COMO BUSTER KEATON ENTENDE QUE HÃO DE SER AS COMEDIAS FALANTES
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Publicado
na Folha da Manhã, terça-feira, 8 de abril de 1930
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Neste texto foi mantida a grafia original
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O mal das comedias do cinema, affirma Buster Keaton, é que o publico
já lhes prevê o final, logo de começo. Esta a razão do relativo declinio
no valor da farça na téla, a ponto de se acharem as mesmas em certa
crise de verdadeiro interesse. Segundo Keaton o cinema falante vem
trazer mudanças radicaes nesse genero de arte, o mais difficil talvez.
"Alguém póde quebrar a cabeça pensando no melhor modo de provocar
o riso, dizia elle no seu camarim nos studios da Metro Goldwyn-Meyer,
mas se o publico sabe o que vae succeder, está perdida toda a graça.
E o publico que frequenta o cinema ha mais de vinte annos, sabe de
cór e salteado todos os ardis, não só os que tratam de comedias, mas
tambem os do drama". Keaton, que vae começar a trabalhar no cinema
falante, está passando em revista o seu methodo inteiro de fazer rir.
Elle tem que inventar differentes situações, porque a voz requer situações
differentes das que são expressas na pantomima. Estudou todas as suas
peças comicas, ha mais de um anno, para evitar no seu primeiro filme
falado tudo o que não possa dar bons resultados. "Creio que se os
demais comicos fizessem o mesmo, se inauguraria uma nova moda de artista
comicos, pois não é mais possível tomar-se muitas liberdades com a
comedia. Por exemplo, alguns têm querido fazel-á differente, começando
com alguma, caracterização atistica, e voltar immediatamente para
as situações comicas. O mal é que se quer tirar partido de ambas as
coisas ao mesmo tempo. Começando com as caracterizações, e uma vez
que se tenha logrado despertar o interesse do publico, é passada a
farça, e o publico perde o interesse. E além disso é muito mais difficil
crear a comedia quando não se tem iniciado o assumpto bem desde o
começo. O melhor meio de inciar a comedia é a opera comica - e no
meu conceito, a opera comica fará em breve furor no cinema falante.
O espetaculo vae se enchendo o palco de gente acclamando o rei ou
o sultão, ou lá o que seja. Finalisa o córo com uma grande balburdia
de cantos e trombetas annunciando a entrada do soberano; apparece
então o Rei Dódó, com um grande nariz, e talvez mesmo em camisa de
dormir. - "Onde estão os meus sapatos?" - perguntará, provavelmente.
Ahi cae o publico numa grande gargalhada. A seguir, continua o argumento.
- "O exercito de Vossa Majestade foi derrotado, e o inimigo está cada
vez mais invadindo o vosso reino!" - declara o primeiro ministro;
- "Mas não se afflija Vossa Majestade, porque ficará com a vossa rainha!"
- "Sim, isso é precisamente o que temo!" - responderá o rei. Naturalmente,
a rainha é uma grande mulher, do typo Maria Dressier, mais ou menos,
e que o espanca a toda hora . Actualmente, com o cinema falante, é
possivel fazer-se qualquer estylo moderno, e com música, libertando-se
do velho systema da téla - o comico, a moça, o marido ciumento e varias
outras coisas de sempre. Os passos cinematographicos tambem terão
de ser differentes. Não se póde surprehender ao publico com uma enorme
palmeira crescida repentinamente, ainda que isto no palco fosse de
muito effeito. Os espectadores conhecem, naturalmente, centimetros
mais ou centimetros menos, o tamanho do scenario e do sub-solo, e
quando apparece de repente alguma coisa de extraordinario é imaginado
que seja algum mecanismo engenhoso. Mas na téla, o publico qualifica
isso de recursos cinematographicos, e não dá maior attenção. O publico
de hoje não se impressiona tão facilmente com situações que já conhece.
Se o comico vae fazer mais visita a casa de alguma moça, a platea
sabe muito bem que irá apparecer todo furioso o marido ciumento e,
provavelmente, com um policia. Assim, quando isso é apresentado não
ha nada de surpreza nem de hilaridade. O publico já conhece quasi
todas as comicidades do mundo. Que se ha de fazer, então, para provocar
o riso? Necessita-se apenas empregar uma nova tactica. A surpresa
é o elemento da comedia. O rei da opera comica é uma surpreza, porque
o córo preparou o publico para ver um personagem respeitavel, apparecendo
em vez de uma figura ridicula. "As minhas melhores comedias foram
aquellas nas quaes eu apparecia sempre occupado em tarefas humildes
e por algum accidente me via lançado ás altas espheras sociaes, numa
posição muito acima da minha mentalidade " - disse Keaton. A opinião
de Buster é que o filme falado se presta mais para a comedia do que
o filme silencioso, tendo-se em conta o milhão de coisas impossiveis
de exprimir na pantomima. Assim ha de ser escripta a historia de uma
opera comeca para o cinema, com a acção movimentada e rapida e embellezada
com musica e canções comicas. De qualquer modo Keaton promette alguma
coisa differente quando apparecer nos seus filmes falados. |
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