BARBARELLA, DESAFIO AO MUNDO
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Publicado
na Folha de S.Paulo, segunda-feira, 14 de agosto de 1967
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Neste texto foi mantida a grafia original
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Até Freud teria problemas para explicar ao mundo como é
Barbarella, personagem de historias em quadrinhos que hoje, alem de
famosa na França, onde nasceu, é tambem muito conhecida
e apreciada nos Estados Unidos e Grã-Bretanha. Os franceses
dizem de cabeça erguida: "Barbarella é um misto
da Jane, companheira de Tarzã, de Modestu Blaise, a agente
secreta, é o verdadeiro James Bond de saias." Eles se
orgulham de ver nos jornais as aventuras dessa misteriosa mulher que
põe em panico a população masculina das galaxias,
pois vive no seculo 21.
Barbarella surgiu na França em 1962, criada por Jean-Claude
Forest, jovem de 28 anos. Sua publicação foi proibida,
madame De Gaulle não gostou do tipo desalinhado da personagem.
Mas em qualquer outro país da Europa se pode comprar as revistas
que trazem suas aventuras. Barbarella, agora já é uma
questão de atualização: quem não a lê
não está "por dentro".
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Beleza
desinibida |
A heroina criada por Forest é, antes de tudo, uma mulher escandalosamente
linda e completamente desinibida. Loira, pernas longas, corpo fino,
seios firmes, olhos inquietos, boca sensualíssima, cabeleira
sempre em desalinho esparramada sobre o ombro e os olhos. Fisicamente
por ser considerada como a Venus do nosso tempo: imediatista, sensorial,
intuitiva, amoral. Pode ser tomada como um simbolo do seculo na medida
em que a mulher pretende ser total, um ser com autonomia para decidir
tudo a seu modo, independente, criador, não escravo. Na realidade,
é um desafio que intimida. Seus principios basicos são
as causas do seu sucesso. Para ela, o sexo deve ser mais efetivo:
a roupa existe fundamentalmente para ser tirada; a roupa intima é
coisa obsoleta; não é preciso ser humano, porque os
robôs tambem se entusiasmam para ver a graça que o sexo
fragil tem.
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No
cinema |
Roger Vadim é um diretor de cinema que nunca se preocupa com
o que possam pensar os outros quando coloca, em seus filmes, mulheres
sensuais com pouca roupa, ou mesmo nuas. Sua ultima obra, "La
Curée", baseada no romance de Emile Zola, ainda não
foi exibida para nós, brasileiros, porque a censura achou indecente
Jane Fonda nua, em cenas de amor com o jovem Peter McEnery, o herói.
Enquanto a censura brasileira insiste em fazer cortes no filme, porque
não sabe onde termina a defesa da moral e dos bons costumes
e onde começa o ataque aos valores da civilização,
Vadim está despreocupado em Paris e diz: "O homem e a
mulher, nus, foram criados por Deus. A sociedade foi quem inventou
as roupas. Prefiro ficar com Deus." E anuncia que vai iniciar
"Barbarella", um filme sobre a personagem das historias
em quadrinhos que revoluciona a Europa.
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Laurentiis-Vadim |
Quem pensou rapido foi Dino De Laurentiis. Ele enxerga longe e, assim
que Barbarella surgiu, já tinha a idéia de fazer um
filme sobre a mulher cuja plataforma de vida é um desafio ao
mundo moderno. A personagem não fugiu à regra: desde
que nasce um novo "comic-trip" o cinema está em cima,
de olho. Laurentiis levantou muito dinheiro, arrumou sua equipe, contratou
Richard Fletcher como diretor e queria Ira de Furstenberg para o papel.
Uma aristocrata liberalizada tal qual Soraya, que lançara no
cinema anteriormente. Ira integrou-se bem na nova tendencia e biquini
não lhe faz medo. Mas, não se sabe até hoje quais
as razões, ela não aceitou ser a Barbarella no cinema.
Laurentiis pensou em outras, mas os tipos não convenceram.
Insistiu com Ira, mas o liberalismo da nobreza, que é crescente,
ainda não vai tão longe para que ela se lançasse
na era espacial como Barbarella. Apesar de poder opinar livremente,
hoje - há dez anos seria proibida - sobre racismo, subdesenvolvimento
e guerra no Vietnã, Ira não aceitou.
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A
única |
Laurentiis foi mais longe. Em Chelsea uma criatura belissima chamada
Jean Shrimpton, loira de olhos verdes e ombros à egipcia, era,
na opinião de Claude Forest, a única mulher no mundo
capaz de encarnar a agressiva sensualista. Jean surgira há
dois anos e meio como modelo fotográfico - hoje já está
no cinema - e não sofria as restrições de antecedentes
nobiliarquicos. Teria de ser ela ou então o filme naufragaria
nos esboços. Mas, para espanto de todos, principalmente de
Laurentiis, Shrimpton desistiu. Dizem que ela leu varias revistas
de Barbarella e não se deu com o tipo. Nem com os principios
basicos que norteiam sua existencia. Não restava mais nada.
O produtor consultou uma lista enorme de estrelas famosas, outras
menos conhecidas. Já começava a desistir quando o dedo,
percorrendo a lista, parou sobre um nome: Jane Fonda. Foi imediato
seu reflexo: "Chamo Roger Vadim para dirigir e Jane, sua mulher,
vai aceitar o papel".
O plano de Laurentiis deu certo. Vadim começa o filme este
mês e não há quem diga que a Jane Fonda faltem
qualidades. Corpo fino, vasta cabeleira, um pouco mais alinhada que
Barbarella, olhos grandes e inquietos, frios como os do pai, pernas
longas. Antes de tudo, um manequim desembonecado.
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Previsão |
O leitor dos quadrinhos ou o espectador que se prepara para ver o
filme de Vadim tem varias saidas: pode discutir sobre a figura feminina
que voa, persegue os homens, é desinibida; pode tirar conclusões
sobre se Barbarella tem a cara de Bardot e o seu corpo. Alguns afirmam
que Forest inspirou-se em Brigitte para criar a heroina. E pode rir,
porque os textos das historias são comicos. Quem os cria é
Eric Losfeld, inventivo e com muito senso de humor, um dos segredos
de Barbarella.
Prever o que será o filme antes de Vadim dar a primeira volta
na manivela é quase impossivel. Sabe-se que o roteiro tem trechos
sensacionais e muitos personagens. Barbarella vai usar objetos do
seculo 21, tais como a maquina do amor letal, uma especie de fauno
eletronico diante do qual o proprio Casanova se sentiria insignificante.
Mas para Barbarella essa e as outras maquinas não significam
nada. Ela é mais que tudo e sua arma principal, além
do corpo, é o sorriso. Porque o sorriso é a linguagem
mais comunicativa do mundo e o mundo de Barbarella é muito
engraçado.
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