CANÇÕES DE PROTESTO DE BOB DYLAN ENSINAM OS JOVENS A TER ALMA


Publicado na Folha de S.Paulo, segunda-feira, 16 de maio de 1966

Neste texto foi mantida a grafia original

NOVA YORK, maio - Fenomeno como este, no mundo da musica ligeira, não ocorre há dez anos, desde que o publico corria para comprar os discos dos "Platters". O que está ocorrendo com as gravações de Bob Dylan, o jovem norte-americano que escreve e compõe a letra e a musica de canções de protesto, inspirando-se no folclore norte-americano, é algo semelhante ao que se verificou com aquelas gravações. Fazer um retrato de Bob Dylan é dificil. Em uma de suas canções ele diz:
- "Meu nome não quer dizer nada. Minha idade não tem importancia. A região de onde venho é o Middle West, mas minha terra tem Deus de seu lado."
Mas há algumas indicações em seu livro autobiografico, intitulado "My Life in a Stolen Minute" ("Minha vida num minuto roubado"), pelo qual ficamos sabendo que Bob nasceu a 24 de maio de 1941 no Minnesota, mas viveu sua infancia numa cidade mineira perto da fronteira do Canadá.
Fugiu de cada quando tinha 10 anos. Capturado, fugiu novamente aos 12, aos 14, aos 15, aos 17 e aos 18. Durante suas fugas, vagava pelas cidades, levando sempre uma guitarra. Quando ficava em casa, estudava regularmente e conseguiu mesmo matricular-se na Universidade. Mas logo voltou à rua e às estradas.

Os «beatniks»

A sua ultima fuga tornou-se uma peregrinação ao lado dos «beatniks» e entre os cultores do canto popular. Em cada uma das cidades, procurava os trovadores populares e pesquisava o "rhythm and blues" e as musicas de vanguarda da juventude "beatnik".
Aos 20 anos, já cantara em quase todos os grandes centros do país e então gravou seu primeiro disco, intitulado simplesmente "Bob Dylan". O sucesso foi fantastico, reclamando logo a atenção dos criticos, e assim nasceu o "caso Dylan".
Nas canções gravadas, ele protestava contra a guerra, na forma como ouvia de seus companheiros de ruas e estradas. Uma das canções suas mais famosas diz:
"A cavalaria lançou-se contra os índios/ Os índios foram mortos/ e o pais era feliz/ porque Deus estava de seu lado./ Depois veio a guerra mundial/ e jamais se soube porquê/ mas Deus ainda estava de nosso lado./ Depois veio a segunda guerra/ e os alemães mataram milhões de pessoas./ Mas nós agora somos amigos dos alemães/ porque Deus está do lado deles./ E agora vamos para outra guerra,/ pois Deus está de nosso lado".

Escandalo

Explodiu um escandalo, porque Dylan fazia divulgar as idéias dos "beatniks" e dos chamados "subversivos" entre os "teenagers", isto é, entre a juventude dos 13 anos 19 anos que ama cantar ao ritmo do iê-iê-iê. Os "teenagers" nos Estados Unidos formam um exercito de 24 milhões e gastam 12 bilhões de dolares por ano chegando a condicionar o mercado de certos artigos. No seio destes jovens voltados quase que só para a futilidade, Dylan penetrou com sua canções, fazendo-lhes ver que devem se rebelar contra uma sociedade condicionada. Conseguiu dividir o pais em dois, esse jovem cantor e compositor: os contra e os a favor de Dylan. Os contra dizem apenas: "E' um louco".
Mas ocorre que em 1964 ele gravou cinco discos de uma só vez, que alcançaram os primeiros lugares na vendagem. E suas canções são interpretadas por gente como Marlene Dietrich, Peter, Paul & Mary, o trio Kingston e outros. E atualmente seus discos invadem a Europa continental e a Inglaterra.
Esse exito, como não pode deixar de ser, traz-lhe problemas. As gravadoras lhe pedem canções que não contenham mensagem socialistas ou de protesto: canções que falem de "amor", do "mar" dos "prados". Está sendo cercado pela sociedade "condicionada" que combate, e ninguem sabe se cederá ou não. Por ora, continua resistindo. Não tem automovel, vive em modesto apartamento e não se desliga dos trovadores e dos "beatniks". E continua cantando com sua voz rouca, nervosa, que mais parece um instrumento musical, canções que protestam, canções de mensagem que fazem com que a juventude norte-americana comece a racionar demais.


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