GRANDE OTHELO VAI TENTAR UMA "GREVE GERAL" NO TEATRO BRASILEIRO


Publicado na Folha da Noite, sexta-feira, 8 de junho de 1945

Neste texto foi mantida a grafia original


O artista patrício já tem até secretário e visitará o México e os E.U.A. brevemente — Carmen Miranda vai casar "contra" o Roberto Martins — O humorista "colored" diz que a oportunidade pertence agora aos mais jovens

Com aquêle mesmo ar alegre com que apareceu em "Moleque Tião", e o mesmo sorriso largo que lhe rasga o rosto escuro, mostrando duas fileiras muito brancas de dentes iguais Grande Othelo subiu num mastro do circo para pronunciar um discurso que trazia de há muito decorado. Depois, afirmou que aquilo fazia parte do grande repertório que trouxe dentro da mala para "abafar" os fans de São Paulo. A seguir, recebe-nos no seu apartamento luxuoso no "Regência Hotel", para falar de sua arte e da arte no Brasil.
Acredita que a oportunidade que se apresenta pertence exclusivamente aos elementos novos, quer no rádio, no teatro ou no cinema, e sôbre o cinema êle tem um entusiasmo enorme e um otimismo que entusiasma.
Declarou:
— "A indústria cinematográfica brasileira tem um campo enorme na sua frente. (...) Eu mesmo, trabalho num filme que será lançado até o fim dêste mês: "Goal da Vitória". Conta que nessa película êle aparece como jogador de futebol, e "nem há dúvida de que é o Othelo quem marca o goal da vitória".
Outra película que está sendo "rodada" nos estúdios da "Atlântica" é "Vidas Solitárias", que Grande Othelo considera um grande drama, capaz de enorme sucesso. Disse-nos:
— "Um dos fatores preponderantes no êxito futuro do nosso cinema é o fato de estarem sendo aproveitados únicamente elementos novos e de grande valor, como muitos que ainda surgirão. Tenho um contrato para fazer três filmes, e o próximo deverá ser sôbre assuntos de carnaval, que será dirigido por Moacyr Fenelon. Estão sendo contratados com exclusividade grandes artistas, para a nossa arte cinematográfica, tais como Mario Brasini, Lydia Mattos e outros cujos nomes farão, aqui, tanto sucesso como os norte-americanos.


Imitando Carmen Miranda

Um dos maiores êxitos dêsse artista patricio é o trabalho de imitação de Carmen Miranda. Êle cantou músicas dessa popular cantora, naquele jeitinho gingado que todo mundo conhece, nos acampamentos de soldados brasileiros e norte-americanos no norte do país. Viajou um mês inteiro de avião, andou em "Super-Fortalezas Voadoras". Disse que ia à Itália, mas o trabalho que teve aqui foi muito grande e êle cansou de voar. Esclareceu: "Minha madrinha estrilou" comigo. Disse que eu não era patriota, que tinha medo, e uma porção de coisas. Mas acho que fiquei mesmo com medo...
Essa madrinha, de quem êle falou uma infinidade de vêzes durante o tempo que conversou conosco, foi o motivo de sua visita a São Paulo. Ela vive aqui, no bairro do Sumaré, e foi para visitá-la que êle veio a esta terra, onde foi criado e de onde guarda grandes recordações. Mas durante êsses quinze dias de licença que conseguiu (êle acha que ficará mais tempo) dará espetáculos em diversos circos, teatros, cinemas e outras casas de diversões. "Não é pelo dinheiro, não! É que eu gosto de ver o público na minha frente. Porisso acho que já nasci artista", explicou.
Acrescenta:
— "Ainda êste ano pretendo ir ao México, e de lá irei aos Estados Unidos. Quando voltar terei uma ótima imitação de Carmen Miranda.
E canta para o repórter ouvir um samba daquela cantora, numa pronúncia confusa de inglés e castelhano. "Quando ela regressar, não saberá mais falar direito o português, foi a sua justificativa. E lançou mais uma novidade, uma dessas notícias de que anda cheio o Brasil sôbre a "imperatriz do samba":
— Ela vai se casar "contra" o Roberto Martins".

