HILDA HILST REVELA POEMA INÉDITO DE DRUMMOND


Publicado na Folha de S.Paulo, sábado, 6 de abril de 1991

Alcino Leite Neto
Editor de Letras

Foi no último dia de 1952. Carlos Drummond de Andrade escreve a Hilda Hilst, e, junto da carta, anexa um poema dedicado a escritora. Drummond tinha 50 anos. Hilda tinha 22. No mês passado, quatro décadas depois, a escritora reencontra a carta entre seus guardados - e reencontrou o poema. É este texto inédito que o "Letras" publica agora com exclusividade (leia abaixo).
No poema, Drummond se declara "mui pertubado" ao abrir a "Folha da manhã"- um dos três jornais que se fundiram em 1960 para dar origem à Folha - e ver Hilda "por entre espécies grãfinas", "girando em boates", com "tanto vestido assinado" que "cobre e recobre de vez/sua preclara nudez". E o poeta lamenta: "Hilda dos outros, não minha... (...) não vês que nesses teus giroflês/esqueces quem tanto te ama?
"Este poema é principalmente fruto de sua alegria de me ver tão jovem, de seu desejo de juventude", comenta Hilda. "Drummond era uma pessoa muito doce e muito tímida - e eu era linda". Foi Ligya Fagundes Telles quem apresentou o poeta a Hilda, que morava em São Paulo. Quando a escritora ia ao Rio, os dois costumavam passear pelas calçadas de Ipanema. "Naquela época eu estava à toda, diz Hilda.
À toda, ela vivia nas colunas sociais. Vestia com Denner ("foi o único costureiro que eu senti que amava as mulheres"). Queria todas as emoções da vida. Estudava direito e escrevia desesperadamente. "Drummond me achava um bom poeta, mas com toda a minha exuberância, não me levava a sério".
Aos 33 anos, Hilda resolveu abandonar a mundaneidade e ser só da literatura. "Não havia mais tempo, puxei o cabelo para trás, e fiz toda uma coisa mais severa, para que ninguém sentisse mais nada por mim nem eu por eles". Praticamente exilou-se em uma chácara 11km de Campinas, a Casa do Sol, onde vive até hoje, até tornar-se um dos principais nomes da literatura brasileira.
Estimada pela crítica, passou ao largo do público, com sua obra difícil, exigente, de alta elaboração. Achou que estava sendo esquecida. Cansou-se da "impopularidade" e escreveu então "O Caderno Rosa de Lori Lamby", uma novela que brinca com os limites da pornografia. Lançando em 1990, o livro a fez voltar às paginas dos jornais.
Foi o primeiro de uma trilogia "erótica", que continuou com "Contos d'Escárnio - Textos Grotescos" e se encerra agora com "Cartas de Um sedutor", terminado em fevereiro. Os três serão reunidos este ano num só volume pela editora Siciliano.
Com estes livros, Hilda ganhou o público mas cindiu a crítica. Mas a crítica é o que menos conta para ela atualmente. Não pensa em abandonar a trilha aberta por "Lori Lamby", e conclui: "Com estes textos fiquei mais ingualzinha aos outros, mais próxima deles. Quem sabe agora venham a redescobrir meus novelas, minha poesia, meu teatro".

Versos foram escritos no último dia de 1952

Abro a "Folha da Manhã".
Por entre espécies grãfinas,
emerge de musselinas
Hilda, estrela Aldebarã.

Tanto vestido assinado
cobre e recobre de vez
sua preclara nudez!
Me sinto mui pertubado.

Hilda girando em boates,
Hilda fazendo chacrinha,
Hilda dos outros, não minha...
(Coração que tanto bates!)

Mas chega o Natal e chama
à ordem Hilda: não vês
que nesses teus giroflês
esqueces quem tanto te ama?

Então Hilda, que é sabi(I)da,
usa sua arma secreta:
um beijo em Morse ao poeta.
Mas não me tapeias, Hilda.

Esclareçamos o assunto:
Nada de beijo postal.
No distrito Federal,
o beijo é na boca - e junto.

Hilda: merci pelo telegrama. Claro que também te desejo todas as coisas boas, em 53 e pelo tempo adiante. Vi sua carta ao Cyro. Jamais estive zandaga contigo, v. é uma boba. Como é que pode? Abraços mil do Carlos.
Rio, 31.XIII.52

© Copyright Empresa Folha da Manhã Ltda. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Empresa Folha da Manhã Ltda.