A ARTE DIFICIL DA CONVERSAÇÃO
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Publicado
na Folha da Manhã - domingo, 06 de abril de 1952
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Neste texto foi mantida a grafia original
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Quando vamos jantar em casa de um amigo, ou quando hospedes visitam
nossa casa, desejamos mostra-lhes amizade e boa vontade, pela conversação.
Assim sendo, que seria mais facil do que começá-la?
Na realidade, que é mais dificil? Uma grande parte da raça
humana, embora mantenha a melhor disposição do mundo,
não tem assunto. Outros são acanhados ou não
possuem estimulo social para entreter os hospedes.
O proposito da boa conversa é recrear. Se convidamos os amigos
para virem à nossa casa à noite, desejamos falar-lhes
de coisas que nos proporcionam prazer. Um debate ou arrazoado é
a ultima coisa que deve acontecer.
A arte real da conversação agradavel depende do começo
da palestra, da orientação que se lhe imprime e do fim
a que é conduzida. O motivo inicial pertence ao hospedeiro
ou hospedeira, mas eles podem não entender a arte, ou pode
ser que não tenham assunto. Se nenhum dos presentes sabe começar,
o grupo sentar-se-á esperando algum milagre.
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Exemplos |
Na minha mocidade conheci bela jovem que, mais que tudo, gostava de
ser convidada para uma festa. Mas, quando a palestra começava,
ela acomodava-se com uma expressão extasiada para apreciar
o que os outros diziam. Ela mesma nunca pronunciava uma silaba.
Por ser bonita, um jovem otimista propôs-lhe casamento, e foi
aceito. Suponho que ele se fiou no fato de que, no matrimonio, há
outras especies de comunicações alem das palavras. Mas
afinal algumas palavras são necessarias, e o habito de silencio
da moça terminou, não em um milagre, mas num divorcio.
Depois disso ela se casou mais duas vezes e obteve mais dois divorcios;
e ainda gosta de palestra, quanto alguem se encarregada de falar.
Toda boa palestra se inicia com uma pergunta - não sobre o
estado de saude de alguem ou que exija opinião. Qualquer pergunta
desta natureza estará destinada a chegar rapidamente a um ponto
final, em vez de provocar uma troca de idéias. As melhores
são aquelas que exigem informação sobre o objeto
a respeito do qual a pessoa interrogada se interessa mais e conhece
melhor.
Se um dos hospedes acabou de voltar de uma viagem, é quase
certo estar cheio de novas experiencias, sobre as quais teria satisfação
em falar. Em anos passados, quando Calvin Coolidge era governador
de Massachusetts, eu encontrei-o em uma recepção, logo
depois que voltara de uma visita às Bermudas. Comecei com uma
pergunta que não foi muito feliz.
"Como o sr. Governador encontrou as Bermudas?" Calvin olhou-me
com sua precaução caracteristica. "Se eu tivesse
estado ali alguma vez, antes, estaria em condições de
dizer se havia alguma coisa diferente agora."
Se eu pudesse reviver este incidente outra vez, não daria ao
sr. Coolidge outra oportunidade para terminar a palestra antes que
começasse. Minha pergunta falhou, porque não o obrigou
a comprometer-se. Eu deveria ter dito: " Sr. governador, v. exa.
poderia dizer-me por que se vai às Bermudas?" Visto que
ele acabava de voltar de uma visita, ter-lhe-ia sido dificil dizer
que não tinha a minima idéia a respeito dos motivos
por que algum ia às Bermudas. O contestavel talento para matar
uma palestra com uma observação, não é
usualmente possuido pelas mulheres. Contudo, recentemente uma jovem
cantora pediu a uma veterana cantora de operas que ouvisse sua voz
e desse sua opinião franca. Tenho cantado varias melodias,
sem obter um simples comentario, a jovem disse nervosamente: "Alguns
dos meus amigos me têm dito que gostam de minhas notas agudas,
outros preferem as graves. Poderia a senhora dizer-me se sou soprano
ou contralto?"
A velha cantora de opera respondeu firmemente. "Não!"
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Processos
proprios |
As pessoas que gostam da boa palestra, muitas vezes inventam seus
proprios processos para fazer a palestra prosseguir. Meu amigo Paul
Weaver, finado professor de musica na Universidade de Cornell, e sua
hospitaleira esposa Hazei, quando convidaram, certa vez, um grupo
de colegas para uma reunião, deram a cada um dos convidados
uma lista dos colegas com uma relação dos assuntos que
os interessava. Estes ultimos, provavelmente, conheciam alguma coisa
adiantadamente sobre os visitantes. Quando os dois grupos se encontraram,
a palestra começou imediatamente.
Agora o leitor pode perguntar; "Por que todo este barulho para
ensinar o povo falar? Por que não devem as pessoas permanecer
caladas e fazer a humanidade feliz com um pouco de silencio?"
A razão é que o silencio das pessoas caladas é
duro para seus amigos e prejudicial para sua propria saude mental
e espiritual. A pessoa que pode ir a uma reunião e sentar-se
calada, enquanto outros estão conversando, pode orgulhar-se
de ter adquirido a arte de ouvir, mas está muitissimo enganada.
Sua arte é descortês para os que falam, porque tal pessoa
naturalmente não sente obrigação de contribuir
para a troca de idéias.
Os pais bem orientados devem afligir-se por um filho ou filha que
nunca diz nada e continua a aceitar hospitalidade sem contribuir para
entreter os outros hospedes. Por fim, um carater como este, torna-se
envenenado com a convicção de que a sociedade é
inimiga, que as outras pessoas são hostis, e que há
alguma coisa errada no mundo.
