"ASPECTOS BIOLOGICOS DA IMMIGRAÇÃO E COLONIZAÇÃO DO BRASIL"


Foi esse o thema abordado pelo dr. Josué de Castro, em conferencia realizada hontem no Trocadero - Alguns acertos e erros da administração publica ao tratar do importante problema

Publicado na Folha da Manhã, quarta-feira, 13 de julho de 1938

Neste texto foi mantida a grafia original

O dr. Josué de Castro, a convite do Centro de Estudos de Problemas Brasileiros, preferiu hontem uma longa e interessante conferência sobre "Aspectos biologicos da immigração e da colonização do Brasil". A palestra se realizou no salão de conferencias do Departamento de Cultura da Municipalidade, no Trocadero, registrando a presença de culta e selecta assistencia, na qual se contavam professores de nossa Universidade, intellectuaes conhecidos, jornalistas, etc.
Presidiu a reunião o sr. Salvio de Azevedo, presidente do Centro de Estudos de Problemas Brasileiros e chefe da Secção de Colonização da Directoria de Terras, Colonização e Immigração da Secretatia da Agricultura, tendo feito, também, a apresentação do conferencista, que é professor da Universidade do Distrito Federal, onde rege a cadeira de Anthropologia. A mesa que presidiu os trabalhos tomaram lugar, também, os srs. Spencer Vampré, director da Faculdade de Direito; Francisco Pati, director do Departamento de Cultura e varios professores da Universidade de S. Paulo.

A conferencia

Iniciando sua palestra, o dr. Josué de Castro frisou a importancia das questões de que se occupa o Centro de Estudos de Problemas Brasileiros, o que demonstrava ao vibrante contraste existente entre o homem de hoje e o do fim do patriarchalismo brasileiro. Enquanto este era um sonhador, fugindo para a Europa alimentando-se de sua civilização e vivendo "impregnado de uma cultura de que não era possuidor" o homem de hoje sabia dizer francamente quaes eram as suas falhas e procurar um meio de corrigil-as. Para quem attenta à importancia que tem o elemento humano como factor de modificação da face da terra, como seu agente modelador, o contraste entre os dois typos era flagrante; os dois retratos que se podiam fazer do Brasil, um do fim do patriarchalismo e outro de hoje, mostravam bem, à evidencia, a sua affirmativa. Collaborando com o Centro de Estudos de Problemas Brasileiros é que vinha apresentar o seu estudo sobre a immigração e colonização no Brasil.
Passando a encarar o problema do povoamento, disse que o mesmo é, indiscutivelmente, um dos problemas basicos do paiz. Reagindo contra um estado de coisas anteriormente predominante, o mundo hoje passa a cuidar com mais interesse do homem em vez de se preocupar exclusivamente com a produção. Dahi o apparecimento da Geographia Humana, que estuda a differença da acção humana e da acção physica na modificação da paisagem natural. Hoje, todos os paizes procuram intensificar sua densidade demographica e quanto a isto a nossa posição é má, pois que vamos de um mínimo de 0 e 0,5 a 200 no maximo por kilometro, enquanto muitos paizes da Europa possuem uma população de mil e mil e quinhentos habitantes por kilometro quadrado.
A solução do problema, basico para nós, seria dada pela immigração, pois seria um absurdo esperar-se o povoamento do Brasil exclusivamente pela reprodução do elemento humano aqui fixado. É necessaria povoar e para povoar, imprescindivel se torna a immigração, em massa. Devemos incorporar o brasileiro à civilização occidental, para evitar que a civilização occidental, em seu movimento expansionista, incorpore a si o Brasil.
Abordou, depois o conferencista a questão da localização do immigrante, discorrendo sobre as primeiras tentativas levadas a effeito nesse sentido.
Em nosso caso, devido ao facto da immigração se fazer de zonas frias para o tropico, o problema se confunde com o da tropicalização do homem. Trata, então, da capacidade de adaptação dos povos mediterraneos como colonizadores, attribuindo o facto à sua capacidade de voltar mais facilmente a uma cultura primitiva. "Quando o portuguez e o italiano vêm para os tropicos, vêm para casa de parentes"... assevera. Estuda, proseguindo, alguns aspectos biologicos da immigração, a influencia do meio, directa e indirectamente, sobre o homem e a extensão da acção do homem quanto ao meio natural. Combate o mytho da raça pura, dessenvolvendo argumentação longa sobre o problema. Trata do valor da mestiçagem, na colonização, dizendo que elle é o melhor meio de possibilitar o povoamento effectivo do paiz. Após citar casos de colonização em que o elemento autochtone desappareceu completamente em nada contribuindo para a formação de uma civilização nova, como na Australia, no Chile, no Peru, na Bolivia, etc.. Affirma que na America, só tres paizes realizam uma obra verdadeiramente nova: os Estados Unidos, o Mexico e o Brasil.

Alguns acertos e erros da administração publica ao tratar do importante problema

Terminando sua conferencia passa a estudar alguns casos concretos da immigração e colonização no Brasil, apontando alguns acertos e erros da administração publica ao tratar do importante problema. A limitação de immigrantes só pode ser admitida como media temporaria, sendo um absurdo acceitar-se esse criterio de uma maneira definitiva. Deixando de analysar os motivos da administração ao seguir tal caminho, passa a falar nos inconvenientes das migrações internas; não fixação do colono nacional, falta de adaptação para o meio a que se destina, prejuízos da politica até hoje seguida de cuidar-se mais da produção que da colonização, etc., etc.. Em resumo, as quotas fixadas são um máu arranjo. "Podia-se arranjar um arranjo melhor" commenta o orador.
São Paulo, felizmente, tem cuidado do problema com alguns acertos e isso se deve às seguintes causas: 1°) Aqui se deu a primeira conquista do planalto; 2°) A monocultura, em São Paulo, foi sempre muito relativa, pois ao lado do café, o paulista sempre soube desenvolver outras culturas.
Ao par do acerto com que tem resolvido, em parte, o problema, ha em São Paulo, um defeito que precisa ser corrigido: o de deixar-se campo muito amplo à iniciativa particular, cujo interesse é apenas a exploração momentanea do homem (accorrer a zonas em que ha falta de braços) e não a sua fixação á terra. Passando a falar em sua visita ao Nucleo Barão de Antonina, criticou, também, a maneira como se vem cuidando do problema alimentar, uma das questões fundamentaes no caso da colonização. A deficiencia de alimentos racional é amplamente comprovada pela existencia de innumeras molestias, caracteristicas da sub-alimentação. Este um outro aspecto do problema que precisava ser resolvido em São Paulo.
E encerrou sua carreira exhortando-nos a collaborar na formação de um retrato do Brasil "que esteja à altura da paizagem brasileira, quando os pioneiros da civilização começaram a devassal-a".
A seguir a reunião foi encerrada.

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