A MORTE DE LENNON REPERCUTE NO MUNDO


Publicado na Folha da Tarde, quarta-feira, 10 de dezembro de 1980

Neste texto foi mantida a grafia original


O assassínio, em Nova York, de John Lennon, ex-integrante do mundialmente famoso conjunto britânico "The Beatles", provocou consternação geral. Mark David Chapman, de 25 anos, autor dos quatro disparos que vitimaram o compositor e cantor, não deu motivos para a sua brutal agressão nem resistiu à prisão. Ele foi formalmente acusado de homicídio em primeiro grau —a mais grave acusação da Corte de Nova York— e poderá ser condenado de 25 anos à prisão perpétua. Ontem, Paul McCartney e Ringo Starr, ex-companheiros de Lennon, falaram sobre a morte do amigo e deverão participar das cerimônias do sepultamento, que ainda não têm data marcada. Lennon deixa uma fortuna avaliada em 200 milhões de dólares, a maioria provenientes dos direitos autorais de seus discos. Com os "Beatles" ou sozinho, John Lennon gravou 72 discos e participou de três filmes e um desenho animado.

John Lennon: "Somos mais populares que Jesus"

Nova York, (FT) - John Lennon disse certa vez que os Beatles eram "mais populares do que Jesus Cristo". Este tipo de afirmação irreverente fez dele o mais controverso dos músicos do conjunto inglês, que revolucionou a música popular na década de 1960.
Lennon nasceu e cresceu nas ruas pobres de Liverpool, ajudou a fundar o "grupo de cabeludos" que foi a vanguarda da chamada "invasão britânica" de "rock-and-roll". A chegada dos Beatles nos Estados Unidos teve tanto impacto, que até mesmo Elvis Presley foi esquecido por algum tempo.
A música dos Beatles foi uma das principais marcas da década revolucionária de 1960, tanto quanto a guerra do Vietnã. Os manifestantes contra a guerra cantavam as músicas dos Beatles e deixavam seu cabelo crescer, aderindo à moda lançada pelo grupo.
Lennon, o mais irreverente dos quatro membros do grupo, nasceu em 9 de outubro de 1940 em Liverpool, Inglaterra, filho de um porteiro que abandonou a família quando ele tinha três anos de idade.
Depois que Lennon se tornou famoso, o pai apareceu. O cantor bateu a porta na sua cara. "Não sinto que devo nada a ele. Ele nunca me ajudou. Cheguei aqui por mim mesmo", declarou.
Lennon frequentou a escola secundária e depois a Escola de Arte de Liverpool, um porto industrial no norte da Inglaterra. Quando cursava a faculdade casou-se com uma colega, Cinthia Powell, de quem se divorciou depois.
Lennon e Paul McCartney começaram a tocar juntos em 1961, tendo feito apresentações em Liverpool e na Alemanha. No mesmo ano formou-se o grupo que se tornou conhecido como Os Beatles, com a adesão de George Harrison e Ringo Starr, sob a orientação de Brian Epstein.
Nos quase 10 anos em que "Os Beatles" existiram, o grupo vendeu mais de 250 milhões de discos e fez três filmes, "A Hard Day's Night", "Help" e "Let it be".
A quarta realização cinematográfica, o desenho "Yellow Submarine", foi bem aceita pela crítica mas não pelo público, que não conseguiu entender toda a simbologia do filme.
Mas foi a sua música que marcou toda uma geração. "Quando as pessoas querem recriar a atmosfera da década de 1960, elas tocam música dos Beatles", disse Aaron Copland, famoso compositor norte-americano.
Os Beatles tocaram a música que ninguém mais tocava. Eles não se pareciam com nenhum outro grupo e se tornaram a maior influência sobre os jovens (e não tão jovens) de sua época.
A parte vocal do grupo era preparada por John Lennon e Paul McCartney, dupla que compôs mais sucessos do que qualquer outro compositor popular.
Como Richard Williams, especialista em música popular, disse: "foi McCartney quem escreveu as lindas melodias, mas foi Lennon quem emprestou ao grupo sua personalidade".
"I want to Hold Your Hand", "Love me Do" e "She Loves You" estiveram nas paradas de sucesso durante meses e serviram de emblema para a "beatlemania", um movimento de fãs que se estendeu por todo o mundo.
John Lennon casou-se, pela segunda, vez, em 1969 com a artista nipo-norte-americana Yoko Ono, que estava grávida. Na ocasião, declarou: "Fomos a Paris passar a lua-de-mel e então interrompemos nossa lua-de-mel para nos casarmos na rocha de Gibraltar".
A alma dos Beatles era Lennon. Mesmo repartindo com McCartney a função de líder, foi Lennon quem "empurrou" o grupo ao topo do sucesso.
A primeira grande mudança do grupo aconteceu em 1965, com o elepê "Rubber Soul", mais elaborado, com instrumentação mais complicada e a introdução da cítara na música popular.
Depois vieram os discos "Revolver" e o "SGT, Peppers Lonely Hearts Club Band".
O último álbum dos Beatles foi "Abbey Road", realizado em 1969. Depois da dissolução do grupo, em 1971, entre rumores de desavenças entre Lennon e McCartney, além de recriminações contra a forma como a sua gravadora era dirigida.
Logo depois, Yoko e Lennon foram às primeiras páginas dos jornais, devido a uma ameaça de deportação. O governo dos Estados Unidos ameaçava deportar Lennon porque o cantor tinha sido condenado em 1968 na Inglaterra pelo uso de drogas. Lennon acabou conseguindo que o seu visto de permanência não fosse cancelado.
Falando à revista "Playboy" sobre a mudança no seu estilo de vida, Lennon disse que: "Há muitas razões."
"Estive sob contrato ou comprometido com obrigações desde os 22 anos até depois dos 30. Depois de todos estes anos, isto era tudo que conhecia. Não era livre. Estava como que encaixotado. O meu contrato era a manifestação física de estar na prisão... Escolhi não fazer as opções padrões, como ir para Las Vegas e cantar os meus sucessos, se tivesse sorte, ou ir para o inferno, que é para onde Elvis Presley foi", declarou.

