UMA ENTREVISTA DE CHAPLIN
Curiosas
declarações do grande artista - Um livro que jamais
será dado a Mac Carthy
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Publicado
na Folha da Manhã, quarta-feira, 5 de maio de 1954
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Neste texto foi mantida a grafia original
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O jornalista italiano Alfredo Paniucci, de "Epoca", obteve
em fins do mês passado uma entrevista de Chaplin - em sua vila
de Corsier-Vevey, Genebra - que pode ser considerada sensacional.
Correra uma noticia, na França e na Italia, que Chaplin, ao
comemorar seu 65º aniversario, no dia 16 ultimo, receberia os
representantes da imprensa daqueles dois paises para uma entrevista
coletiva. Na realidade, tratava-se de mero boato. O grande ator nada
havia marcado e foram numerosos os jornalistas que fizeram inutilmente
a viagem, voltando apenas com algumas fotos da residencia de Chaplin
e no maximo de um ou dois de seus filhos. Paniucci, entretanto, foi
mais persistente. Insistiu, junto ao mordomo, para ser recebido. Este,
após tenaz resistencia, comprometeu-se a falar com o criador
de "Luzes da Ribalta": se ele estivesse de bom humor, no
dia seguinte, era provavel que concederia a entrevista. E o reporter
italiano voltou, para conversar com Chaplin, dele obtendo declarações
que, se não são novas, não deixam de ser curiosas.
Depois de descrever o aspecto da vila, as particularidades que pôde
notar, na sala de espera, Paniucci, que é o primeiro jornalista
a ser recebido por Chaplin na sua vila suiça, diz que ele lhe
parece, em trajes esportivos, com um aspecto extraordinariamente juvenil.
Seus olhos azuis, sobretudo, são sorridentes como os de um
menino. Conduz o reporter a uma pequena colina nos fundos de sua vila,
depois de recusar o chapéu, que lhe oferece sua esposa: "Não
sou tão velho assim para necessitar de chapéu",
diz. E sai, quase correndo, acompanhado pelo reporter. Na colina,
faz um gesto amplo com os braços, parecendo querer alçar
voo e diz: "Deste ponto, domino o lago."
Ambos regressam e Chaplin vai mostrar o quem possui na sua vila. Aponta
para um espelho, "puro estilo Chippendale" e sobre uma escrivaninha
o reporter observa apontamentos que acredita serem de um "script".
São folhas divididas ao meio, escritas do lado direito, ao
passo que do esquerdo algumas notas apenas. Chaplin fala, mostrando
suas famosas porcelanas, mas a atenção do jornalista
é despertada por uns quadros abstracionistas.
Chaplin pergunta: "Gosta?" E acrescenta : "Para mim
são profundamente antipaticos. Tenho-os na parede exclusivamente
porque, vendo-os, saio desta sala, de que não gosto."
Mal termina a frase e abre uma porta que dá para o estudio,
decorado de moveis austeros e escuros. As quatro paredes estão
recobertas de livros. Poucos discos sobre a vitrola, entre os quais
a "Nona" dirigida por Toscanini. Chaplin aponta para os
livros, denotando orgulho. São todos luxuosamente encadernados.
De uma estante tira uma edição de Shakespeare, 1700,
impressa em Londres. O jornalista vê, nas estantes, obras de
Thakerav, de Platão, Maupassant, Plutarco, Balzac, Dickens,
Poe e Thomas Payne. Num angulo, descobre "Mein Kampf", de
Hitler. Chaplin exclama, sorrindo: "Não sou nazista, não.
Li-o antes de realizar "O Grande Ditador". Mac Carthy gostaria
de possuir este livro. Mas não o darei, jamais." E ante
uma pergunta do jornalista, diz, sempre sorrindo, os olhos azuis exprimindo
ironia: "A maior parte de meus livros são sobre psicologia.
Gosto muito de estudar o proximo; gosto das ciencias ocultas. Ah!
Se eu pudesse transformar-me em feiticeiro!"
Ambos voltam para a outra sala, já acompanhados de Oona. Na
porta o jornalista quer dar passagem primeiro a Chaplin, mas este
abre caminho e diz: "É inutil você querer ver minhas
costas; não sou Marilyn Monroe." E ri, gostosamente. Deixa-se
cair numa poltrona e pergunta: "Nunca esteve em Hollywood, na
California? Não? Pois não vá nunca para lá.
Não vale a pena". Ergue-se, põe a mão direita
sobre o peito e levanta a esquerda, para recitar: "Moi, moi seul
et c'est assez." Inclina-se e acrescenta: "De "Medéia",
de Corneille". Oana sorri e Chaplin, ao observá-la, continua:
"Minha mulher quer voltar para a Italia. Tenho um desejo feroz
de rever Florença e Veneza. Florença é uma cidade
estupenda. Mas sabe onde eu gostaria de viver? Nos tropicos, em Singapura,
em Java, em Bali. Pena que haja muitas moscas." E, como se estivesse
dando combate a uma mosca, faz um "gag" que o jornalista
considera irresistivel. Mas aproveita o instanste para fazer uma pergunta
sobre o proximo filme de Chaplin. Ele agora parece irritar-se. Diz
apenas: "Até agora não tenho nada de concreto.
Posso dizer que não será uma tragedia como "Mr.
Verdou" e "Luzes da Ribalta", mas uma comedia moderna:
um filme que focalizará os diferentes sistemas de vida dos
americanos e dos europeus." E ante uma nova pergunta de Paniucci,
o genio diz: "Os americanos não me querem bem. Durante
30 anos me admiraram e depois passaram a odiar-me. Feriram-me profundamente."
A esta altura, diz o reporter, alguns fotografos que permaneceram
na cidade já estavam entrando na vila de Chaplin. Eles entram
e batem chapas, perturbam a entrevista. O mestre ordena uisque para
todos, e grandes doses são servidas. E Chaplin aproveita para
retirar-se da sala.
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