NASCE NO BRASIL A INDUSTRIA CINEMATOGRAFICA


Acolhido com caloroso entusiasmo pelo publico o filme "Caiçara"

Publicado na Folha da Manhã, domingo, 5 de novembro de 1950

Neste texto foi mantida a grafia original

O lançamento de "Caiçara", em "avant-première" de gala e numa ante estréia popular, realizou-se sob uma atmosfera de expectativa justificada. O comercio, a industria e o povo tinham, durante estes ultimos oito meses, sua atenção voltada para a Companhia Cinematografica Vera Cruz, a primeira que se organiza no país em moldes verdadeiramente industriais, assentada sobre bases reais e solidas e preconizando as mais amplas perspectivas para a cinematografia brasileira.
Já na sua primeira entrevista depois de seu regresso da Inglaterra declarava o produtor Alberto Cavalcanti, ao desembarcar no aeroporto de Congonhas, quando foi recebido pelas entidades culturais de São Paulo:
"O fato novo, representado pela Vera Cruz, é que se projeta criar a industria cinematografica brasileira, o que quer dizer que a atividade produtora da empresa não sofrerá solução de continuidade, como até agora vem acontecendo com as arrojadas iniciativas que nesse campo se vem tomando."
E na realidade, pela sua organização, pela sua atividade inicial, pelos seus metodos e pela segurança com que foram lançados seus fundamentos, a Vera Cruz deu o primeiro passo na criação daquela industria, abrindo as mais amplas possibilidades e a mais larga perspectiva ao cinema brasileiro. Daí aquela expectativa que tomou conta de todas as camadas sociais de São Paulo.
Era de esperar-se o entusiasmo popular em torno da primeira produção da empresa do sr. Franco Zampari. Em primeiro lugar pelas razões expostas acima e em segundo porque a Vera Cruz anunciava que "Caiçara" era a primeira pelicula nacional realizada dentro do padrão internacional de cinema, razão por que seria exibida em todas as telas do mundo, de acordo com a comunicação do presidente da Universal-International, sua distribuidora. Em torno de "Caiçara", pois, formava-se um ambiente muito mais intenso do que aquele que o povo demonstra infalivelmente em torno de qualquer filme brasileiro, bom ou mau. O publico esperava muito mais da Vera Cruz e não estava disposto a fazer o minimo de concessão a qualquer falha.
As expectativas, entretanto, foram superadas. Os que assistiram a pelicula dirigida por esse intelectual simples e modesto que é Adolfo Celi não puderam deixar de manifestar o que se poderia chamar de jubilo patriotico por uma realização que se coloca à altura de nossas possibilidades tecnicas e artisticas. O que se dizia, em torno da cinematografia nacional, isto é, de que eramos capazes de realizar produções iguais ou melhores do que a media apresentada pelo cinema estrangeiro, tornou-se uma realidade com "Caiçara". E o que afirmavam Cavalcanti e seus colaboradores, no sentido de que o cinema brasileiro deve e pode ser organizado em bases industriais, deixava de ser mera promessa. Nos gigantescos estudios de Jardim do Mar nasceu a industria cinematografica brasileira, em todos os sentidos. Os desejos do povo brasileiro, sempre interessado pelo cinema nosso, foram correspondidos.
Tanto na "avant-première" de gala como no dia do lançamento em 14 cinemas da cidade, nossa reportagem procurou escutar a opinião do povo em torno de "Caiçara". Colheu as melhores impressões. Sentiu, como dissemos, o entusiasmo popular pelo filme de Celi, há tanto tempo esperado. O filme é um autentico sucesso artistico e o publico soube compreender que seu estilo é nacional, fugindo, como disse Adolfo Celi em entrevista à FOLHA DA NOITE, aos tipos de cinema a que estamos habituados a assistir. Não pertence nem ao estilo de vanguarda, nem ao do cinema francês, nem ao italiano, nem ao americano. Cavalcanti e sua brilhante equipe tiveram a preocupação de criar, do ponto de vista artistico, o nosso estilo, o estilo brasileiro, trazendo para a tela nossos habitos, nossa vida, nossas tradições, nossas concepções de vida. Aí reside em grande parte, tambem, a razão de seu sucesso, pois esse aspecto não fugiu ao atento publico que assiste, com o mais vivo interesse e a mais intensa simpatia, à exibição de "Caiçara". E "Caiçara" está sendo exibido em 14 cinemas, com uma capacidade para 100 mil expectadores diariamente.
O lançamento do primeiro filme da Vera Cruz constitui, pois, um acontecimento dos mais importantes dos ultimos tempos. Talvez seja por compreender o alcance dessa significação que o publico, fugindo ao seu comportamento habitual nos cinemas, aplaude o filme após a cena final. É essa a primeira vez que tal acontece, o que por si só representa uma garantia para os novos exitos da Vera Cruz, que dentro em pouco nos apresentará outras produções, ora em realização. E com elas o Brasil poderá demonstrar aos outros países sua capacidade e suas possibilidades.

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