"AS POSSIBILIDADES DA GRAVURA NÃO FORAM SUFICIENTEMENTE
EXPLORADAS"
Ouvindo
o artista Livio Abramo, que expõe presentemente seus trabalhos
nesta Capital - As experiencias de Thomas Bewick - Atrasada a gravura
européia
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Publicado
na Folha da Manhã, domingo, 8 de outubro de 1950
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Neste texto foi mantida a grafia original
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Velhos equivocos afetam a compreensão das obras artisticas
contemporaneas. A escassissima difusão - reduzida, em geral,
à literatura facil ou a demagogicos empreendimentos - aliada
à frustada participação dos diferentes generos
artisticos na nosa vida social, escavaram profundo sulco entre as
criações plasticas e o "gosto" comum. A causa
de tal fato reside, talvez, nos numerosos preconceitos que o publico
ainda mantem sobre a qualidade constante da linguagem artistica. Nessas
condições, impõe-se a necessidade de rever nossas
opiniões à luz das experiencias do artista, para verificar
e diferenciar os elementos que realmente dão conta da beleza
plástica. Nesse sentido, a entrevista com Livio Abramo poderá
fornecer ao leitor elementos fundamentais para a descoberta da estrutura
intima da linguagem da gravura.
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O
desenvolvimento da gravura |
Livio Abramo, que está expondo seus trabalhos no Museu de Arte
Moderna, é dos pouquissimos que no Brasil promove (há
trinta anos) constante indagação, aliás amplamente
reconhecida, no domínio da gravura, particularmente para a
eficiencia da xilografia.
-"O desenvolvimento da gravura levou à explicação
do significado de seus elementos, fixando e distinguindo os que lhe
são peculiares como genero artistico" -declarou-nos o
entrevistado, traçando breve historico da gravura. E acrescentou:
-"Antigamente a gravura era auxiliar do desenho, e teve que esperar
até à Renascença para encontrar sua liberdade
e independencia. O gravador era um operario que entalhava o desenho
fornecido pelo artista. Quando, porem, Alberto Durer, para ilustrar
a "Divina Comedia" passou do primarismo linear a desenhar
com meias tintas aquareladas, os gravadores tiveram que recorrer a
processos mais complexos, aliás precedentemente experimentados
pelo inglês Thomas Bewick, processos esses caracterizados pela
descoberta e aproveitamento de materiais adequados. Soube-se, assim,
que a gravação sobre madeira de topo permitiria qualquer
direção ao instrumento e que somente o buril de determinada
forma poderia dar o corte desejado. De outro lado, no exercicio cotidiano,
os gravadores começaram a apreciar certos efeitos graficos
e chegaram à conclusão de que os golpes negativos sobre
o preto eram tão valiosos quanto os pretos sobre o branco.
Desenvolveram o ensinamento de Thomas Bewick, deixando de gravar em
fac-simile para finalidades artisticas.
"Estas, em substancia, as origens da gravura moderna, que nada
mais tem a partilhar com aquela arte mecanica. A luz desprendida dos
cortes ia encontrando uma beleza sistematica, os requisitos plasticos
suficientes. Nascida para reproduzir e difundir as obras pictoricas,
a gravura tornou-se novo genero, às vezes, pelo rigor de sua
linguagem, mas plastico do certa pintura".
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Relações
entre pintura e gravura |
A proposito das relações entre pintura e gravura assim
se expressou Livio Abramo:
-Pessoalmente, sou dos que se batem contra o erro de confundir gravura
com pintura e a injustiça de torná-la um atributo desta.
Quando se fala ou se escreve sobre gravura não se deveria sequer
usar os mesmos termos empregados para a pintura. Há uma concepção
tradicional da gravura, como o há da pintura, que dirige os
meios expressivos para a reprodução do objeto fisico;
abusa de claro-escuro, modelado, e deturpa a beleza grafica para a
documentação otica da natureza. Diversamente , a nova
concepção, caracterizada pela grafia bidimencional,
dosa os entalhes para conjuntos harmonicos subtraindo do plano preto
elementos cuja beleza nada deve à figura que reproduzem. Nesse
sentido, a gravura participa dos problemas artisticos de nosso periodo
historico. Sendo sua tarefa essencialmente mecanica, a gravura tradicionalista
tende a imitar a pintura. Pode-se dizer que em suas formas passadas
a gravura tornou-se uma modalidade da pintura, chegando até
a usar de coloridos, como se dá com a gravura japonesa (1)".
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Possibilidades
no futuro |
Fazendo
ligeiro prognostico sobre o futuro da gravura, diz-nos Livio Abramo:
-"Acho que as possibilidade da gravura não foram suficientemente
exploradas. Atualmente, estou conduzindo pesquisas que poderiam resultar
num conhecimento mais profundo da materia gravada, seja no seu aspecto
natural, seja no artistico. Basta pensar que se podem estampar as
gravações do tronco, tirar copias das materias das paredes,
pois toda superficie grava e imprime, e infinitos são os aspectos
obtiveis, os quais, pelo aproveitamento estetico, muito concorreriam
para o progresso artistico, para a compreensão da gravura moderna.
"Julgo a gravura européia atrasada - continuou - presa
ainda a formulas e interpretações tradicionalistas.
Interessa-me pela gravura inglesa contemporanea e a de alguns mexicanos.
No Brasil, a gravura é pouco cultivada e nada apreciada. Osvaldo
Goeldi, entre nós, honra este genero; dos jovens, desejo lembrar
Marcelo Grassman, entre alguns mais que atuam dentro do principios
da xilografia moderna. Não temos escolas adequadas; a única
que conhceço e a da Casa da Moeda, cujo ensinamento artesanal
é otimo mas carece totalmente de orientação estetica.
(1)
- Na verdade, é dos elementos particulares que provem o sentido
da gravura moderna. O golpe sobre a madeira é inimitavel. A
mão armada de buril e guiada pelo sentido estetico, estribilha
brancos e pretos em ordens variadas e inventivas. A relação
geral de todos os elementos dará a estrutura da gravura. As
diferentes formas da gravura são sugeridas pelos diferentes
materiais empregados, os quais requerem novos instrumentos e diversas
maneira de trabalhar.
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