Estacionou o teatro nacional

Grande Othelo está desiludido com o teatro nacional, e isso a gente nota no seu olhar morto que exprime tristeza. Diz:
— "É de amargar", mas a verdade é que o teatro nacional estacionou, e isso é um mau sintoma. E o motivo disso são os antigos atores. O nosso teatro parou em Joracy Camargo, Paulo Magalhães, Viriato Correia, Raymundo Magalhães e outros dêsse tempo. Mas parou porque os elementos novos que surgem, que poderiam dar grandes atores, são barrados de tôda maneira. Os bons elementos antigos do teatro estão fugindo para o rádio. Mas isso é porque o rádio pode pagar mais, e a turma quer a "grana". Entre essa gente estão Sarah Nobre, Paulo Gracindo, Manoel Durães, Zezé Gracindo, Lourdes Mayer e outros "bambas".
Mas confessa que assim mesmo, com essa "má vontade da gente velha do teatro", existem elementos novos que estão conseguindo se impôr devido à perseverança e esfôrço. E cita o exemplo de Bibi Ferreira que, segundo afirmou, surgiu "violentamente". Mas Walter D'Avilla e Collé também são atores novos que estão vencendo rapidamente.

A sua conquista

A conquista de Grande Othelo no mundo artístico foi um fato pitoresco que êle conta, naquele sorriso rasgado e na sua giria engraçada:
— "A coisa aconteceu assim. Jardeu Jercolis descobriu Déo Maia e levou-o para o Rio. Nessa ocasião Ary Barroso, que estava "apagado", fêz o samba "No Taboleiro da Baiana", e vendeu-o ao Jardel por 200 cruzeiros para que o Déo o cantasse juntamente com Luiz Barbosa no teatro. Mas acontece que Luiz Barbosa estava doente e não podia "fazer" rádio e teatro ao mesmo tempo. Surgiu, então a minha oportunidade. Cantei o samba com o Déo no "Carlos Gomes" e foi um "cauá". "Abafei a banca". Aí começou a minha vida de artista: fui para o Cassino Atlântico, vim a São Paulo, estive em Santos, viajei para Buenos Aires, etc.

A vitória do rádio

Mas, em todos os setores êle acha que a mocidade precisa reagir. Tem de surgir "violentamente", e fazer frente a tudo. "A oportunidade é dos moços". No teatro, êle está tentando uma greve, e confessa que será uma greve "prá cabeça", onde todo mundo tem de entrar. Declara:
— "Nós queremos é local para nos exibirmos. Precisamos teatros, e queremos também auxiliar de maneira mais positiva os asilos de atores e velhos artistas. Mas a nossa greve contará com o apoio geral, e ela vencerá. O que nos interessa é público, auditório. Queremos ação e oportunidade. Quando chegar a hora todo mundo vai parar. Ficaremos "no canto" durante quinze dias, e as nossas pretenções têm de ser atendidas, porque elas são justas.
Passa a falar do rádio no Brasil, e sôbre isso tem um entusiasmo descomunal. Acha que o rádio brasileiro está resumido na "Rádio Globo", do Rio. Explica:
— "Ali existe tudo o que é de novo e de bom. Se tôdas as estações fizessem como aquela, o nosso rádio já teria atingido a sua máxima perfeição".

Entusiasmo com São Paulo

Grande Othelo, (seu nome verdadeiro é Sebastião Bernardes de Sousa Prata) diz que adora São Paulo. "Já fazia um bocado de anos que eu não vinha a São Paulo, mas a saudade me deu um empurrão e eu cai aqui", contou.
Êle foi o aluno número 335 do Colégio "Sagrado Coração de Jesus", e é como numa doce cantilena que êle recorda os seus bons tempos de "externo". Mas confessa que o que não "topa" em São Paulo "é negro andar só de gravata". Diz:
— "Adoro esta cidade, a avenida São João, a Barra Funda, a garôa... Mas não "trago" êsse negócio de "batente". Essa gente vive trabalhando!... E eu sou da lei do menor esfôrço.
Lembra-se de repente de "sua gente" que, aos domingos à noite, passeia pelo "Triângulo". Diz:
— "Vou dar um "giro" por lá domingo. Póde esperar que quando fôr mais ou menos nove e meia ou dez horas, lá estará aparecendo este "negrinho", metido num terninho bem vermelho com que eu trabalho. Vai ser um "Deus nos acuda". Não garanto chegar até a praça do Patriarca, porque aquela gente é capaz de me "malhar". Mas que vou... vou...
Êle já tem um secretário, o sr. Walter Louzada, mas espera ter uma porção de Walteres Louzadas quando regressar dos Estados Unidos. E diz sorrindo:
— "Vai ser o "trôço" mais duro de conseguir falar com êsse menino Othelo...".


© Copyright Empresa Folha da Manhã Ltda. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Empresa Folha da Manhã Ltda.