AMORES CELEBRES
ALEXANDRE DUMAS E MARIA DUPLESSIS
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Publicado
na Folha da Manhã, domingo, 10 de maio de 1953
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Neste texto foi mantida a grafia original
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ALEXANDRE DUMAS, FILHO - Escritor francês, nascido
em Paris, começou escrevendo novelas e terminou por dedicar-se
exclusivamente ao teatro, tendo apresentado obras habilmente arquitetadas,
que têm frequentemente uma finalidade moralizadora, como a
"Dama das Camélias", "Meio Mundo" e outras
(1824-1895).
A "Dama das Camélias", esse livro que teve a virtude
de fazer chorar várias gerações, resiste aos
embates do tempo porque se inspirou num fato real protagonizado
por seu autor.
Alexandre Dumas (filho) sofreu em vida por algo de que não
era responsavel. Seu pai, o lido novelista dos "Três
Mosqueteiros" e tantas obras que inundaram o mundo em edições
sucessivas, levou uma vida bastante livre e, fruto de uma de suas
aventuras amorosas, nasceu um filho a quem reconheceu, devendo ocultar,
por causa do seu estado civil, o nome da mãe.
A circunstancia de ser filho natural do grande escritor, fez com
que Alexandre Dumas suportasse, durante a vida inteira, uma especie
de humilhação espiritual que o impeliu a reagir contra
os costumes e a ordem da burguesia.
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Depois
da meia-noite
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Era orgulhoso, afoito, brilhante na conversa e com frequencia, violento.
Em plena juventude vivia dissipadamente sem ligar ao escandalo,
exatamente o escandalo de que provinha.
Aos 25 anos sentia-se meio dono do mundo ou pelo menos de Paris.
Não era sem motivo que o nome de seu avô, o general
Dumas, estava inscrito no Arco do Triunfo. Fizera algumas tentativas
literarias que de tais não passaram, mas até o momento
era sua maior ocupação perseguir as mulheres cujo
interesse não tardava em despertar, pelo seu fisico privilegiado
e os olhos intensamente negros.
Era muito parecido com o pai, sobretudo na corpulencia, diferençando-se
pela cor da pele. Com efeito, o autor de "Vinte Anos Depois"
tinha tez escura, ao passo que o filho ostentava um rosto suavemente
palido, de ligeira tonalidade fosca.
Corria o ano de 1844. O teatro de "Variétés"
oferecia seus numeros de pouca seriedade, como sempre, aos que desejassem
entrar no seu recinto, principalmente depois de meia-noite.
Dumas chegou ao teatro em companhia de alguns amigos dispostos a
festejar a habilidade dos comicos. No entanto, apenas entrou, o
cenario se lhe tornou coisa secundaria. Ficara extasiado na contemplação
de uma mulher que ocupava um dos camarotes do proscenio.
Aproximando-se de um dos seus companheiros, disse:
-"Pierre, sabes quem é aquela mulher?"
-"Qual?"
-"A do camarote. Aquela que ostenta uma camelia no peito."
-"Como não conhecê-la, se toda Paris lhe sabe
o nome!"
-"Então, falaremos depois; por enquanto continuarei
a recrear meus olhos."
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A
dama das camelias
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Durante o tempo que faltava para concluir a sessão, Dumas
não apartou os olhos da jovem. Chamava-lhe a atenção
o perfil gracioso, quase aereo, que a dava a impressão de
extrema fragilidade. Dir-se-ia que para acariciá-lo seria
necessario possuir mãos de espuma. Alem disso, seus olhos,
dramaticamente negros, brilhavam com um toque febril anunciador
da paixão.
O conjunto de delicadeza celestial e assomos de ardor teve o poder
de cativar Alexandre. E assim foi que, pouco tempo mais tarde, num
desses cafés da madrugada, tão propicios a confidencias,
os notambulos se ocupavam com a dama das camelias.
-"Chama-se Maria Duplessis" - indicou um deles.
-"Dizem que foi trazida a Paris por um irlandês, que
evidentemente entendia de mulheres."
-"Mas que poderia fazer para vê-la" - perguntou
Dumas, cada vez mais interessado na pessoa de Maria.
Um homem jovem, de vasta cabeleira e suiças alentadas, palido
e de olheiras, aproximou o rosto da mesa e disse:
-"Por cem francos, soma que preciso para comprar tela, pincéis
e tintas, eu lhe darei a chave."
Todos riram. Dumas tirou a carteira, nutrida com generosidade pelo
pai, e apresentou a soma requerida. Depois, o pintor explanou:
-"Se às seis da tarde deres um passeio pelo "Bois
de Boulogne", poderás vê-la. Seu coche é
um dos mais formosos. E parece que ela teve um pequeno capricho.
Está forrado de setim vermelho, côr de sangue."
Alexandre não precisou de mais dados para tentar a conquista.
Nem mais estrondoso pôde ser o exito que obteve. Pouco tempo
depois, Maria Duplessis mudava de apartamento e deixava os passeios
de coche pelas douradas alamedas do bosque aristocratico.
Dumas a envolvera com sua paixão. Era cruel, ardente, contraditorio,
terno e injusto. Maria ficara maravilhada em face daquele fomem
que tinha do amor uma concepção absoluta e ardente.
Assim é que, nos primeiros tempos da união, foi imensamente
feliz e, eis o mais estranho, se enamorou de Dumas.
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Mãos
de jardineira
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Entretanto, algo lhe faltava em companhia de Dumas. Maria Duplessis
provinha dos obscuros ateliês de costura, das lojas de fruta,
e das rudes labutas do campo. Percorria na vida um caminho aspero,
intransitado, estreito, em busca de alguma coisa que lhe vivia misteriosamente
no sangue: ansia de luxo, jóias, brilho, luzes deslumbrantes.
