No final da encenação da peça "Roda Viva",
o teatro Galpão - rua dos Ingleses, 209, foi invadido por
cerca de vinte elementos armados de cassetetes, soco-inglês
sob as luvas, que espancaram os artistas, sobretudo as atrizes,
depredaram todo o teatro, desde bancos, refletores, instrumentos
e equipamentos eletricos até os camarins, onde as atrizes
foram violentamente agredidas e seviciadas.
Com
a agressão, sofreu fratura na bacia o contra regra José
Luís que foi levado ao Pronto-Socorro Iguatemi, alem das
atrizes Marilia Pera (principal da peça), Jura Otero, assistente
de coreografia, Margot Baird Eudosia Acunã, Walkiria Mamberti
e outros atores com escoriações generalizadas, que
foram levadas ao Pateo do Colegio para exame do corpo de delito.
Os
agressores, após a depredação e a violência,
debandaram e fugiram numa perua Kombi e num sedan Volkswagen beje
claro, mas alguns atores conseguiram deter três desses elementos.
Um primeiramente, que foi entregue a policiais da Radio Patrulha,
que o deixaram escapar. Outros dois que foram levados pessoalmente
por atores e um de seus advogados ao DOPS. Um deles foi identificado
como advogado formado no Mackenzie: Flavio Ercole. O outro como
estudante de Economia do Mackenzie, que seria tambem sargento do
Exercito segundo foi dito na Assembléia realizada logo após
no teatro Ruth Escobar.
Aviso
Na tarde de ontem, os estudantes do teatro receberam um aviso por
telefonema anonimo, de que elementos estavam planejando o "quebra-cabeça"
no espetaculo "Feira Paulista de Opinião". Augusto
Boal, um dos dirigentes, tentou falar com o secretario de Segurança
Publica e pediu ao capitão Ferrarini, Chefe da Casa Militar,
que enviasse policiais para proteger o teatro e o publico.
O capitão
mandou que o teatrologo ligasse para o DOPS. Chegaram uma viatura
e um agente do DOPS que se identificou ao inicio do espetaculo.
Entretanto,
a peça transcorreu calma. O ataque foi no auditorio do Teatro
Galpão, no final da peça "Roda Viva". "Mas
o aviso se confirmou ao serem encontrados dois cassetetes, nos escombros
de depredação", afirmou Augusto Boal.
As violencias
O grupo composto por vinte elementos bem vestidos, alguns deles
com terno e gravata, invadiram o teatro, forram espancando quem
encontravam. Depredaram as poltronas, quebraram os "spots",
instrumentos musicais, e subiram aos camarins onde as atrizes estavam
mudando de roupa. Espancaram-nas, tirando-lhes a roupa, e praticaram
atos brutais de sevicia, conforme afirmavam atores, testemunhas
oculares da violencia.
Policia incapaz
O agente do DOPS que se encontrava na platéia do teatro Ruth
Escobar, que viera para proteção, vendo o que ocorria,
correu aos policiais da RP, pedindo-lhes que bloqueassem as saidas
do teatro Galpão, ao que se negaram sob a alegação
de "ter que pedir reforço". Com isso, a maioria
dos atacantes pôde evadir-se.
Os
dirigentes teatrais afirmavam que "o general Silvio Correia
de Andrade sabe mandar agentes para prender o contra-regra quando
este distribuia folhetos, mas num caso destes, pactua com esses
fascistas". "Temos que organizar nosso proprio esquema
de segurança porque a Policia é incapaz de nos proteger".
Outra
informação que trouxeram à Assembléia,
foi de que o delegado do 4.o Distrito Policial, tomando conhecimento
do fato e da prisão dos dois elementos, afirmou a jornalistas
que iria lavrar o flagrante. Mas os dois estavam detidos no DOPS.
O delegado do 4.o Distrito foi chamado pelo delegado do DOPS. Quando
voltou ao 4.o Distrito, havia mudado sua orientação
quanto ao destino dos dois delinquentes, dizendo, então,
que não formalizaria o flagrante e que por isso, os detidos
seriam liberados após as formalidades de praxe.
Desafio
Augusto Boal responsabiliza pelo ato de vandalismo o general Silvio
Correia de Andrade e a deputada Conceição da Costa
Neves. Lanço o desafio a ambos, para dizerem pela televisão
que não tiveram nada com o caso, e virem debater com a classe
teatral.
Plinio
Marcos, tambem teatrologo e um dos dirigentes da classe teatral
afirmou: "Esta terrivel agressão é absurda, é
ridicula. A cultura e a inteligencia brasileira foram massacradas
em seu templo. Temos que recear a formação de entidade
do tipo de Ku Klux Kan. A classe teatral suspeita de que esses elementos
são os mesmos que soltam bombas e matam soldados. São
pessoas interessadas em tumultuar a nação".
"Mais
firmes ainda - prossegue Plinio Marcos - reivindicamos a liberdade
de expressão dentro do mais sagrado direito, que significa
um anseio do povo brasileiro, provado em programas de TV e manifestações
de solidariedade que temos recebido. Grupos terroristas procuram,
através de atos violentos de terrorismo organizado por gente
interessada numa ditadura violenta, agredindo trabalhadores em seu
local de trabalho".
