MORRE O "GENERAL DA BANDA"


Publicado na Folha de S.Paulo, quinta-feira, 10 de fevereiro de 1983

Animados foliões de tantos carnavais, chorem. Não se ouvirá mais o anúncio: "Chegou o General da Banda êêê êêê..." Nem Deus nem São Jorge Guerreiro o perdoaram. Blecaute - ou Otávio Henrique de Oliveira, "nome de pobre", nascido a 19 de novembro, registrado a 5 de dezembro de 1919 - morreu ontem, no Rio, de hipertensão arterial.
"Eu sou...eu vivo no Carnaval." Não era carioca, mas sim do interior de São Paulo. Cresceu na capital, sem pai nem mãe, criado por tia, engraxando sapato e vendendo jornal. Transformou-se no mais impassível - e impecável - condutor deste balé ritual de todos os anos, em que o gozo e o excesso subvertem as coisas estabelecidas. Exaltava as delícias de "Maria Escandalosa", "Maria Candelária" ou "Opa Opa" ("Quanta Mulher dando Sopa") vestido de colete e calça cinza bem cortados e camisa rosa com bordados em alto-relevo.
Começou em 1942. Primeiro sucesso em 1948. Depois de 27 anos de rádio, mais de 20 filmes e 200 músicas, aposentou-se da folia para ganhar salário mínimo, vivendo de favor na casa da sogra.
Dizem que Blecaute era o "General da Banda". Era na verdade o Brancaleone dos deserdados e excluídos, dirigindo com suavidade a nave dos loucos. Agora chorem, foliões. O barco, embriagado, está à deriva.

PEPE ESCOBAR

O "General da Banda" não consegue chegar à avenida

Morreu ontem aos 63 anos, o cantor Blecaute

RIO - Aos 63 anos, depois de uma doença prolongada, morreu ontem, às 12h45, no hospital Cardoso Fontes, Blecaute, o "General da Banda", cantor de sucessos como "Maria Candelária" e "Maria Escandalosa". Ele será enterrado hoje, no cemitério São João Batista.
Blecaute, uma das mais conhecidas figuras do Carnaval, sempre presente nas chanchadas da Atlântida, na década de 50, estava afastado da vida artística por causa do seu estado de saúde. Sofria de hipertensão arterial que, segundo os médicos do hospital Cardoso Fontes, originou outros males.
No seu atestado de óbito consta como causas da morte, além de hipertensão, choque cardiogênito, cardiopatia hipertensiva, insuficiência renal crônica e hemorragia subaracnóide. Blecaute, cujo nome era Otávio Henrique de Oliveira, foi internado na sexta-feira passada e nos últimos dois dias estava no CTI.

Folião empolgado e malicioso

O Carnaval perdeu o seu "General da Banda", uma figura que se tornou quase tão famosa do Rio quanto o antigo "Zé Pereira". Vestido com uma farda engalanada, como a de um regente das bandinhas do Interior, o cantor Blecaute abria a folia carioca, nos anos 50 e parte dos 60, desfilando na Cinelândia ao som do samba "General da Banda", de Tancredo Silva, Sátiro de Melo e José Alcides, seu primeiro grande sucesso, gravada em 1949, e que é, sem dúvida, uma das melhores músicas do Carnaval de todos os tempos.
Nos últimos anos, muito doente e com várias internações em hospitais, ele já estava praticamente afastado das festas momescas. Mas as músicas que cantava continuam animando os foliões. Quem não se lembra de "Maria Candelária", "Papai Adão", "Piada de Salão" ou "Maria Escandalosa"?
Assim como a seleção brasileira de futebol teve seus tempos inesquecíveis com Pelé, Mané Guarrincha, Nilton Satos e Didi, também a música carnavalesca teve, no passado, seus grandes e insuperáveis intérpretes. Blecaute, por sua empolgação, seu ritmo e a potência de sua voz (além da malícia que sabia transmitir como, por exemplo, em "Piada de Salão" ou "Papai Adão") pertencia ao primeiro time, junto com Emilinha, Marlene, Jorge Veiga, Jorge Goulart e outros que tiveram a sorte de cantar na rádio Nacional do Rio, no auge da audiência.
Seu nome era Otávio Henrique de Oliveira. O apelido de "Black-out", depois simplesmente Blecaute, lhe foi dado pelo Capitão Furtado, em São Paulo, quando começou a cantar nas rádios paulistanas. Nascido em Pinhal, interior paulista, em 19 de novembro de 1919 e registrado em 5 de dezembro do mesmo ano (daí as confusões quanto à data de seu nascimento), veio para a Capital ainda menino, quando ficou órfão de pai e mãe. Depois de trabalhar alguns anos como engraxate e entregador de jornais, tentou um programa de calouros na rádio Tupi e iniciou carreira de cantor.
Mudou-se para o Rio em 1942, trabalhando em várias rádios. Dois anos depois, gravou seu primeiro disco, com "Eu Agora Sou Casado", de Cristovão de Alencar - Alcibíades Nogueira, na Continental. Mas o sucesso só aconteceu em 1949, com "Pedreiro Valdemar" (Wilson Batista e Roberto Martins), falando do drama do homem "que constrói o dia inteiro e não tem casa para morar", e "General da Banda". O encontro com a dupla de compositores Armando Cavalcanti e Clécios Caldas foi promissor: são deles os sucessos carnavalescos que Blecaute gravou a seguir, como "Papai Adão" (1951), "Maria Candelária" (1952), "Piada de Salão" (1954) e "Maria Escandalosa" (1955). A partir daí, o cantor fez sucessos relativos ("Quero Morrer no Rio", "Chora, Doutor", Samba do Lê-Lê-Lê"), declinando juntamente com a qualidade das músicas carnavalescas que passaram a ser compostas no País.
Mas nem só no Carnaval Blecaute será sempre lembrado. Compositor nas horas vagas, é autor da canção "Natal das Crianças", que gravou em 1952, e que hoje é presença importante no cancioneiro de músicas de fim de ano. Compôs também "Iansã", para o Carnaval de 1973.
Pobre e quase sem poder trabalhar em shows por causa de suas doenças (bronquite, pressão alta e problemas do coração), Blecaute morreu sem realizar seu último sonho: gravar um LP relembrando 30 anos de Carnaval. Nenhuma gravadora mostrou interesse pelo projeto. Aliás, há muitos anos nenhuma delas se interessava mais por um velho cantor chamado Blecaute que, um dia, foi o "General da Banda".

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