Não amava o dinheiro por si mesmo, e sim, nos seus efeitos,
quando manejado prodigamente. E sua beleza era tanta, que varias
fortunas cambalearam entre suas finas mãos de virgem ou floricultora.
Dumas, porem, não lhe podia dar o que procurava. Daí
nasceram o drama e o conflito. Certo dia, chegou o jovem ao apartamento
de Maria mais cedo que de costume e encontrou sobre o toucador um
custoso anel de brilhantes que acabava de chegar num estojo envolto
em papel de luxo.
-"Quem te mandou esse presente?"
-"Ninguem."
-"Era meu. Emprestei a uma amiga e é natural que mo
devolvesse."
Um dia foi o anel: noutro, um ramo de flores; noutra ocasião,
uma entrada de camarote para a Opera...
Alexandre se revolvia, furiosamente, num mundo de suspeitas. Ah!
Se soubesse com certeza que Maria o enganava!
Começaram as discussões, que geralmente se resolviam
com beijos apaixonados, juramentos, ameaças e caricias. Os
dois entraram a viver neste clima instavel dos ciumes: ela, procurando
manter seu amor e sua vida de esplendor, mesmo à custa de
infidelidades, e Dumas tentando afogar aquela paixão que
o humilhava.
A tempestade durou um ano, tempestade de amor em que o respeito
sucumbiu esmigalhado ante a ansia de posse absoluta que animava
Alexandre.
Por outra parte, Maria, em sua insaciavel sede de luxo, prodigalizava-se
de maneira perigosa demais para a saude. Nervosa, sem dormir, as
entrevistas com os amigos, as rixas, as efusões amorosas
a que se entregava, acabaram por lhe minar o organismo.
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O
manancial da dor
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Nesse interim, as coisas tinham chegado ao extremo. E, certa noite,
a mais triste e dolorosa de todas, Alexandre Dumas foi visitá-la
com uma decisão tomada:
-"Vim me despedir, Maria!"
Ela o encarou como se não pudesse acreditar, como se o fio
de ouro que os ligava não se pudesse romper jamais. Naquele
ano de tempestades, tinha-se acostumado a considerá-lo como
seu, como essencia de sua vida.
-"Não poderás dizer que me retirei ignobilmente.
Faz tempo que venho lutando contra tuas levianidades e resolvi partir
para a Espanha, a fim de não te ver mais."
-"Não, Alexandre! Não deves partir, e muito menos
agora!"
-"Inuteis, choros e suplicas. Antes, pudeste prever as consequencias
de tua infidelidade."
-"Amo-te Alexandre e, alem disso, estou doente. Se me abandonares
morrei."
Ele não lhe quis prestar ouvidos. Cego pelo ciumes, as palavras
de Maria Duplessis não conseguiram comovê-lo. Partiu
para a Espanha em procura do esquecimento e ela ficou desolada,
desesperada, tentando afogar na dissipação e no desenfreamento
sua recordação inconsolavel.
Por varias vezes foi ver amigos à procura de um endereço.
Suas cartas, porem, não obtiveram resposta. Chegou a pensar
numa viagem à Espanha, de que teve de desistir em virtude
do progresso continuo de sua enfermidade.
Todos os caminhos começaram a fechar-se diante dela. Tinha,
então, 22 anos apenas. Nessas circunstancias, aquiesceu em
casar-se com o conde de Perragaux, cedendo ao deslumbramento do
titulo nobiliario. Mas, de Alexandre, nem a menor noticia. E, dentro
do coração, aumentada pela distancia e o tempo, a
angustia minava sem cessar a ponto de lhe tornar amargos os labios
outrora apeteciveis.
Na decadencia, perdeu tudo. E assim, aquela que nos tempos de esplendor
havia brincado com a honra e fortuna dos homens, encontrou-se isolada,
abandonada pelo proprio esposo, estragada pela tisica e sem nem
sequer ter noticias do homem que se achava alem dos Pirineus.
As ultimas jóias foram examinadas com desconfiança
num monte socorro e com o pouco que decidiram dar-lhe, Maria Duplessis
conseguiu o necessario para comprar os ultimos remedios.
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Desenlace
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E o pior de tudo era que aquela criatura debil, indefesa, se sentia
aterrorizada ante a idéia da morte e se aferrava às
recordações de sua vida facil, como se não
passassem de tragica mentira os indicios de seu desaparecimento.
O ultimo que lhe conseguiu arrebatar a morte foi sua beleza, aquela
beleza irreal, transparente.
Dizem que o seu feretro percorreu o ultimo caminho escoltado por
um cortejo de homens notaveis. O ataude estava coberto de camelias,
a flor que lhe foi como um simbolo na agitada existencia.
Dumas não chegou em tempo de despedir-se dela, e os que a
assistiram nos ultimos instantes afirmaram que Maria se extingiu
com o nome de Dumas nos labios.
Quando o jovem chegou apressadamente a Paris, já era tarde.
Só por terceiros conseguiu inteirar-se da vida que Maria
tinha levado em sua ausencia. Teve testemunhas de seu carinho inquebrantavel
até o momento derradeiro e então, dominado pelo remorso,
Pôs-se a escrever, febrilmente, o seu livro: "A Dama
das Camelias", em que reivindica a memoria de Maria Duplessis
sob o nome de Margarida Gauthier.
O exito desta obra, que abrangeu a novela, o teatro e mais tarde
o cinema; o exito desta obra que as gerações têm
lido enternecidas, funda-se justamente no fato de que, por trás
do nome ficticio de Margarida Gauthier, vive o espirito de Maria
Duplessis, a cortesã devorada pela aurea sede do luxo e que,
no fundo, não passava de uma criatura desprevenida, debil
e carinhosa.
Anibal de La Vharga
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