Acho que a melhor maneira de fotografar Dylan é antecipar
a foto e não ficar forçando uma. Fotos estão
sempre surgindo e aparecendo ao mesmo tempo, de um modo natural
no ambiente que se vive e no curso dos acontecimentos. Se o fotógrafo
consegue antecipar as ações e as reações
do sujeito que está fotografando, além dos seus movimentos,
ele tem todos esses elementos diante da camara para fazer a foto.
Quando as fotos são feitas assim, quase sempre ficam melhores
que a variedade de poses - elas são mais verdadeiras, com
certeza. Quem falou isso foi Daniel Kramer, em 67, depois que passou
um ano e meio fotografando Dylan.
Estão acontecendo alguns fatos hoje em dia que deixam a cabeça
de muitas pessoas em crise. Esses fatos fazem essas pessoas duvidar
que existe uma cultura da reflexão dos anos 60 em diante,
como se a única maneira de ver a vida fosse através
da prática. Mas uma coisa não existe mais sem a outra.
O que confunde é que, às vezes, as pessoas na sua
violenta urgência de viver se tornam ansiosas e inúteis,
então sentem-se culpadas quando pensam somente na teoria.
E se alguém faz do pensamento e da ação uma
coisa única chamado modo-de-viver, passa a ser considerado
mais culpado. Ou louco, pelos mais cultos. Por exemplo, a tentativa
de mostrar numa canção toda uma série de fatos
que estão acontecendo ao nosso lado no dia a dia. Tentando
deixar também claro que na história que está
acontecendo (ou fazendo), quando não muda o objeto da indagação,
mudam os métodos que o autor usa para interpretar sua pergunta.
E procurando chegar por sua própria experiência não
a um modo de ver ou interpretar a vida - mas, se usando, alcançar
um novo modo de vida mais justo e mais livre.
Talvez, a visão da possibilidade de uma nova relação
na vida tenha sido antecipada por esta forma teórica e prática
de pensar. E, se hoje, uma pessoa consegue sentir uma sociedade
diferente, esta sociedade foi antecipada. Pelo modo como isso se
manifestou em outras pessoas que usaram a capacidade que tinham
(no caso aqui de escrever canções) para contar o que
estavam sentindo ou vendo.
E compreender uma pessoa dentro do tempo em que ela vive é
a mais profunda experiência que se pode tentar. Com suas palavras,
ele consegui delinear as experiências de uma geração
inteira e compreende-la a partir dele mesmo. E é bem provável
que por causa disso Bob Dylan não aceitou ser líder
de coisa alguma, ou como ele mesmo diz, preocupado em deixar claro
que não é nada de tão novo assim - abra os
olhos e os ouvidos e você será influenciado, não
há nada que possa fazer a esse respeito... as respostas estão
vindo com o vento... eu simplesmente uso as coisas que vão
acontecendo no meu caminho e jogo para fora.
Todos nós estamos vivendo dentro de um mundo onde a sensibilidade
chama atenção porque assusta a rotina das pessoas:
a maioria delas se amedronta com a menor manifestação
de inteligência que surge em qualquer campo. Parece que só
pode se esperar de outra pessoa é que ela não dê
trabalho, que faça alguma coisa que não nos obrigue
a pensar. Usar a cabeça é somente um modo de falar.
Mas paralela a essa maneira silenciosa de ver as coisas, sempre
existiu o barulho que uma consciência faz. Principalmente
quando descobre que a autoridade que a maioria obedece é
a mesma que essa maioria, ao mesmo tempo, não respeita em
nenhum nível.
Uma consciência perturba muita gente pelo fato de perguntar
se algum de nós tem alguma coisa nova para mostrar - incomoda
ouvir alguém dizer que o trabalho que fazemos também
é desprezado até por quem nos paga para fazê-lo.
A consciência que Dylan coloca no que fala não fica
se justificando, como forma de insegurança. Ela pede para
ser desmentida insinuando que muitas cabeças seriam explodidas
se fosse descoberto algum dos sonhos que passam por dentro delas.
"Mas está tudo bem, mãe. Isso é a vida,
somente a vida". "Não se está ocupado nascendo.
Se está ocupado morrendo".
Bob Dylan não tem como base uma filosofia que ele aprendeu
primeiro na teoria e usou depois na prática para responder
a todas suas perguntas, no lugar disso ele possui sentidos, uma
coisa mais simples e real porque todo mundo já nasce com
cinco.
Ele prefere o individualismo enquanto for o caminho que cada pessoa
possa ser para encontrar o seu destino. O que não pode ser
admitido pela sua cabeça é a uniformização.
Além da pessoa o problema, maior está nos processos
de submissão, de estandardização que cada individuo
escolhe: só porque tem alguma consciência que faz parte
de um rebanho o homem se sente menos culpado. E aceita, pelo menos,
a proposta mais alta para fazer parte dêle.
É um modo de pensar sofisticado ter como base o individualismo,
mas é uma tentativa de se manter em pé. Como o individuo
que se descobre e por causa disso escolhe seu proprio caminho.
Cada pessoa usa as ferramentas que sabe manejar para satisfazer
a sua sensibilidade (ou a dos outros), que pode ser uma casa ou
uma canção. Dylan usa as que conhece para construir
a imagem do seu mundo:
Daniel Kramer quando cumprimentou Dylan pela primeira vez,
notou uma coisa engraçada ... nós apertamos
as mãos, e achei estranho como seu aperto era delicado. A
sensação que ele projeta na tv é uma sensação
forte. Seu aperto de mão suave parece uma coisa que não
tem nada a ver com ele.
A voz de Bob Dylan parece que vem das montanhas, soa como
velha no sentido de vivida. As vezes é mais um lamento um
pouco rouco, modificado de vez em quando pelo barulho da garganta.
É uma voz enferrujada e sem cuidados. Pode soar aborrecida
mas sem o som de uma queixa. E quase nunca murmura. Se acredita
nela porque não tem um tom profissional. Talvez uma pessoa
com essa voz nunca pudesse ser um cantor. Mas ela facilita as coisas
quando não se gosta dela, porque se fica procurando alguma
coisa a mais. Então se passa a prestar mais atenção
no que a voz está dizendo.
Ele se acompanha com um violão, que ele usa muito
mais do que toca, no sentido convencional do termo. Seus arranhões
nas cordas são para ajudar a deixar claro o que está
dizendo naquele momento na canção.
Quando sopra a gaita, o som fica diferente, como se fosse
mais um modo de sentir que aparece na música. Algumas vezes
para mostrar um tipo de tristeza ou uma alegria do tipo relaxada.
E muitas vezes o sentimento novo que a gaita vem trazendo aos poucos
parece mais ternura ou tranquilidade.
Se a arte reflete a realidade, ela a reflete com muita antecipação.
E não há antecipação que não
contribua de alguma maneira para provocar o aparecimento daquilo
que anuncia.
A antecipação só tem compromisso com o talento.
A primeira coisa que o artista que sabe que na frente dos outros
mostra é que ele não se preocupa com isso. O seu talento
lhe dá uma certeza: a certeza de que sempre existe uma idéia
melhor.
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