"... sem dar crédito às primeiras testemunhas que encontrei, nem às minhas próprias impressões, mas narrando apenas os acontecimentos de que fui espectador ou sobre os quais tive informações seguras." Tucídides (cerca de 460-399 A.C.)

A citação de Tucídides, o modelar historiador grego, traduz, por si só, o sentido do que abaixo vai transcrito. Se a missão dos jornais é a de formar opinião, não é menos importante sua natureza de documento histórico.
O que vai abaixo reproduzido é a transcrição, ipsis literis ou ipsis verbis (as ordens eram dadas pelo telefone), das determinações que a Censura Federal transmitia aos jornais durante período recente da história contemporânea.
É a primeira vez que essas ordens vêm à luz.
A proximidade dos acontecimentos que marcaram a vida brasileira durante mais de um lustro não são de todos conhecidos. Mas é com uma visão global que as determinações da censura devem ser lidas. Todos os fatores que formaram essa parcela de história de nosso país devem ser levados em conta, para uma leitura correta e desapaixonada das ordens que preenchem esta página.
Para efeito de publicação, foram escolhidas ao acaso, ao compulsarem-se os arquivos que guardam as determinações que durante anos a Censura transmitiu aos jornais. São ao todo 101 ordens aqui registradas, de um total de 286, total este que abrange o período março de 1972 a dezembro de 1974, escolhido deliberadamente, por marcar uma fase de transição.
A gama dos temas abrangidos pela Censura Federal era vasta. O texto que se segue é portanto uma simples amostragem. As identidades dos agentes incumbidos de transmitir essas ordens aos jornais foram, obviamente, omitidas. Mencioná-los seria afastar-se totalmente do objetivo desta publicação.
O ano de 1975 marca o afrouxamento das medidas restritivas à liberdade de divulgação de notícias, nos grandes jornais, até seu desaparecimento. Encontram-se ainda, contudo, submetidas a regime de censura prévia, várias publicações patrícias.
O leitor encontrará, na leitura dessas ordens, temas cuja divulgação fora rigorosamente vedada e que são colocados atualmente à mais ampla, polêmica e até ruidosa exposição. O que oferece o necessário termo de comparação ao leitor e ao historiador.

5/3/72 - 10h30 - Por determinação da Polícia Federal, fica proibida a divulgação de qualquer notícia sobre o incidente ocorrido entre a Polícia Militar de Mato Grosso e posseiros, no município de Sta. Terezinha, em que estariam envolvidos um padre e um bispo.
16/6/72 - Está proibida, a partir de hoje, a publicação de qualquer matéria ou comentário das conferências pronunciadas na ESG (Escola Superior de Guerra).
28/6/72 - 20h20 - Está proibida a divulgação das seguintes notas:
1 - Despacho de Brasília, dirigido aos jornais, desmentindo o adiamento das eleições municipais;
2 - Especulação de que Médici (o presidente Garrastazu Médici) escolheria pessoalmente seu sucessor;
3 - Que o ministro da Justiça ou o ministro do Trabalho seriam candidatos (respectivamente, srs. Alfredo Buzaid e Júlio Barata).
29/6/72 - 20h20 - Está proibida a divulgação de:
1- Comentário sobre intervenção governamental no mercado de capitais em consequência de reunião, ou demissão, dos presidentes das Bolsas de São Paulo e Rio;
2 - Noticiário sobre a prisão de quadrilhas de menores na Rodoviária, envolvendo policiais civis e da PM.
6/7/72 - 19h40 - Está proibida a publicação da entrevista de d. Hélder Câmara à revista "Politika".
2/8/72 - 21h30 - Está proibida a divulgação de qualquer notícia referente à prisão ou desaparecimento de jornalista no Rio de Janeiro.
22/8/72 - 16h45 - Está proibida a divulgação de qualquer notícia ou comentário a respeito da sucessão do presidente Médici.
24/8/72 - 22h - Fica reiterada a proibição de publicação de qualquer notícia referente à sucessão do presidente Médici; inclui-se nessa restrição a transcrição de discursos ou pronunciamentos feitos em Câmaras e Assembléias.
6/9/72 - Está proibida a publicação do decreto de D. Pedro I, datado do século passado, abolindo a censura no Brasil. Também está proibido qualquer comentário a respeito.
5/9/72 - Está proibida a divulgação de quaisquer análises, comentários, entrevistas sobre os seguintes ítens:
1 - Amnesty International;
2 - Abertura política ou democratização;
3 - Anistia para cassados ou revisão de processos;
4 - Críticas desfavoráveis à política econômico-financeira;
5 - Sucessão presidencial;
6 - Entrevista de Roberto Campos (economista, ex-ministro do Planejamento).
Nota: A proibição atinge inclusive ex-ministros e ex-autoridades do Governo.
20/9/72 - 20h10 - Fica proibida a divulgação de notícia sobre a apreensão de jornais em Porto Alegre.

N. da R. - As anotações entre parênteses e em itálico são da Redação.