"Double Fantasy", o último legado

Da morte trágica, renasceu o ídolo e o que John Lennon pretendia marcar com seu retorno à música, depois de cinco anos de ausência. Seu último elepê, "Double Fantasy", que está sendo lançado pela WEA, se transforma agora em último legado a toda uma geração que não deixou de acompanhar seus passos, assim como os de Ringo, George e Paul, na esperança da volta dos "Beatles". "O Sonho Acabou", dizia ele numa de suas músicas gravadas em 1970 e demoraram 10 anos para que se sentisse capaz de dizer algo que considerasse importante e definitivo para essa mesma geração: o encontro de sua própria identidade, a de músico e a de homem.
Depois da fase de afastamento da música e reencontrando a essência do "eu" em seu filho Sean, John agora, somente agora, sentia-se totalmente livre do que ele mesmo chamava 'O Fantasma dos Beatles". Em recente entrevista, ele declarou: 'Quando escrevi "The Dream is Over' eu estava tentando dizer, para tudo o que tinha a ver com os Beatles: saiam do meu pé. Eu também estava tentando dizer para pararem de me olhar, porque eu não ia mais fazer o que eles estavam acostumados a ouvir, isto porque eu não sabia nem o que eu ia fazer com a minha própria vida".
John Lennon gravou seu último disco tendo como companheira inseparável de estúdio sua mulher Yoko Ono, a quem dedicou a belíssima música "Starting Over".
Na ocasião, ele afirmou: "Eu escrevi 'Starting Over' para Yoko, mas depois eu vi que era uma mensagem para todas as mulheres, uma advertência para todos nós: homens e mulheres - recomeçar. O desnível entre os sexos é um grande assunto, que ninguém vê como deveria. Existem todos os tipos de inquietude no mundo - esta raça contra aquela raça, este país contra aquele país - mas sempre as mulheres estão sendo violentadas. Uma de minhas descobertas foi que Yoko é tão ou mais importante para mim quanto a minha música. A primeira existe sem a segunda, mas o inverso é mentira".

72 discos

John Lennon gravou, durante toda a sua carreira, 72 discos (individualmente e junto com os "Beatles"). Entre os principais, estão: "Meet the Beatles" (1964), "Introducing... The Beatles" (1964), "The Beatles" (1964), "The Beatles" (1964), "The Beatles - Second Album" (1964), "A Hard Day's Night' (1964), "Something New" (1964), "The Beatles Story" (1964), "Beatles Jytz" (1965), "The Carly Beatles" (1965), "Beatles VI" (1965), "Help" (1965), "Rubber Soul" (1965), "Yestarday... and Today" (1966), "Revolver" (1966), "Sgt Pepper's Lonely Hearts Club Band" (1967), "Magical Mistery Tour" (1967), "The Beatles" (1968), "Yellow Submarine" (1969), "Abbey Road" (1969), "Hey Jude" (1970), "In The Beginning" (1970), "Let It Be" (1970), "The Beatles: 1962-1966" (1973). "The Beatles: 1967-1970" (1973).

