DE EÇA DE QUEIROZ A EDUARDO PRADO


Publicado na Folha da Manhã, domingo, 5 de maio de 1929

Neste texto foi mantida a grafia original

Esta carta não figura em nenhuma das obras do grande escriptor

Paris, 15 de Agosto de 1898 - Querido Prado. Antes de tudo o assumpto "Viagem". Não posso ir, infelizmente! Tenho vinte e duas razões - mas só lhe dou as duas primeiras: o negocio da Serra, que não está decidido, não está adiado, e justamente neste momento reclama mais attenção e esforço; o negocio do "Ramires", que os meus editores, muito prejudicados com as pavorosas demoras da "Cidade e Serras" e "Fradique", me supplicam de findar, e rever, e ter preparado para livro, antes de elle passar todo na "Revista". Se estes dois negocios, além dos outros vinte, tivessem uma leve tangente por onde eu me pudesse escapar, iria, amanhã, já esta tarde, porque com o abafamento de Paris, e a solidão da casa e a extranha melancolia que se apoderou de mim, eu estava bem precisando de movimento, companhia d'amigo, e grande ar de montanha!
Mas que! A libertação dos servos não se estendeu aos que trabalham nos chamados "campos da intellectualidade", e de resto por todo o mundo cada vez ha mais escravos... Agora, em quanto ao artigo. Foi uma derrota. Graças à indecente bosculagem do principio, e da qual você magna pears fuit, eu metti à pressa por um caminho que trilhei, a gemer e a suar atravez da sua aridez, durante dez dias: e só ao fim é que descobri a fresca, risonha, assombreada vereda por onde devia ter vindo. Quer isto dizer em estylo menos asiatico que, em vez de fazer sobre Você um luminoso e agradavel tableau de genre, fiz uma immensa, e tristonha e monotona grisaille, que me inspira um incomparavel tedio. Ao ver nas provas a obra horrenda (porque não me deixaram sequer reler o original) decidi refazer o trabalho todo nas desgraçadas provas. E agora tinha largueza de tempo, porque depois da vertiginosa pressa, ou antes no meio della (!) o Botelho desappareceu, não sei para que vaga Suissa, e nunca mais tugio nem mugio. Revista parada - eu portanto com vagares... Refundi pois todo o monstro nas provas, mas debalde! Por mais desbastado e limado, e disfarçado, e ajanotado e moncheté de pequeninas e affectadas graças, o monstrengo ficou monstrengo. É o peor artigo de todos os meus artigos maus... E pensar que, se se tratasse de um indifferente, talvez eu tivesse sido sublime!
Emfim ahi devem ir agora as segundas provas. Leia com resignação. E ao lado, à tinta azul, faça ao desvalido e indigente artigo, a esmola de alguma idéa, e até mesmo de algum adjectivo. Eu, depois, cá passarei esse bom metal para o meu cunho particular. Repare bem nas passagens que dizem respeito ao Brasil, Politica, etc.
E escreva. A Emilia e pequenos na Bourboule, onde estão bem, graças a Deus, e para onde tenho mandado os seus gritos de cima dos montes. Apresente os meus affectuosos respeitos à Sra. D. Carolina, minha senhora, e para Você fraternal abraço do seu C. - Queiroz."


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