VILLEGAIGNON
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Publicado
na Folha da Manhã, terça- feira, 14 de novembro de
1944
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Neste texto foi mantida a grafia original
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A folhinha é o recurso externo dos cronistas nos dias em que
escasseiam os assuntos inócuos. Os outros nunca faltam, mas
não são próprios para dêles se discorrer
na imprensa. A boa educação proibe que a gente pragueje
em público. Há pouco, por êsse motivo aqui mesmo
comentei o papel que o mês de Novembro desempenha nos fatos
da história nacional. Deixei entretanto de mencionar entre
aqueles efemérides, por um lapso, uma data memorável.
É a que agora, quando em busca de inspiração
esquiva deito os olhos à folhinha, esta me atira à face:
10 de Novembro.
Na história do Brasil, ou pelo menos nos anais desta leal cidade
de São Sebastião do Rio de Janeiro - cujo passado em
horas de caprichosa curiosidade gosto de investigar - esta data tem
lugar de relevo, marcando um acontecimento de largas e ponderosas
consequências.
A 10 de Novembro de 1555 entrava na baia de Guanabara uma expedição
de conquista sob o comando do cavaleiro de Malta Nicolau Durand de
Villegaignon com o proposito de fundar nestas plagas, então
selvagens, um império que se chamaria França Antártica.
Isso é que se lê em qualquer compendio elementar de historia
patria para uso das escolas primarias.
Nicolau Durand, "sieur" de Villegaignon, foi assim o primeiro
da série numerosa de aventureiros que em épocas diversas
e por diversas formas, tem tentado, ou realizado a conquista deste
Rio de Janeiro fascinante e sedutor.
A ereção do forte Coligny na ilha a que Villegaignon
legou o nome; o sonho ambicioso da França Antártica;
a visão formosa da Henryville em cujo lugar havia de se erguer
a cidade dos Sás; as disputas teológicas com os protestantes;
a vinda de Bois-le-Comte e o afastamento de Villegaignon: a reconquista
pelos portugueses; todos estes são fatos familiares a quantos
tenham noção sumaria da historia do Brasil. Mas quem
era Villegaignon? - Nas páginas da nossa história êle
passa, rápido e fugaz, como um meteoro, vindo não se
sabe donde, desaparecendo não se sabe onde.
O personagem merece um pouco mais de interesse da nossa parte e a
sua existencia agitada e tumultuosa não deveria permanecer
na situação que hoje de simples obscuro por onde, às
vezes, se perde a curiosidade dum ou outro estudioso. Não cabe
nem no escopo, nem no espaço destas Notas, resumir o alentado
volume que Heulard consagrou à personalidade interessantissima
dêsse Cavaleiro de Malta irrequieto e temerário. Aqui
apenas indicarei, à falta doutro tema mais interessante, alguns
pontos salientes dessa vida na esperança de despertar para
ela a curiosidade dalgum leitor pachorrento.
Villegaignon é, no século 16, um dos últimos
representantes dêsses aventureiros e romanescos cujas figuras
seduzem a imaginação. Fidalgote de provincia, foi diplomata,
foi escritor elegante e de mérito foi guerreiro, foi pirata,
foi teólogo e foi homem de Côrte. Acompanhou Carlos V
na malfadada expedição de Alger, de que deixou minuciosa
narrativa, fonte a que recorrem os historiadores: anos depois, numa
expedição de incrivel audácia, raptava de Dumbarton,
na Escócia, a rainha menina Maria Stuart, para trazê-la
a terras de França; tomou parte na guerra da Escocia e logo
depois estava no Mediterrâneo a combater o Turco; foi um dos
defensores de Malta ao lado dos seus companheiros da Ordem. Já
naquela época, há quatrocentos anos, a pequena ilha
heróica era o teatro em que se escreviam páginas de
glória. Vamos encontrar depois o cavaleiro de Villegaignon
na Hungria a combater os muçulmanos e em Veneza a intrigar,
como diplomata. De lá foi chamado à França para
defender Brest contra os inglêses. A aventura brasileira da
França Antártica que em seguida imaginou e tentou realizar
foi apenas um episodio nessa existencia convulsa e febril. De volta
à França inicia as famosas polemicas com os calvinistas.
Combate ainda na defesa de Sena e recolher-se por fim, para morrer,
à "comanderie" da Ordem, em Beauvais, onde está
sepultado.
Essa é, a largos traços, a vida do homem cuja figura
é evocada pela efeméride que a folhinha me atira aos
olhos nesta manhã cinzenta da falta de assunto. Daria um magnifico
herói para romance de capa e espada, não daria?
V.Cy.
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