (FOLHA) - Cinema como praxis, comunicação de
massa, validade de obra de arte quando sua assimilação
é dificil para o grande publico, simplicidade de linguagem
cinematografica até o didatismo, foram alguns dos temas suscitados
durante os debates sobre o filme "Terra em Transe", de Glauber
Rocha, realizado anteontem à noite no Museu da Imagem e do
Som, e do qual tomaram parte teoricos, cineastas, produtores, críticos
e estudantes universitarios. O filme está em cartaz no Rio
e vem suscitando muita polemica.
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O
inicio |
A polemica foi iniciada por um dos integrantes da equipe, o co-produtor
e diretor de fotografia Luis Carlos Barreto, que disse em resumo:
"Por ser um filme sem concessões, caotico, polemico, feito
sem a intenção de agradar a quem quer que seja, a ele
e ao autor são lançadas as maiores acusações,
reacionarias no mais amplo sentido da palavra. A visão do grande
publico brasileiro está condicionada, parada no tempo, acostumada
a linguagem simplista, estacionada no "E o Vento Levou".
Enquanto isso, "Terra em Transe" marca a divisão
de duas epocas, e sua tentativa de criar uma linguagem nova chega
a chocar, não é aceita de imediato. As acusações
são iguais àquelas dos velhos professores de Carlos
Drumond de Andrade, quando o rejeitavam. Pela mesma experiencia passou
Oscar Niemeyer, alvo do mesmo reacionarismo". O certo - entende
Barreto - é que o filme não deixa de ser discutido e,
como materia de debate, Glauber Rocha coloca a velha questão:
se o cinema deve ficar estagnado ou deve prosseguir inovando e investigando.
"Terra em Transe" é mais um marco na historia do
cinema, e principalmente no Terceiro Mundo quem quiser fazer cinema
terá de enfrentar o desafio de meu diretor".
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Politico
ou não |
A premissa de que o filme não é politico e sim sobre
politica e seus agentes, lançada pelo proprio autor, foi contestada
por outro debatedor, o jornalista Fernando Gabeira, que disse tratar-se
de um filme politico, ou de uma tentativa em linguagem confusa.
"Foi realizado para uma minoria intelectualizada e que se supunha
capaz de entender e interpretar suas alegorias, mas dele nada pode
aproveitar em tempos de compreensão de uma realidade nacional
ou latino-americana". Para Gabeira, Eldorado é um país-robô
em subdesenvolvimento, mas seus problemas não são identicos
aos da America Latina ou do Terceiro Mundo - e a inexistencia do militarismo
em Eldorado é um exemplo. O poeta, personagem central, tenta
ser um super-homem e apela para uma solução de força
num problema que exige soluções politicas.
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Discordancia |
O psiquiatra Helio Pelegrino discordou. Considerou "Terra em
Transe" "a melhor coisa que se fez em cinema, pelo menos
no nosso Terceiro Mundo. A similitude de Eldorado com países
dessa area é total concreta".
A solução de força tentada pelo personagem Paulo
Martins (Jardel Filho) "reflete dialeticamente as frustrações
nas soluções politicas tentadas. Ele não é
um projeto de super-homem e sim um projeto de homem, expressão
de aparente fracasso de um poeta anarquista. Entende-se por "anarquista"
o precursor do revolucionario. O poeta foi o primeiro guerrilheiro
de Eldorado, depois de ter visto que soluções politicas
de nada adiantaram para seu país".
Segundo o psiquiatra que tomou parte nos debates, "para Eldorado
já não havia soluções: fecharam-se as
saidas com a coroação do rei, de um caudilho, de um
Salazar. Paulo Martins é, no meu entender, personagem presente
em todos os paises subdesenvolvidos, e por isso não é
um super-homem, negativa do genio. Fidel Castro, quando desembarcou
em Cuba com seus companheiros, tambem era poeta. E' o idealismo contra
uma estrutura politico-social-militar-policial, bem montada e aparentemente
rigida; lutar contra a maquina Batista era sonho, irreal, poetico,
mas deu certo. Paulo tambem sonhou, errou e morreu".
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Defesa |
Alex Vianni é outro critico cinematografico que defende "Terra
em Transe", embora nem sempre concorde com os conceitos da Glauber
Rocha ou as conclusões a que ele chega. Defende o filme como
obra de autor, ou seja, filme de diretor, no qual em todas as cenas
é sentida a presença do diretor.
"Nele, todos os atores se afirmam através da exasperação,
marca imprimida por Glauber Rocha. O critico se confessou admirador
incondicional do trabalho de Paulo Lexar Sacarraceni, mas reconheceu
que o verdadeiro "desafio" foi lançado por Galuber
Rocha: todo o realizador do Cinema Novo, na America Latina, ou no
Terceiro mundo terá de ver, sentir e pesquisar a obra de Glauber".
Vianni entende que o filme não é comunicativo e que
muitas vezes os atores falam mas não se entende. Entretanto,
tudo foi premeditadamente, caoticamente, "e a verdade, o caos,
o transe de Eldorado é identico àquele que sentimos
diante de uma realidade que nos constrange. O "flash-back",
justamente na morte do poeta, quando ele recebe os quatro tiros que
o matam, é a mesmo morte que sentimos diante de uma realidade
maior que nossas forças. A derrubada de um governo legitimo,
a perda de algo para nós inabalavel, nos levam àquela
incompreensão momentanea e este é o transe que Glauber
consegue transmitir com a exatidão de um genio".
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O
poema |
Para o cineasta Joaquim Pedro de Andrade, "o poeta é o
guerrilheiro pois o povo de Eldorado não assume posição
critica diante de seus problemas e os grandes heróis se fazem
com a morte. A morte como fé e não como solução.
Assim, a morte do poeta é morte-vida, e não é
possivel viver quando não se está disposto a morrer
por uma idéia, por um amor, por um povo, por um amigo".
O poema de Glauber Rocha - lembrou Joaquim Pedro - mostra que Paulo
Martins morre pelas razões de viver quando diz:
"Este povo alquebrado
cujo sangue é sem vigor
Este povo precisa da morte
mais do que se possa supor;
O sangue que estimula no irmão a dor,
o sentimento do nada que gera o amor,
a morte como fé, não com temor".
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