Concluindo,
diz: "todo o patriota teme e nós tememos pelos destinos
de nossa Patria. Sentimos que há realmente um grupo organizado,
forçando a barra, para levar a Nação a um regime
de terror e violencia".
Na casa de Sodré
De madrugada, uma Comissão de Artistas foi à residencia
do governador comunicar-lhe os acontecimentos.
Na
frente da Comissão estavam as artistas Cacilda Becker e Ruth
Escobar que tentaram entrar em contato com o secretario da Segurança,
Hely Lopes Meirelles, mas foram informadas pelo assistente de gabinete
de que o secretario não poderia atendê-las. Cacilda
tentou explicar ao assistente os motivos que as levaram a telefonar
àquela hora (eram duas horas da madrugada), mas ele não
quis aceitar nenhuma explicação, mandando-as dirigir-se
ao Departamento da Policia Federal. Ocorreu, então, o seguinte
dialogo entre Cacilda e o assistente de gabinete do secretario da
Segurança.
Cacilda
- Senhor assistente, quebraram o nosso teatro e alguns policiais
estavam à porta com duas RPs e nada fizeram.
Assistente
- O que podemos fazer minha senhora, são gente de teatro,
dirijam-se ao DPF, isto é com eles.
Cacilda
- Então quer dizer que gente de teatro não é
gente?
Assistente
- Eu não quis dizer isto, dona Cacilda. O que eu quis dizer
é que o assunto está afeto à Policia Federal.
Cacilda
- Então, sr. assistente, nós iremos procurar o governador
Sodré e informá-lo da falta de segurança em
São Paulo.
Os
artistas em numero de uns 80 chegaram à residencia do governador
Sodré às 3 horas, mas os soldados que ficam de guarda
nas proximidades da residencia governamental, não os deixaram
aproximar-se, mantendo-os à distancia. O oficial de dia telefonou
aos assistentes militares do governo e três capitães
vieram receber a Comissão.
Ruth
Escobar e Cacilda Becker falaram inicialmente com o capitão
Antonio Abate Filho que as atendeu. O oficial procurou saber o que
as artistas queriam. Estas o informaram do seguinte: "Queremos
garantias de que esses elementos serão punidos e garantias
de vida. Garantias de que o elemento que foi detido e que se encontra
na 4.a Delegacia seja autuado em flagrante. Queremos informar o
governador da maneira descortês das autoridades do DOPS que
se recusaram a nos atender. E, finalmente, queremos que o Estado
se responsabilize pelos danos causados ao teatro".
O capitão
Abate, informou à Comissão de que nada poderia garantir,
porem ia telefonar ao delegado da 4a. Delegacia, João Luís
Mendes Serra para cientificar-se do fato. A seguir - continuou o
capitão - vou me comunicar com o governador para saber se
ele poderá atendê-los.
Solução
Às 3h30 o capitão Antonio Abate voltava e informava
aos artistas de que o governador não poderia atendê-los,
pois estava dormindo, mas que ele entrara em contacto com o secretario
da Segurança que se prontificara a atender a Comissão
às 8h30 da manhã de hoje, no seu gabinete. Houve certo
descontentamento entre os artistas, pois o sr. Hely Lopes Meirelles
se havia negado a atendê-los momentos antes. Entretanto, os
pedidos dos assistentes da Casa Civil do governador acalmaram os
artistas que acabaram aceitando a indicação do sr.
Hely Lopes em recebê-los.
Sobre
a prisão de um dos agressores, o capitão disse que
entrara em contacto com o delegado João Mendes Serra, informando-o
de que o preso somente poderia ser liberado com autorização
do secretario ou do governador do Estado. Diante das providencias
tomadas pelos capitães Antonio Abate Filho, Edson Tenorio
e Emidio Joaquim os artistas se prontificaram a esperar até
às 8h30, quando foram atendidos pelo secretario da Segurança,
na rua Brigadeiro Tobias. Logo a seguir, segundo o capitão
Edson Tenorio, o sr. Hely Lopes Meirelles se entrevistará
com o govenador, para informá-lo das medidas que as autoridades
tomarão.
Com o secretario
A comissão constituida pelas atrizes Cacilda Becker, Ruth
Escobar, Nidia Licia e Assunta Perez, assessoradas pelo advogado
Laerte Macedo Torrens da Sociedade Artistica Novo Teatro, proprietaria
do Teatro Galpão e defensora das vitimas, foram apresentados
ao delegado geral, José Reneè Mota, que os fez sentar
na ante-sala do secretario, onde ficaram longo tempo aguardando
a chegada do prof. Hely Lopes Meirelles.
Os
prejuizos foram estimados pelo grupo em 50 mil cruzeiros novos por
ter sido destruida toda a cabine de luz, som e ainda todos os instrumentos
musicais da orquestra. Assim mesmo eles garantem que a peça
não sairá de cartaz devendo ser apresentada ainda
hoje de qualquer maneira.
Com Sodré
Os artistas deverão ser recebidos às 14 horas pelo
governador Abreu Sodré e às 24 horas promoverão
reunião no Teatro Ruth Escobar.
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