Uma vez iniciada a palestra o hospedeiro ou hospedeira, ou aquele
que toma a dianteira, deve introduzir nela todos os presentes. Isto
se consegue facilmente, repetindo-se a primeira pergunta e aplicando-a
a todos, a cada um por sua vez. Se perguntarmos à primeira
pessoa como passou as ferias, perguntaremos logo à segunda
se passou do mesmo modo ou de modo diferente. Tanto quanto possivel,
devemos fazer cada um entrar com uma contribuição pessoal
para o assunto central.
Haverá algum momento, especialmente num grupo pequeno e intimo,
em que a conversa se pode tornar muito local ou muito pessoal. A palestra,
naturalmente, perde sua finalidade quando degenera em tagarelice.
Para evitar este perigo, muda-se o assunto levemente, de modo que
se aplique a outras pessoas alem das presentes. Automaticamente, o
tom da conversa será elevado.
Um problema, na maioria das conversas, é de saber como se deve
proceder com as pessoas que gostam de contar pilherias. Uma história
comprida transforma o contador em preletor e reduz as outras pessoas
à condição de auditorio. As piores reuniões
a que tenho assistido se tornaram inesqueciveis por causa de alguma
pessoa, que, tendo surgido inesperadamente com uma historia interessante,
tomou conta da palestra...
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As
Historias de Lincoln |
Abraão Lincoln ocupa um lugar proeminente entre os contadores
de historias, na America, pela propriedade de suas anedotas ou pela
finura de suas observações. Mesmo assim, ele e suas
historias já estão em perigo de se tornarem maçantes,
porque suas observações são sempre muito repetidas
por narradores menos habilidosos.
Recentemente, em uma discussão sobre democracia, quando todos
os membros do grupo concordavam em que cada país tem a sua
propria definição da palavra, um homem surgiu com a
historia de Lincoln e o visitante europeu que não entendia
o ideal americano de trabalho democratico.
"Aqui em seu pais - disse o europeu - vocês engraxam os
seus proprios sapatos. Na Europa, nenhum cavalheiro engraxa os seus
proprios sapatos?".
" É verdade! Respondeu Lincoln. De quem você engraxa
os sapatos?"
O aplauso tentou o individuo a contar outra historia de Lincoln, de
quem infelizmente conhecida muitas historias. Todas elas eram boas,
mas apenas a primeira ilustravam a nossa conversa sobre democracia.
Depois de três ou quatro historias de Lincoln a conversa perdeu
a finalidade.
Se você quiser mudar a direção de uma conversa,
não é necessario introduzir formalmente um novo assunto.
Aqueles que são mestres da arte, sabem que basta apenas mencionar
um assunto mais interessante do que aquele que está em discussão
no momento. John M. Perry, conhecido advogado e uma das mais habeis
pessoas que eu conheço para guiar uma conversa por canais novos,
alcança sempre os melhores resultados porque há uma
veia perfurante no seu temperamento.
Eu me lembro dele no fim de uma bela tarde quando a conversa, em grande
parte devido a sua presença, tinha sido util. Em uma pausa
momentanea ele observou casualmente: "Não é interessante
esta nova publicação dos direitos civis no Sul?"
Ele não fez nenhuma outra contribuição para o
assunto, mas apenas observou como o grupo caiu sobre ele e o esmiuçou.
Naturalmente, esse foi o fim da tarde.
O espertalhão não teria introduzido o tema, se não
estivesse pronto para pegar o chapéu e sair. Mas mostrou corretamente
como se muda de assunto.
A melhor palestra e, às vezes, a mais dificil de se manter,
é entre marido e esposa. É dificil porque os dois conhecem
bem um ao outro e podem esgotar gradualmente quaisquer assuntos que
tenham em comum. Se o marido e a esposa limitam sua conversa imediata
e exclusivamente ao que lhes interessa, logo começarão
a aborrecer um ao outro. Por outro lado, se eles trocam idéias
sobre assuntos que se referem a muitas pessoas em muitos lugares diferentes,
poderão descobrir interesses e pontos de vista encobertos.
Esta descoberta pode ser surpreendente para alguns de nós,
visto que não gostamos de pensar que não conhecemos
perfeitamente a nossa cara-metade. Mas as sempre mutaveis combinações
da experiencia humana conservam os carcteres dos homens e mulheres
em condições de desenvolvimento, mesmo depois de estarem
casados por muito tempo.
Todas as regras para a boa conservação têm o mesmo
proposito: ensinar o individuo a ter personalidade, ajudá-lo
a compreender os outros e ajudar os outros a compreendê-lo.
Qualquer que seja o beneficio que possa haver no silencio, não
deve haver nenhum que resulte do fracasso do individuo em comunicar-se
com seu semelhante. Afinal, pode-se dizer que toda conversação
gira em torno de nós mesmos. É uma revelação
de nosso carater e de nossos ideais e, se foi orientada com segurança
torna-se um exercicio de tolerancia e imaginação.
Uma observação final. Por que falar, a não ser
para ser ouvido? É para ser ouvido não precisamos falar
alto; de fato, uma voz ruidosa destroi o proposito de uma boa palestra.
É menos importante falar alto do que falar com clareza, e dar
a cada palavra e frase a expressão que desejamos que tenham.
Se você souber exatamente o que quer dizer, antes de falar,
e se tiver bastante ar nos pulmões antes de abrir a boca, a
expressão de sua voz e a compreensão daquilo que você
está dizendo atrairão a atenção, muito
mais do que o ruido. Um grande cantor pode prender a atenção
do auditório com uma transição suave. Quem compreende
a arte da boa palestra, pode prender a atenção com uma
idéia sabia ou boa expressa com palavras amaveis e suaves no
tom. |
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