Lennon

"Two Virgins" (1969), "Unfinished Music n.o 2: Music With The Lions" (1969), "Wedding Album" (1969), "Live Peace in Toronto - 1969" (1970), "John Lennon-Plastic Ono Band" (1970), "Imagine" (1971), "Some Time in New York City" (1972), "Mind Games" (1973), "Walls and Bridges" (1974), "Rock' Roll" (1975), "Shaved Fish" (1975), "Double Fantasy" (1980).

A morte do Beatle John Lennon; um assassínio sem explicação

Nova York, (FT) - O ex-Beatle John Lennon foi assassinado segunda-feira à noite por um rapaz que aparentemente o vinha seguindo há dias e que pedira um autógrafo à vítima horas antes.
Ontem de manhã, a polícia divulgou a identidade do assassino: Mark David Chapman, 25 anos, desempregado, ex-guarda de segurança em Honolulu, descrito como "maluco" por um dos investigadores encarregados do caso.
A polícia de Honolulu informou que o assassino, alto e de compleição forte, comprou o revólver calibre 38 que usou para matar Lennon há seis semanas, numa casa de armas a um quarteirão da chefatura de polícia da capital havaiana.
Lennon, que completou 40 anos em outubro, levou quatro tiros em frente à sua casa, o conjunto de apartamentos "Dakota", no Central Park, na hora em que saia de seu carro, vindo de uma sessão de gravação. Yoko Ono, sua mulher, estava com ele e nada sofreu.
Segundo a polícia, Chapman estava esperando no pátio, onde a administração do condomínio permitia que os fãs do ex-Beatle e de outras pessoas famosas que moram no "Dakota" se reunissem para vê-los.
Quando Lennon desceu do carro, Chapman se aproximou e chamou: "mr. Lennon?". Então sacou o 38 do casaco, agachou-se na posição do tiro típica de um profissional e disparou cinco vezes e acertou quatro.
John Lennon cambaleou numa distância de seis passos, até uma pequena sala do guarda, na frente do edifício. "Levei um tiro", gemeu e caiu de bruços.
Testemunhas relataram que enquanto os porteiros chamavam a polícia e a ambulância, Chapman ficou esperando calmamente. Ele deixou cair o revólver, que um guarda chutou e reservou para a polícia.
"Você sabe o que você fez?", perguntou um porteiro a Chapman. "Eu Matei John Lennon", foi a resposta. Sean Strub, que testemunhou o crime, disse que o assassino tinha "uma sombra de sorriso irônico".
Chapman aparentemente chegou a Nova York há uma semana e vinha aparecendo no "Dakota", visita obrigatória: para os fãs dos Beatles na cidade.
Ontem à tarde, disse a polícia, Chapman conseguiu um autógrafo de John Lennon, na capa do último disco dele e da mulher, "Double Fantasy", onde o casal aparece na frente do "Dakota".
Sem esperar a chegada de uma ambulância, a polícia levou o cantor, agonizante, numa rádio-patrulha, com Yoko junto, para o hospital Roosevelt.
"Me digam que não é verdade. Me digam que ele está bem", pedia Yoko dentro da rádio-patrulha. Um dos policiais presentes disse que Lennon sangrava muito no peito. "Você é John Lenon?" ele perguntou várias vezes, mas o ferido só gemia. Ao chegar no hospital, já estava morto.
Um porta-voz do hospital informou que John Lennon sofreu sete ferimentos no peito, cabeça e braço. "Foi impossível ressuscitá-lo."
A autópsia preliminar revelou que Lennon recebeu quatro tiros. Duas balas entraram e saíram do corpo, a terceira ficou dentro e a quarta foi encontrada enfiada em seu casaco de couro, disse o médico-legista chefe, dr. Elliot Gross.
"Foram realizados intensos esforços de ressuscitação, mas, apesar das transfusões e de outros métodos, não se conseguiu nada", explicou.
"Lennon sofreu danos significativos no vaso sanguíneo principal do peito", disse Lynn. "Houve uma perda enorme de sangue e não pode ser salvo. Tenho certeza de que morreu instantaneamente ao receber os disparos. Sua casa ficava a menos de uma milha do hospital e não acredito que fosse possível salvá-lo."
No ano passado, o casal John e Yoko doou mil dólares para ajudar a equipar a polícia novaiorquina com coletes à prova de bala.
O último disco de John "Double Fantasy", dividido com Yoko, foi visto como uma tentativa de volta do artista, que celebrava as alegrias da vida doméstica, do amor pela mulher, da paternidade.


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