CAPOEIRA


Publicado na Folha de S. Paulo, segunda-feira, 16 de dezembro de 1974

Neste texto foi mantida a grafia original

As origens: os escravos e seus feitores

A capoeira chegou ao Brasil trazida pelos escravos africanos e foi utilizada, segundo a lenda, por esses escravos que não possuiam armas, para se defenderem dos castigos impostos pelos feitores portugueses. Os escravos armavam suas rodas nas senzalas e, na aproximação dos feitores, transformavam as lutas em espécie de danças. Alguns folcloristas apontam daí a utilização do berimbau, dos atabaques e de outros instrumentos musicais nos combates.
Há também quem atribui as origens da capoeira apenas aos escravos brasileiros. O falecido "Mestre Bimba", um dos maiores capoeiristas do Brasil também defendia essa tese, que surgiu de uma visita que fez a Africa, em 1967, para participar do Festival de Artes Negras, em Dakar, no Senegal. Ali não viu vestígios da capoeira e voltou ao Brasil afirmando que ela realmente surgiu na Bahia e em Alagoas, com os filhos de escravos.
Até hoje a capoeira respeita a tradição. No início do século sua prática era proibida pelos governantes e reprimida pela polícia. Devido a isso, os grandes capoeiras eram conhecidos por apelidos que eram usados nas rodas, para evitar possível identificação posterior por parte das autoridades. Isso existe, até hoje, não a preocupação com identificações, mas sim a tradição. Os capoeiristas, quando participam do seu primeiro jogo são rebatizados e passam a ser conhecidos por esses apelidos. Como Mestre Bimba, Mestre Pastinha, Mestre Onça, Mestre Vermelho.
A capoeira, até 1930, aproximadamente, era praticada por marginais e pessoas de classe inferior. Foi quando Mestre Bimba começou a ensiná-la para universitários, sendo introduzida na sociedade baiana. Em outros Estados, ela também era praticada e começou a despertar interesse como esporte.
Há vários tipos de capoeira e os mais importantes são a Angola e a Regional. Os angoleiros jogam mais no chão, com golpes rasteiros, enquanto que os regionalistas jogam em pé, com golpes mais vigorosos.
A roda é o local onde se joga capoeira. Os participantes ficam sentados num círculo, esperando o desafio. Ao som de berimbaus, atabaques, pandeiros e agogôs cantam chulas - quadras compostas - e muitas vezes cantam de improviso sobre os participantes.
Na capoeira existem golpes classificados como mortais. Nos jogos, os capoeiristas não chegam a atingir o adversário. No campeonato eles contam pontos baseados nos seus efeitos imaginários. Os mortais desclassificam o adversário, enquanto os outros contam ponto, até um limite que aponta o vencedor.
Um trabalho de Edson Carneiro para a Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro, do MEC, conta uma breve história da capoeira. Nesse trabalho, Edison aponta a capoeira como um jogo de destreza, que teve a sua origem em Angola. Uma luta muito valiosa na defesa de fato ou de direito da liberdade do negro. Mas a repressão policial e as novas condições sociais desde o início do século, a transformaram num jogo, num combate singular, onde se demonstrava a capacidade de ataque e defesa, sem efetivamente atingir o adversário. O nome do jogo vem do mato, para onde os escravos fugiam ("Ele foi para a capoeira").
No tempo do império, a capoeira também foi perseguida, no Rio de Janeiro. Na época os capoeiristas eram verdadeiros marginais que preocupam os vice-reis. Esses marginais acabavam com as festas e colocavam a polícia para correr. Tudo isso empregando apenas a agilidade muscular, e, às vezes, facas e porretes.
Houve desterro e castigos corporais para os capoeiristas, como aconteceu com Juca Reis e Manduca da Praia, enviados para a Ilha de Fernando de Noronha. Mesmo assim, os jogos continuaram a ser praticados no Rio. Até da Guerra do Paraguai participaram os capoeiras, com muitos baianos incorporados a força dos "Voluntários da Pátria".
No começo do século XX, com a transformação do jogo, surgiram inúmeros estilos de capoeira, como o de Angola, manhoso, falso e calculado, quase coreográfico, o de São Bento e o Regional, este com golpes rápidos, contínuos e violentos.
Nos combates, os capoeiristas ficam em torno da roda. Entram no jogo fazendo uma volta completa na roda, girando ao som das chulas. O que está na frente inicia o jogo com o primeiro golpe. As mãos são pouco usadas, servindo-se delas os capoeiristas apenas para conseguir mais apoio, enquanto que os golpes, na sua maioria, são dados com os pés. De início, apenas para experimentar a guarda do adversário.
Os golpes podem ser desequilibrantes, como a rasteira, a banda de corte, tesoura, banda trançada e outros. Também podem ser traumatizantes como o martelo, a meia lua do compasso ou rabo de arraia, armada, queixada, esporão, cabeçada e outros, alguns deles mortais quando bem aplicados.
O combate parte da ginga, onde o capoeirista mostra as suas qualidades. Flexiona o corpo, apoia as mãos no chão, faz uma circunferência no ar, com os pés e volta à posição ereta, dois metros depois, dando o golpe chamado Aú, sempre ao som dos berimbaus e atabaques.
"A capoeira não existe sem o acompanhamento dos berimbaus. Ele é que dita o ritmo de combate, dá inspiração para a criatividade. Se tirarem o berimbau, a capoeira sai com ele", diz Augusto Lopes, Mestre Angó, do Grupo Senzala, um dos melhores de capoeira no Rio.
"Sem berimbau não há capoeira. Vão lançar a tese do fim do berimbau no jogo, mas eu não a aceito. E acho que comigo estão os grandes capoeiristas, como Mestre Onça, de São Paulo, Mestre Ezequiel, da Bahia e muitos outros. O berimbau é parte do jogo", afirma.


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