Franzino, quasi todo nervatura e sensibilidade, Guilherme de Almeida,
à semelhança dos velhos instrumentos gregos, que resoavam
à menor caricia das aragens, vae-se desmanchando em poemas,
em rythmos, em poesias, deslumbrando-nos com a sua multiplicidade
literaria, trabalho ainda não visto em poetas nossos. Com os
olhos ainda maravilhados pelo "Encantamento" e pelas fortes
refracções do "Meu", eis que hoje todo nos
enchemos de viva alegria com as paginas do seu novo poema, cujo prefacio,
a transbordar de subtilezas engraçadas, aqui deixamos para
que a todos surprehenda com as suas flagrantes contradicções.
"Si um homem conseguisse exprimir o que sente, perderia a faculdade
de pensar.
É para não dizerem o que sentem que os homens pensam.
Uma creatura sincera dá a impressão de que está
dizendo o que sente.
Sinceridade é falta de espírito.
A arte é puramente espiritual. Ella não diz verdades:
diz mentiras bellas. Não adianta nada dizer verdades: quem
ouve fica apenas sabendo. Não é preciso que alguem
"fique sabendo"; é preciso que todos "fiquem
imaginando".
A verdade é o tédio da imaginação.
Saber é um horror. Uma cousa só é bella emquanto
não é sabida: o céu, a alma... Não ha
suggestões possiveis no binomio de Newton.
Si a natureza fosse bella, a arte não teria razão
de ser.
A natureza é o que de ha mais verdadeiro; a arte é
o que ha de mais falso. Mas, entre uma incommodativa aurora boreal
e o scenario do Principe Igor, um homem decente não hesita:
vae direito ao scenario de Bakst.
Porque é preciso que exista a verdade e que exista a belleza,
sinão não poderia haver homens de máo gosto
e homens de bom gosto.
Uma cousa só tem razão de ser emquanto encerra uma
intenção de belleza. A verdade não tem intenções.
É muito mais bello acreditar numa mentira do que numa verdade.
Para que a verdade fosse bella, foi preciso pôl-a dentro de
uma linda mentira: a cisterna da lenda.
Em rigor, não ha verdade nem mentira: ha pessoas que acreditam
e pessoas que não acreditam. A gente só tem necessidade
de acreditar nas cousas incriveis. Ninguem tem vontade de que "aconteça"
um romance de Zola; todos têm vontade de que "aconteça"
um conto de Perrault.
Porisso é que ha deistas. Deus é perfeitamente inverosimil.
Os atheus são homens que com certeza já viram Deus.
A arte é assim: a arte é como Deus. Todos os homens,
querendo assemelhar-se a Deus , criam ou destróem. É
o que justifica haver artistas e haver criticos. Aquelles criam
suggerindo; estes destróem explicando.
Quando um artista não é comprehendido, naturalmente
é porque um critico já tentou explical-o.
Explicar é completar. Sómente as cousas incompletas
é que são perfeitas, porque não satisfazem.
Uma grande obra de arte é sempre incompleta: tem a perfeição
de não satisfazer, isto é, de não cançar
nunca.
***
Mas não ha nada mais inutil do que discutir arte. Só
se discutem convicções. Em arte não ha convecções.
O facto de ter um homem uma convicção prova, quando
muito, que elle foi inferior a quem o convenceu.
O artista é um sêr absolutamente superior."
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