FOLCLORE QUE VEM DE LONGE


Publicado na Folha de S.Paulo, sábado, 18 de janeiro de 1969

Neste texto foi mantida a grafia original

RIO (Sucursal) - Nome de rua no Rio Grande do Norte, escritor e jornalista desde os 20 anos, maior autoridade em folclore brasileiro e membro da mesma geração de Lampião, Luís Carlos Prestes e Procopio Ferreira, Luís Camara Cascudo gravou no Museu da Imagem e do Som algumas das passagens de seus 70 anos de atividades literárias.
Bem humorado e bastante espirituoso, o historiador e folclorista conversou durante quase duas horas com seus entrevistadores, enquanto seu filho Fernando da Camara Cascudo, explicava que foi necessario um verdadeiro complô de familia para traze-lo ao Rio de Janeiro.

 

Mudança

Luís da Camara Cascudo nasceu em Natal, no dia 30 de dezembro de 1898, na rua das Virgens, às margens do rio Potengi. Em seu depoimento contou que, por volta de 1928, a Camara de Vereadores e o prefeito de Natal decidiram dar seu nome à rua onde nascera.
- Diante disso - explicou - mandei uma carta desaforada para o prefeito, protestando contra o ato, mas não consegui nenhum resultado. Mas, em vista da carta, colocaram uma placa: Rua Luís da Camara Cascudo, ex-Rua das Virgens".
O escritor revelou tambem que gastou 1/3 de sua vida em viagens pelo sertão africano.
- "Este afastamento tão prolongado me deu um sentimento enorme de brasilidade e, apesar de continuar sendo um provinciano incuravel não tenho nenhum bairrismo e me sinto apenas brasileiro".
"Nestas viagens - continua - também observei que no Brasil realmente não existe um culto ao folclore, como na África. Aqui, o foclore e suas manifestações mais puras encontram-se entre as camadas mais baixas da população. Na África, em todos os países acontece o contrario: em todas as camadas sociais existe um respeito pelas tradições do povo, e é comum ver-se uma moça diplomada em escola superior de musica executar uma tipica musica Bantu logo após ter concluido os acordes de uma sinfonia de Bethoven.
"No Brasil, parece que existe um conceito de que o popular é 'feio'. Mas nas nações africana é comum ver os medicos, engenheiros e diversas pessoas com instrução superior perfeitamente integrados num circulo de dança primitiva".


Conceito

O dia-a-dia brasileiro, segundo o escritor, limitou bastante o sentido da palavra folclore. Isto porque não existe apenas a "musica folclorica" ou a "dança folclorica", mas sim o folclore em si mesmo: as pragas, as obscenidades, as conversas, as cantigas, os diferentes tipos de linguajar, a pesca de jangada, a dormida na rede. Isto tudo faz parte de um conjunto que, no seu entender, dificilmente pode ser analisado qualquer de seus aspectos isoladamente.
O primeiro artigo de Luís da Camara Cascudo foi publicado num jornal de seu pai, em Natal, e tinha por titulo "A Mulher na Literatura Brasileira".

O homem

Explicando quem era o homem Luís da Camara Cascudo, seu filho Fernando esclareceu que ele acorda cedo, fuma de 15 a 20 charutos por dia, só recebe visitas vestindo paletó de pijama, é iniciado em Teoria Musical e Direito Canonico, toca piano, reza diariamente e traz sempre um terço consigo, mas vai pouco à missa. Detesta formalismo e é comedor nº 1 de sorvetes no Rio Grande do Norte.
Depois de relatar a cronologia de suas obras e revelar que o "Dicionario de Folclore" só surgiu a partir de uma solicitação de Augusto Mayer, que se interessou pelos apontamentos que elaborara para auxiliar o trabalho, Luís da Camara Cascudo encerrou seu depoimento com outra expressão bem humorada:
"Pois é, meus filhos: gosto muito do Brasil. Aqui não tem ladrão, não tem especulação, não tem nada disso. Não é verdade, mas é bem gostoso".

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